Se quisermos recuar no tempo, podemos voltar à época em que o lugar se grafava “Tronquo” e a Quinta era prazo do Cabido da Sé do Porto. Horácio Marçal avança com a hipótese de a quinta ter algum tronco ou cepo mais ou menos famoso que viesse a dar nome também ao lugar.
“O foro anual era de seiscentos réis em
dinheiro, dois alqueires de trigo, vinte e nove de pão meado, cinco galinhas; e
de lutuosa seiscentos réis em dinheiro e duas galinhas; com o laudémio de 4-1
que, pela faculdade que os enfiteutas tinham para subemprazar, fizeram três
emprazamentos de terras que ficavam fora da referida quinta, mas que a ela
pertenciam, com possuidores registados em 1777”.
Deste texto, muitos factos tenho ainda a esclarecer – “foro,
lutuosa, laudémio e enfiteutas”. Mais tarde, vou abrir um capítulo só para
aclaração destes conceitos. Mas hoje fiquemos pela quinta, começando pelo facto
de os limites da quinta do Tronco se espraiarem pelos vizinhos. Um fidalgo da Casa Real, Francisco Maria de Andrade Corvo de
Camões e Neto, com nome assim extenso, foi aqui dono das casas principais
sobradas e telhadas, da capela, casas térreas para servidão de caseiros,
estrebarias, palheiros, aidos, enxidos (quintais), cortinha, pomar, jardim com lago, devesas, bouças e inúmeros campos,
entre eles os denominados do Agueto e da Revolta.
Já antes de 1954, a quinta estava dividida por vários proprietários
- Manuel Silva Lopes Júnior, com terrenos ainda designados por Quinta do
Tronco; outra fracção onde ficava a Quinta do Dias e várias outras
convertidas em belos prédios de habitação tanto na Rua do Amial como na Rua
Nova do Tronco. Finalmente uma fracção importante foi adquirida pela “Nova
Empreza Industrial de Cortumes”, nem mais nem menos do que a fábrica onde
toda a vida trabalhou o meu avô paterno e onde o meu pai também começou a
trabalhar.
Em 1949, a fábrica já distribuía dividendos, conforme
publicação do Diário de Governo de 26 de Abril de 1949 - “Vinte escudos por acção, sem
os impostos a pagar ao estado”. Não sei se o meu avó
tinha acções da fábrica, mas sei que por lá fez as suas economias. Geria a
chamada Caixa dos Vinte Amigos e estava financeiramente à vontade para
emprestar dinheiro aos outros trabalhadores. Recordo o meu pai contar que
cobrava “juros à cabeça”. Ou sejam, pediam-lhe 10 escudos e só
levavam 9. Juros a 10%. Eu não sabia é que a empresa tinha sede em Lisboa.
Pensava que era uma fabriquetazita só aqui do Amial.
Para mim era a Fábrica de Curtumes do Amial, que tinha como rival outra na Circunvalação - a do Monteiro Ribas, mas para os meus conterrâneos, era a fábrica da sola. Naturalmente que tenho memória das estórias e não de vivências, porque quando o meu avô e o meu pai lá trabalharam, eu ainda não era nascido. Mas a imaginação é mais sedutora e estou a “vê-los” a pedalar na sua bicicleta desde Ermesinde, juntamente com grupos de operários, (só da minha família soube de vários elementos que lá trabalharam) até chegar à Areosa e entrar na Circunvalação, onde não pagavam portagem, porque não tinham nada para vender, mas só a podiam atravessar em determinados cruzamentos, porque o fosso existente entre as faixas tinha vários metros de profundidade. Chegados ao cruzamento do Amial, estavam perto do trabalho e ainda faltava muito para as oito da manhã. Uma boa hora de caminho, se o tempo não estivesse muito mau, obrigava a levantar de noite…
A fábrica já deixou de laborar há muitos anos, mas sempre que eu lá passava gostava de saber como era aquilo por dentro. Com o advento da internet e da divulgação de tudo e mais alguma coisa, deparei-me um dia com o espólio de um “caça fantasmas”.
Há sempre alguém capaz de entrar nestas instalações abandonadas e deixar-nos algumas fotos que nos podem fazer sonhar sobre os recantos por andou o meu avô e o meu pai.
Podem ver aqui imagens algumas bem assustadoras.
O que diriam estes livros? Quem escolhia as amostras? E a contaminação disto tudo?
Há anos, num espaço adjacente, tudo
pertencente ainda à fábrica, começou a erguer-se “uma cidade para alojamento
universitário” – um projecto inicial de 100 milhões de euros, de britânicos e
árabes. Sete anos passados, há um bloco “com as janelas abertas” e muito ferro
enferrujado –
tudo parado desde 2019, pasme-se!
Quem deveria ‘afinar’ “estes artistas do
betão” era a nossa Amália Rodrigues, que teve a infelicidade de ver o
seu nome imortalizado nesta artéria.
Com este cenário, hoje, nem apetece dizer mais nada.