Sempre gostei muito de café, sempre bebi mais “água cafeínada”
do que a conta e desde muito pequeno quando os outros se alimentavam a leite
com Milo e Ovomaltine. Eu gostava de café, de preferência puro, sem chicória e
muito menos com cevada. Tive a sorte do Sr. António trabalhar numa torrefacção
e vender um quilo de café por semana aos meus pais.
Mas hoje não quero recordar a bebida, mas sim o
estabelecimento – o CAFÉ – “ir ao café” nunca foi para mim, e ainda hoje
não é, saída diária obrigatória. Com tantos anos de vida, naturalmente muitas horas
por lá também passei, até pelos bilhares ou em namoricos estudantis, mas o que agora
estou a tirar da memória são gestos ou imagens que hoje não se vêem e não se
repetem.
Lembro as mesas redondas ou quadradas, com tampos de mármore,
relativamente pequenas que rapidamente se enchiam de coisas. E lá vejo as
imagens hoje proibidas! Comecemos pelo açucareiro. Não havia pacotes de
açúcar, pelo que em cima de cada mesa lá estava o açucareiro de alpaca ou já de
inox, com colher dentro, muitas vezes com açúcar agarrado, porque o cliente
anterior “distraíu-se” e mexeu o café com a colher do açucareiro e tornou a
metê-la lá dentro.
Outro pormenor muito “higiénico” era o prato dos pastéis.
Sempre que uma família se sentava, o empregado imediatamente colocava no centro
da mesa um prato com meia dúzia ou uma dúzia de pastéis sortidos. Nalguns sítios,
o prato vinha coberto com um papel de celofane, por causa das moscas, e mais
tarde, como advento do plástico, apareceram as caixas com duas abas que abriam
uma para cada lado. O cliente “apalpava”, escolhia, tirava o que queria, pagava
o que comia e o resto ia para dentro para voltar a encher o prato, à espera dos
próximos. Não pensem que o hábito desapareceu, não preciso de recuar muitos
anos, porque já neste século, quando tomava café numa pastelaria famosa lá da
terra, lá vinha o pratinho com meia dúzia de clarinhas de Fão, só para tentar o
cliente…
Falemos de coisas mais bonitas como as máquinas que
justificavam o nome da casa – a(s) máquina(s) do café. Se olhássemos
para cima do balcão lá estava ela - a máquina do café, sempre a brilhar, a
olhar para nós. Normalmente era um conjunto de quatro cafeteiras, uns cilindros
com tampa e torneiras de manípulo – uma para o café de saco, outra para
a cevada, outra para o leite e uma só com água quente. O próprio empregado
de mesa “manipulava” tudo aquilo – não pedia “saia um café, um pingo, um
galão ou uma meia de leite,” ele próprio tratava do assunto. Outros pedidos
tinham de ser feitos – “sai uma mirita, e meia com pouca!” Para os menos
entendidos, a “mirita” é um pão biju cortado em cinco fatias, torrado com
manteiga. Quanto à “meia” era uma “porradinha”, porque a torrada de pão de
forma tinha sempre direito a duas fatias, cada uma cortada em três palitos,
dois com pouca côdea. Mas a “meia com pouca” era com pouca manteiga, é claro.
Mais tarde o empregado começou a pedir “sai um cimbálino”.
No Café Progresso, no Porto, é que não havia disso. Este café sempre se orgulhou de ter
o melhor café de saco da cidade. O cimbalino entrou no “falar à Porto” porque o
tripeiro também sabia ler e via a marca “la Cimballi” naquela maquineta que
puseram em cima do balcão, a rivalizar com a máquina do café.
Esse mundo da cerveja era dos adultos. Estava-nos vedado,
entretínhamo-nos com uma laranjada Invicta, mais tarde com o Sumol de
laranja ou de ananás e mais requintado uma Orangina ou uma Laranjina C. Sim,
porque já não íamos nas gasosas e o tempo dos pirolitos com bolinha já tinham
acabado há muito. Em sítios mais. Para uma alimentação saudável, havia iogurtes – eram uns frascos
de vidro da Longa Vida, com um velhote de longas barbas gravado no
vidro.
Para os adultos havia coisas estranhas, como o “chá de
parreira” que as senhoras bebiam em chávenas, acompanhando rissóis, croquetes
ou bolinhos de bacalhau. Os senhores debatiam-se com uns finos que os lá
de baixo sempre tiveram a mania de lhes chamar imperiais. Por cá tínhamos
nomes mais pomposos como príncipes, mas não faltavam as canecas e
muito menos as girafas para os que iam directamente “à fonte” – a cervejaria
da CUFP, junto à fábrica, perto do Palácio. Aí a cerveja já não vinha só
acompanhada dos tremoços e dos amendoins. Para os endinheirados havia o camarão
da costa ou uns percebes ou até uns santiaguinhos, no tempo
deles e só para os conhecedores.
Estes últimos podiam figurar nas “7 Maravilhas do petisco
em Café”. Assim à vol d’oiseau, vou lembrar outras seis para
completar o rol: rissóis do Capa Negra às 10 da manhã, de outros tempos,
bolas de Berlim do Natário, à mesma hora, um covilhete na Gómes,
em Vila Real, um folhadinho da Dona Tininha, em Fão, um queijinho de
meia cura com pão alentejano em qualquer café das planícies e por último um
preguinho do Café Pereira. Por aqui, o bife era tão bem batido lá em baixo,
que se ouviam as marteladas cá por cima e olhem que não ficava da espessura do
fiambrino que o acompanhava… Dizem que faltam as francesinhas, mas isso
é uma sandes, hoje de tal modo adulterada, que dela nem vale a pena falar.
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