sexta-feira, 27 de junho de 2025

Conquista de Abril – a luz para todos

 


Outro “bom-bom” do “no meu tempo é que era bom” foi a chegada da luz eléctrica. Nas cidades já dela gozavam desde os tempos régios, mas quando se saía para o interior, o cobre era caro para estender os cabos aos pontos mais afastados do povoado. Hoje só damos o devido valor à electricidade quando acontece o “apagão”.

In illo tempore, os apagões eram frequentes e não dávamos tanto valor à falta de luz. Na verdade, na maioria das casas, a energia eléctrica era só para a iluminação. “Olha, faltou a luz!”. Não era a energia eléctrica que faltava, essa fazia falta lá nas fábricas ou sei lá…

Nas casas, começou a ser precisa para a rádio, depois em cidades onde o preço da energia tinha custos controlados, como no Porto cidade, entraram os primeiros electrodomésticos – o fogão eléctrico e o cilindro para aquecer a água.

Lá volto eu ao “ainda sou do tempo em que …” vivíamos à luz da candeia e do candeeiro a petróleo.

A candeia não servia para ler, mas a minha avó mantinha a candeia acesa durante muitas horas. Uma luz mais forte do que uma vela, no meio da escuridão, enchia a cozinha. Lembro-me que também servia para economizar fósforos. Para acender o fogão, pegava em meia folha de papel de jornal, fazia um charuto enrolado, acendia-o na candeia e metia-o na fornalha do fogão, onde já estavam uns pauzinhos que não davam para os brinquedos, mas iam servir para os pedaços maiores pegarem.

Para eu estudar, ler ou fazer os deveres, como a luz da cozinha era muito alta, precisava de mais luz na mesa. Para isso tinha um candeeiro, não era eléctrico, mas sim um candeeiro a petróleo.  Era de vidro, com um reservatório para o combustível. A cabeça de metal – “o rezisto”, com uma rodinha que permitia subir mais ou menos a torcida, que era uma fita mais larga, um centímetro e meio, para dar mais ou menos luz, consoante o tamanho que estivesse fora do registo. Para não nos queimarmos, isso estava coberto com uma campânula de vidro, - a chaminé, que funcionava como difusor da luz. De vez em quando, fazia asneira, entornava o candeeiro em cima da mesa de mármore e lá ia a chaminé.

Já agora para aquecer os pés, a escalfeta da altura era a braseira, uma bacia de esmalte com brasas retiradas do fogão, que se punha debaixo da mesa, que até tinha um buraco adaptado para a bacia. Outro sistema de aquecimento era a botija de barro vidrado que se enchia de água a ferver e se levava para a cama, ou se punha numa giga debaixo da mesa para aquecer os pés. Às vezes também havia acidentes, quando lhe saltava a rolha e então se fosse na cama...  é que o folhelho não secava facilmente!

Portanto à época não havia electrodomésticos, não era preciso a electricidade. Por exemplo, vivíamos sem frigorífico. A leiteira trazia-nos de manhã o leite, fervíamo-lo e ia para o mosqueiro uma parte do armário, com porta de rede de mosqueiro, precisamente para não entrar mosca nem mosquito, ou então para uma outra caixa de rede pendurada no tecto, para ter as coisas ao fresco.

A televisão não fazia falta, porque por cá, ainda era um luxo reservado só para alguns.

O telefone funcionava sempre, mesmo que faltasse a luz, porque a voz andava em fios separados, não era como agora em que a fibra óptica leva tudo. Falta a luz, falta tudo.

Nesse tempo o prefixo “tele” que significa “ à distância” pronunciava-se “tele” se o equipamento ou serviço já não fosse novidade ou “téle” se fosse recente.  Por isso dizíamos “telefone” e “télevisão”, “telegrama” e “téléx, “téléfax” ou “télécópia” ou “télepatia”. Não se admirem por ainda haver “téle-comandos” na vossa casa”. Até há pouco tempo, era preciso levantar o rabo para mudar de canal.

Para preparar a comida, a energia também não fazia falta, pois o fogão era a lenha, ou usavam a máquina de petróleo, ou mais tarde o fogão a gaz – “Gazcidla – Uma chama viva onde quer que viva!” - era o slogan da época.

Hoje falta a energia e o mundo pára. Basta recordar o último apagão que deixou portugueses e espanhóis de cabeça perdida. E nem chegou a meio-dia sem energia… As pessoas não sabiam o que fazer, não porque lhes tivesse feito falta a luz da lâmpada que não acendeu ao gesto automático de carregar no interruptor…

Todas as máquinas que hoje fazem girar o mundo começaram a parar. Foram valendo geradores e baterias que iam mantendo os relógios a funcionar, senão até o tempo parava.
Muito comércio deixou de vender, porque o scanner não sabia ler o preço do produto, a máquina registadora não abria a gaveta, o cartão de plástico de nada servia, e nalguns casos até a porta não abria, para nos deixar entrar. Quantos não ficaram com o carro fechado na garagem, quantos não tiveram de subir e descer as escadas, porque os elevadores não funcionavam…

Nestas alturas reconhecemos que a electricidade foi a maior invenção da humanidade. Hoje já há a “electricidade portátil”, inventada há muitos anos quando também tive a primeira lanterna o um transístor japonês – o meu primeiro rádio a pilhas. Hoje a pilha passou a bateria (à inglesa) e não gadget que dela não precise. Usam a tal “electricidade portátil”, mas não se esquecem precisam sempre da outra para a carregar.

Falando em gadgets, recordo uma canção francesa, onde o autor enumera os bens necessários para seduzir uma pretendida “dona de casa”.
Nesse tempo, o progresso custava a chegar cá. Lá fora as coisas chegavam mais depressa.

Basta ouvir essa canção do Boris Vian, que cantou “La Complainte du Progrès”, na década de 50, quando eu tinha dois anos.

Atentem bem nestas “modernices” e pensem quanto tempo foi preciso para as vermos cá. Hoje, são muitas as que já precisam de bateria. Cá vai a lista:

“un frigidaire, un scooter, un atomixer, du Dunlopillo, une cuisinière, un fou en verre, des pelles à gâteaux, une tourniquette pour faire la vinaigrette, un bel aérateur, des draps qui chauffent, un pistolet à gauffres, un èvier en fer, la poêle à mazout, le cire-godasses, le repasse-limaces, un tambouret à glacê, un chasse filou, un ratatine-ordures, un coupe friture, un efface poussière, un chauffe-savates, un canon à patates , un éventre-tomates, un écorche-poulet….”

 

E na “prochaine fois” hei-de traduzir isto tudo.

Viva a electricidade!

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