Não sei se é bom ou mau voltar ao sítio “onde fomos felizes”
e encontrar tudo na mesma. Voltei aos Congregados e ao Monte Tadeu e o que
descobri de novo foi apenas um topónimo que me tem escapado – a Travessa do Campo do Paiva. A história
deste Paiva vai ficar para outra ocasião, porque mesmo com as vistas
costumeiras, há sempre curiosidades que valem a pena contar. Para outro dia também ficou a minha tentativa
de subida à Torre dos Congregados, donde desfrutaria de um panorama inolvidável.
Mas o mais fácil deve ser levar um drone e depois partilhar as imagens.
Hoje, troquei breves palavras com uma moradora do sítio mais
alto da cidade e dei-lhe os parabéns pelas vistas espectaculares que tem da sua
casa. Não valorizou as vistas, lamentou-se mais das más condições da sua casita
alugada, ali no cimo do monte, construída há mais de uma centena de anos –
talvez o último exemplar das inúmeras ilhas ali começadas por volta de 1897. Acho
que já falei disso quando por aqui antes andei. Para chegar à casa desta
portuense, é preciso vencer mais de 30 escadas de pedra e valham-nos os varões
de ferro que a CMP por lá cravou, porque as nossas pernas precisam já de
amparo. Quem não sobe escadas são as ambulâncias, não chegam aqui nem mais abaixo,
onde a modernidade chegou para “refurbishing” de umas casinhas no fim de Anselmo
Brancaamp, mas onde nem o automóvel lá vai.
Desse final da rua temos uma varanda com vista, por um lado para toda a
extensão da rua e, para o outro lado, para um espaço tão esquecido dos
portuenses que só lhe dão valor depois dos “apagões”.
Falo precisamente do campo do reservatório de água de Santo Isidro. A página na Internet das
Águas do Porto, ainda hoje identifica vários espaços na cidade, onde se
armazena água para consumo dos munícipes, que pode chegar para dois dias – mais
de 125 mil metros cúbicos. Dois deles estão aqui perto um do outro – a Torre dos Congregados e o Reservatório
de Santo Isidro.
À procura de imagens do sítio, encontrei numa revista da
Sociedade Portuguesa de Química, um artigo do eminente cientista Professor Ferreira da Silva, intitulado
“As águas do novo abastecimento do Porto”,
de 1911, dados muitos interessantes sobre a importância do abastecimento de
água à cidade, que foi concessionado pelo prazo máximo de 99 anos a uma
companhia francesa – “Compagnie Génèrale des Eaux pour l`Etranger”. A água era captada no Rio Ferreira
e no Rio Sousa e chegava ao reservatório geral de Santo Isidro, vinda do “reservatório-tunnel
em Jovim, através de um canal tubular de aducção, na extensão de mais de 12
quilómetros”.
«As
dimensões internas do tunnel são 5 metros de largura máxima por 4m,50 de altura
no fecho da abóboda. O serviço interior faz-se em pequenos barcos. […] Saíndo
do tunnel-reservatorio de Jovim o cano adductor de ferro com 60 centímetros de
diâmetro, segue a estrada de S. Cosme ao Porto, entra na cidade ao fundo da Rua
do Freixo, depois ruas do Heroísmo, S. Jerónymo, Moreira, etc, até entrar no
reservatório geral de Santo Isidro à cota de 125 metros.»
Muitas mais curiosidades por aqui figuram, por exemplo
quanto à distribuição pelas zonas alta, média e inferior da cidade. «A zona alta é servida pelo
reservatório dos Congregados, de 3940 m3 de capacidade que recebe água do de Santo
Isidro, por meio de bombas aspirantes-prementes movidas por uma machina a
vapor horizontal de expansão e condensação de força de 25 cavalos».
A zona média é fornecida directamente pelo reservatório de Santo Izidro (ou de
S. Jeronymo, por ficar adjacente à rua d'este nome).»
Ora certamente, hoje, estes “cavalos” já lá não estão a trabalhar
e muito menos a “machina” movida a vapor, mas a verdade é que, ainda que não se
veja nem ouça água a correr, muita há lá por Santo Isidro e talvez ainda a
bombeiem para o depósito dos Congregados. Pelo menos, uma placa de obras ainda
lá está. Em 2023, foi aberto concurso de mais de um milhão de euros para “Reabilitação
do Circuito Hidráulico do Reservatório de Santo Isidro”, para alguma coisa
foi…
A imagem é retirada do referido artigo, sendo ainda lembrada
outra designação para o reservatório – “o de S. Jerónymo”, porque se localiza adjacente
à rua, à data assim nomeada, mas em 1913 o actual patrono Santos Pousada
tirou-lhe a “santidade”.
Voltemos aos “santinhos” e comparemos o antigo com o actual:
Um olhar atento consegue distinguir as dezenas de “respiradouros”
que aparecem à superfície do campo. As laterais é que são diferentes. Os novos
arruamentos obrigaram ao levantamento de muros, desaparecendo o fosso e ficando
tudo à superfície. Já nem se fala das chaminés das fábricas que deram origem a “caixas
de fósforos” empilhadas para substituir as” ilhas”.
Algumas marcas nos portões e noutras edificações – “escudo
nacional” e “brasão da cidade” são um testemunho da “cidadalização” da
inicial companhia das águas francesa. Parece que não estavam a cumprir o
contrato e a cidade resolveu resgatar o contrato de concessão da água.
Recorde-se que o contrato, não era vitalício, porque só pôde ser feito por 99
anos, mas a edilidade criou o SMAS – Serviços Municipalizados Águas e
Saneamento, em 1927 e à custa de uma verba astronómica de 3.500 contos,
nacionalizou ou “cidadalizou” a companhia e passou até hoje a gerir as águas do
Porto.
O orgulho portuense deixou as suas marcas:
Outras marcos ficaram lá em cima do monte dos Congregados.
Se compararmos a imagem a preto e branco de Ferreira da Silva com outras mais
actuais, vemos que a Torre dos Congregados e os depósitos de água não são obra
dos franceses, mas sim dos SMAS, pois distingue-se a data de 1938.
Para acabar o dia
fica uma imagem das traseiras da Cooperativa dos Pedreiros:
Marreta na mão contemplando
a cidade, olhando para tantos sítios que mereciam umas boas marteladas
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