domingo, 5 de outubro de 2025

“Apólogo” – palavra de antigamente

 


Estava eu a ler um conto de Natal do Miguéis, quando deparo com a palavra “apólogo”. Dizia ele que “para as crianças aquilo era um verdadeiro conto de Natal” e “para as crianças grandes, era um apólogo humorístico”.

Ora como já sou grandinho o “apólogo” tocou-me muitas campainhas. Lembrei-me das primas “fábula” e “parábola” e os valores que nos eram incutidos pela lição de moral que cada uma destas histórias encerrava.  

Os estudiosos dizem que as três são géneros distintos. As parábolas ouvíamo-las na missa ou na catequese, as parábolas de Jesus – histórias bíblicas protagonizadas por seres humanos, com lições morais ou espirituais.

Esopo e Fedro foram os pais de tantas fábulas que ouvi e também li. Mas o ‘tetraneto’ deles foi o francês La Fontaine, de quem eu já tinha livros e através dos quais conheci toda a fauna doméstica e selvagem, a pregar-me moralidades.

Mais tarde entrou o apólogo nas minhas leituras. A diferença para os outros géneros reside nos protagonistas da história, que nos apólogos geralmente são seres inanimados e nas fábulas lá temos os animais.

Quando vou ao fundo da memória, à procura dos apólogos, palavra com que sempre simpatizei, saltam-me os “Apólogos Dialogantes”, de D. Francisco Manuel de Melo e os seus Relógios Falantes. Recordo o diálogo entre o Relógio da Cidade e o Relógio da Aldeia, escrito por este autor em 1721, onde faz uma sátira de costumes, verbera ministros, vaidades e até discorre sobre a função dos relógios – o dar horas, as horas, palavra sempre na boca dos homens:

«… em boa hora, e má hora; ide com as horas más; vinde com as horas boas; uma hora muito fermosa; nas horas de Deus; as horas peremptórias; as horas sucessivas; são horas; a que horas; a desoras; fora de horas e outros mil modos de dizer.»

Falando em horas, a toponímia portuense recorda-me sempre a Boa Hora. Repare-se como a comissão toponímica teve o cuidado de nomear três ruas que circundam o hospital onde muitos portuenses nasceram – Entra-se pela Rua da Boa Hora, deseja-se sempre uma boa horinha, uma hora pequenina, segue-se pela Rua da Maternidade e sai-se pelo outro lado, pela Rua da Boa Nova, que é preciso dar à família.

Voltando ao D. Francisco Manuel de Melo, recordo que também escreveu a “Carta de Guia de Casados, que li quando era solteiro. Ainda tenho o livro que foi editado com o número 12 na Colecção Livros RTP, que já me custou 15 escudos.

Quanto aos seus conselhos, hoje é melhor esquecê-los, senão fique-se com este:

«Disse que seria bom ocupar a mulher no governo doméstico; e é bom, e é necessário, não só para que ela viva ocupada, senão para que o marido tenha menos esse trabalho.»