Começo hoje
com a Ascensão de Cristo, pintura a óleo, de 1520-30, de um pintor português,
Frei Carlos.
A felicidade deve estar sempre em cima, por isso é
necessário chegar a níveis superiores para a alcançar. É preciso levantar a
cabeça, lembrar o rifão «quem quer a bolota ‘atrepa’» e pensar que o melhor dia
é já amanhã – “o dia da Ascensão”.
Se olharmos apenas pelo lado religioso, este dia é móvel no
calendário. Só é preciso contar 40 dias após a Páscoa, que não tem dia
fixo. O número 40 aliás é citado inúmeras vezes nos textos bíblicos, por
exemplo anos ou dias a passar no deserto, ou a subir montanhas, a fazer jejum
ou a suportar o dilúvio, para depois alcançar melhores tempos. O calendário
religioso assinala o dia, como o do aparecimento de Jesus Cristo após a Páscoa
e o seu imediato desaparecimento, a ascensão (a subida) ao céu. Já agora
se de tratar da Virgem Maria, a subida ao céu toma o nome de “assunção” –
e a data da subida celebra-se a 15 de Agosto.
Se sairmos do religioso para o profano esta 5.ª feira da Ascensão toma o nome de ‘Dia da Espiga”. É pouco celebrado cá pelo norte, mas no centro e sul do país ainda tem fervorosos fiéis. Para o comemorar, fazem um passeio pelo campo, colhendo espigas de cereais, (trigo ou centeio) flores (malmequeres, papoilas), plantas silvestres e ramos de alecrim e oliveira, fazendo um ramalhete que há-de ser colocado atrás da porta (sempre livra do mau-olhado) e substituído no ano seguinte. Quando trovejar, há-de se queimar uns bocadinhos e rezar a Santa Bárbara. O dia é por alguns considerado “o dia mais santo do ano”, dizendo que não se devia trabalhar neste dia.
«Era chamado
o "dia da hora" porque havia um momento em que tudo parava:
pelo meio-dia, em algumas localidades e pelas 15 horas, noutras localidades,
onde "as águas dos ribeiros não correm, o leite não coalha, o pão
não leveda e as folhas de oliveira cruzam-se"»
O culto mariano também nomeou uma das ‘Senhoras’ – a da
Senhora da Ascensão, a celebrar neste dia. Em algumas localidades temos outra
‘Senhora”, que aproveita a mesma data para sua evocação – é o caso da Senhora
da Hora.
Aqui começam as minhas dúvidas, quando penso na “Senhora da
Hora” de ao pé de casa. A festa é quinta-feira, dia da Ascenção, mas porquê “da
Hora”, será que era a senhora da “tal hora”? Vamos à história…
Sem ir ainda às lendas, reza a história que «…em 1514, Aleixo Francisco
possivelmente ligado à burguesia mercantil, e às actividades do mar, mandou
construir uma capela: a capela de Nossa Senhora da Hora», nos Montes
do Viso, mais ou menos ali pelo sítio da “Mãe d’água’, onde hoje se ergue a
“igreja velha da Senhora da Hora”. Porquê? Teve a divina graça de ser pai.
A Capela deve ter
passado pela posse de vários devotos até às Inquirições de 1758, quando já se
já registavam no recinto mais duas capelas – uma a S. Bartolomeu e outra à
Senhora da Penha. A devoção maior foi sempre à Senhora da Hora e mais ainda quando
a Virgem Maria apareceu lá perto da fonte.
Dizem que em 1893, transferiram uma pedra alusiva à aparição,
do adro em frente à capela para a própria fonte, que foi então restaurada. Assim
passamos a ter uma água milagrosa, que jorrava por sete bicas. É a tão afamada Fonte
da Sete Bicas.
As romarias intensificaram-se, com os romeiros a diversificar
caminhos e transportes. Se uns ainda vinham a pé, do Porto pela Falperra, Ramada
Alta, Carvalhido e Viso, outros vinham em carroções, carros puxados a cavalo e
até, depois de 1881, de comboio. A linha
da Póvoa, saía da Trindade, pela Boavista até à Fonte do Cuco, divergindo
depois para Famalicão.
A festa da Senhora da Hora era das primeiras romarias do ano
e era preciso pagar promessas. Algumas senhoras tinham de ir lá sentar-se na “cadeira
obstétrica”.
Ouçamos primeiro as palavras de Hélder Pacheco e voltemos
depois a esta cadeira. Diz-nos o estudioso que «… a cadeira obstétrica servia
para dar à luz ou, segundo a tradição, para as mulheres se sentarem nelas e
serem felizes no parto. Existia na Capela da Senhora da Hora e noutras igrejas,
estando identificadas pelo menos 14, só no Porto» e outras nos
arredores.
A do retrato na imagem acima é numa capela lisboeta – a Capela
de Nossa Senhora do Monte e segundo a lenda está associada a São Gens, dono da
cadeira, cuja mãe morreu de parto. É uma cadeira minúscula escavada na rocha e emoldurada
por mármore róseo. Além de futuras mães que lá se sentavam a pedir uma “boa
hora” também acorriam à cadeira as que tinham dificuldade em engravidar – diz-se
que uma delas foi a D. Maria Ana de Áustria que lá se sentou pedindo a
intervenção divina para ter filhos de D. João V.
Recorro mais uma vez às memórias e às palavras de Hélder
Pacheco para evocar outra praxe ocorrida na capela da Senhora da Hora.
«Naquele mesmo dia (5.ª feira de Ascensão), no meio da
missa solene, era uso das mães – camponesas e citadinas, rica e pobres –
obrigarem os filhos, para que nunca viessem a sofrer do “mal da gota”, a epilepsia,
a beber uma mistela esquisitíssima (verdadeiro nojo) de vinho fino com –
adivinhem! – cordões umbilicais carbonizados de recém-nascidos, filhos de Marias,
e os morrões das velas que ardiam durante a Semana Santa».
Era bem melhor beber água da Fonte das Sete Bicas.
Mas quem a procurava não eram as grávidas mas sim os jovens que gostavam de
cumprir a tradição – beber de um só folego, água das sete bicas – pois tinham casamento
garantido nesse mesmo ano.
Para rematar fica a
minha dúvida sobre as origens da Senhora da “Ora” ou da Hora. Será a invocada
para interceder nos instantes de maior aflição - especialmente na hora do parto,
seria a par das “irmãs” Senhora do Bom Parto, Senhora do Bom Sucesso, Senhora
da Boa Hora, evocada pelas mulheres prestes a ser mães ou também pelos homens
do mar para partir e chegar da pesca na “melhor hora”?
Ou inicialmente seria só a Senhora do “dia da Hora”, a hora
em que tudo parava ao meio-dia ou às três da tarde – aquele momento específico
para intervenção divina?
Hei-de procurar saber mais.
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