Estava eu a ler um conto de Natal do Miguéis, quando deparo
com a palavra “apólogo”. Dizia ele que “para as crianças aquilo era um
verdadeiro conto de Natal” e “para as crianças grandes, era um apólogo
humorístico”.
Ora como já sou grandinho o “apólogo” tocou-me muitas
campainhas. Lembrei-me das primas “fábula” e “parábola” e os
valores que nos eram incutidos pela lição de moral que cada uma destas
histórias encerrava.
Os estudiosos dizem que as três são géneros distintos. As parábolas
ouvíamo-las na missa ou na catequese, as parábolas de Jesus – histórias bíblicas
protagonizadas por seres humanos, com lições morais ou espirituais.
Esopo e Fedro foram os pais de tantas fábulas que ouvi e
também li. Mas o ‘tetraneto’ deles foi o francês La Fontaine, de quem eu já
tinha livros e através dos quais conheci toda a fauna doméstica e selvagem, a pregar-me
moralidades.
Mais tarde entrou o apólogo nas minhas leituras. A diferença
para os outros géneros reside nos protagonistas da história, que nos apólogos
geralmente são seres inanimados e nas fábulas lá temos os animais.
Quando vou ao fundo da memória, à procura dos apólogos, palavra
com que sempre simpatizei, saltam-me os “Apólogos Dialogantes”,
de D. Francisco Manuel de Melo e os seus Relógios Falantes. Recordo o
diálogo entre o Relógio da Cidade e o Relógio da Aldeia, escrito por este autor
em 1721, onde faz uma sátira de costumes, verbera ministros, vaidades e até discorre
sobre a função dos relógios – o dar horas, as horas, palavra sempre na boca dos
homens:
«… em boa hora, e má hora; ide com as horas más; vinde com
as horas boas; uma hora muito fermosa; nas horas de Deus; as horas peremptórias;
as horas sucessivas; são horas; a que horas; a desoras; fora de horas e outros
mil modos de dizer.»
Falando em horas, a toponímia portuense recorda-me sempre a
Boa Hora. Repare-se como a comissão toponímica teve o cuidado de nomear três
ruas que circundam o hospital onde muitos portuenses nasceram – Entra-se pela Rua
da Boa Hora, deseja-se sempre uma boa horinha, uma hora pequenina, segue-se
pela Rua da Maternidade e sai-se pelo outro lado, pela Rua da Boa
Nova, que é preciso dar à família.
Voltando ao D. Francisco Manuel de Melo, recordo que também
escreveu a “Carta de Guia de Casados”, que li quando era
solteiro. Ainda tenho o livro que foi editado com o número 12 na Colecção
Livros RTP, que já me custou 15 escudos.
Quanto aos seus conselhos, hoje é melhor esquecê-los, senão
fique-se com este:
«Disse que seria bom ocupar a mulher no governo
doméstico; e é bom, e é necessário, não só para que ela viva ocupada, senão
para que o marido tenha menos esse trabalho.»