sexta-feira, 31 de janeiro de 2025

As Antas de há 75 anos legendadas


1. Nesta coisa de imagem, manda a tradição começar a olhar para o primeiro plano, ou seja, para aquilo que nos entra pelos olhos dentro. Aqui, é o estádio das Antas, bebé à data da fotografia e hoje já desaparecido à força de camartelo. A inauguração foi em 1952, pelo que vamos datar a foto dos inícios dos anos 50. Deixemos o estádio, que ainda levou muitas alterações e olhemos para o canto inferior direito da foto.

2. Assinalei com o número 2, uma das quintas das Antas, que cedeu alguns terrenos para a abertura da Avenida Fernão de Magalhães e depois para o F.C.P., que dizem os ter comprado, passando depois o que restou do núcleo da quinta, casa, capela e principais jardins, para a posse municipal. Estamos a falar da Quinta de Salgueiros, que não teve nada a ver com o rival desportivo – o S.C. Salgueiros. Foram seus últimos proprietários a família Mesquita Ramalho que, desde 1932, começou a alienar terrenos. No início de 2023, a Câmara retirou de lá uma fonte, peça da escola Nazoniana e iniciou obras de consolidação…  «O objetivo do Município do Porto é o de transformar este espaço no primeiro bosque-laboratório urbano do país», mas a febre imobiliária mora ali ao lado e ainda não se viu nada recuperado.

A casa e a capela eram de 1744, mas de grande valor histórico é a água que por lá passa, ali nascida em minas e eventualmente vinda de outros mananciais, que foi muito bem aproveitada em poços, fontes, tanques e condutas que a devem levado por ali abaixo, chegando até ao “rio da vila”.  É curioso que há documentos que referem estes sítios como Monte dos Lameirais e os Lameiros das Antas - uma terra chã e pantanosa. Também foi importante, nesta quinta, o parque arbóreo, viveiros de plantas e flores e jardins de renome.  A construção do estádio e a criação da VCI foram delapidando todo este património passado.


3. Passemos ao terceiro ponto, um núcleo industrial agora também já desaparecido. Se já falei da Companhia Aurifícia da rua dos Bragas, hoje, deixo duas palavras sobre uma sua concorrente, nem mais nem menos que a Fábrica das Antas. A fábrica ficava ali pela rua da Vigorosa. Vendi muito material lá produzido. Faziam arame de zinco de várias espessuras e até arame farpado. Mas o produto que mais pesei foram pregos e taxas. Desde o prego n.º 3 ao nº 6, passando pelo meia-galeota e galeota até às cavilhas, tudo ali se fabricou. Já agora, as cavilhas, pregos com mais de um palmo, eram um brinquedo de praia para o Jogo do Prego.

4. Se aumentarmos a fotografia, podemos distinguir postes de ferro, ao lado da avenida. Se tivermos olho de lince, até conseguíamos ver uma cesta de carvão a passar ali por cima. O número quatro assinala uma parte do velho monte das Antas – o Monte Aventino. Já em 1914, a Empresa das Minas de Carvão de S. Pedro da Cova, pedia licença à edilidade para montar um cabo aéreo entre as minas de S. Pedro da Cova e o Monte Aventino. O traçado já estava aprovado, «cruzava a Estrada da Circunvalação, … seguia até ao Hospital do Conde de Ferreira junto ao “stand” de tiro aos pombos do Club de Caçadores do Porto, … e seguia depois em linha recta até à estação de descarga no terreno que a empresa já possui no Monte Aventino».

Na década de 30, o depósito de carvão ali no Monte Aventino, não servia apenas para carregar o combustível para as estações de produção de electricidade para os carros eléctricos. A população também ia lá abastecer-se. Bons clientes eram os carvoeiros que faziam depois a venda a retalho. Mas na imagem da direita, vemos a primeira camioneta com um depósito junto à cabina, não para o gasóleo, mas para o gasogénio. Depois da guerra, quando escasseou o combustível, cientistas estrangeiros inventaram um gaz produzido a partir de lenha e carvão -não eram carros ”eléctricos” mas movidos a gasogénio. O carvão para isso também saía daqui.

Mais uma recordação da minha infância são as cestas de carvão que deixavam cair resíduos, não obstante as redes de aço, por cima da avenida.  Embora não passasse todos os dias nas Antas, na viagem diária de comboio, ao passar perto da estação de Rio Tinto, lá estavam as cestas por cima da linha.

In Rio Tinto em imagens

Antes de deixar o Monte Aventino, ficam só umas palavras sobre a origem do topónimo.

No período do Cerco do Porto (1832-33) estes montes das Antas assumiram algum protagonismo, depois de D. Pedro aí mandar levantar uma trincheira. A leitura do “Diário” do Capitão Costa, encarregado e responsável pela construção da trincheira, informa-nos dos «trabalhos das fortificações de linhas, constantemente feitas e refeitas, dos trabalhos feitos “sob péssimo tempo”, debaixo de ataques dos absolutistas, que atacaram o pinhal quando estava a ser feito o corte das madeiras – nesse dia os galegos e os carpinteiros fugiram. Os operários da estrada de Lordelo não queriam trabalhar por falta de pagamento…»

O local, à época, designado “Monte das Antas” parece ter deixado raízes para reivindicações laborais. A designação “Monte Aventino” só mais de meio século depois foi atribuída ao local. A industrialização da cidade também originou jornadas reivindicativas. Embora os operários têxteis e fabris fossem os mais numerosos, a voz que mais reclamava era a dos tipógrafos que criaram a Associação das Classes Laboriosas. (O Carvalhido também foi contemplado com um topónimo da família – Rua das Classes Obreiras.) Os tipógrafos eram uma classe mais culta e atenta às ideias associativas que na Europa acompanhavam o progresso social novecentista e lideravam os movimentos. O seu local para concentrações públicas começou por ser o Largo do Bonjardim, mas a urbanização do sítio expulsou-os para local mais amplo - o Monte das Antas. Era necessário mostrar aos de cá o que se fazia lá fora. Escolheram, como madrinha, uma das sete colinas de Roma – o Monte Aventino – local onde os Romanos subiam quando queriam fazer os seus protestos para se libertarem do jugo dos patrícios. Assim ficou o nome.

5. Voltemos agora para a fé desta gente, que muito trabalhou para que começasse a ser construída a Igreja, no local assinalado com o número cinco. Falamos da Igreja de Santo António das Antas. Abreviando, que este texto já vai longo, lembro que o treze de Junho esteve muitos anos ligado à história desta igreja. Em 1938, criaram a paróquia, nesse dia em 1948, puseram a primeira pedra, em 1954, iniciaram o culto, com a igreja ainda sem frontaria, sem reboco e sem torre. Este pormenor ajuda-nos a datar a fotografia. Na imagem, a igreja ainda não tem torre. Para angariação de fundos venderam postais apologéticos, com mensagens tanto religiosas como políticas.

6. Chegados ao ponto seis estamos no coração das Antas – a Praça Velásquez. O jardim precedeu o edificado. Os prédios circundantes só nasceram na década de 70.  O mítico Café Velásquez, local de encontro de todos os “Andrades”, para acaloradas discussões à 2.ª feira, acompanhadas de meia de leite e uma mirita, abriu em 1970. A história da Praça e a alteração toponímica fica para outra ocasião.

7. O último ponto também merece reflexão aprofundada. Fica só a identificação da Quinta dos Cepêdas, para outros Amarela, mas mais importante que isso, deixo ficar a promessa de voltar à Idade da Pedra, às Petras Fixilis – as pedras fixas – os marcos de pedra por onde corre a Avenida dos Combatentes. Finalmente não podemos esquecer os monumentos megalíticos tumulares – as Antas, que estão na origem do topónimo.

domingo, 26 de janeiro de 2025

Mini biografia do Meu Avô

 

Notas biográficas de AUGUSTO DA COSTA CARNEIRO

Nasceu aos 26 de Abril de 1896, na freguesia de Ermesinde, à altura designada por S. Lourenço de Asmes, numa família onde já havia três irmãos e mais três haveriam de vir.

O pai, Agostinho da Costa Carneiro, era natural da aldeia da Cavadinha, na freguesia de Silva Escura, concelho da Maia, onde nasceu aos 15 de Outubro de 1859.O avô, Fortunato da Costa Carneiro, era natural da mesma freguesia de Silva Escura. Agostinho casou com 23 anos em 1883. Carpinteiro de profissão viveu e trabalhou numa carpintaria da Rua da Torrinha, no Porto, cidade com um recanto que o atraiu – o largo da Trindade -local onde se fazia uma feira de peles. O cheiro não seria agradável, mas a oportunidade de negócio foi boa. Agostinho estabelece-se por conta própria, ele próprio curte as peles compradas no Porto e começam a nascer tambores, bombos e pandeiretas. Estamos nas últimas décadas oitocentistas e depois vieram os brinquedos de madeira.

A mãe, Maria Moreira, nasceu a 20 de Dezembro de 1856, em S. Lourenço de Asmes. Depois do casamento foram viver para o lugar de São Paio, em Ermesinde, onde ela era moradora.

O meu avô Augusto traz os ensinamentos dos seus progenitores, especialmente do pai, Agostinho da Costa Carneiro, [1] que assinava “Agustinho" e tinha por alcunha “o Vianês”, identificando-se os seus descendentes como – “os Vianeses de Silva Escura”. Agostinho deve ser considerado, a partir de 1880, como o primeiro fabricante de brinquedos.

Augusto depois de ter começado a sua actividade profissional nas oficinas do pai, acabou por emigrar para França, onde esteve poucos anos, em época do pós-primeira guerra, exercendo a sua profissão de carpinteiro, com o intuito de angariar dinheiro para pagar o seu dote de casamento.

Regressado a Portugal, com 30 anos, casou com Maria Rosa Marques da Costa, natural de Infesta, Matosinhos, aos 6 de Junho de 1926. Constrói casa de habitação com a Oficina de Brinquedos nas traseiras, situada na Rua de Miguel Bombarda, 460, em Ermesinde. Figura importante da freguesia, chegou a desempenhar o cargo de regedor.

Estamos nos finais da década de 20 – por volta de 1928. No ano seguinte, nasce-lhe a filha Emília Marques da Costa, que viveria a infância no meio das peças de madeira onde se especializou na pintura dos brinquedos. As pombas, as carrelas, os carros grandes e pequenos, as relas,as charretes de cavalo, os carros de bois, os carrinhos de bebé, os ciclistas ou as dobadouras, todos feitos em madeira de pinho, eram primeiro banhados em tintas de água quente e depois cuidadosamente pintados à mão, sem carimbos, com riscos, caras, círculos, ramos e flores pela mão da filha do fabricante, até 1956. Tendo ela também sido chamada pela emigração como o pai, as pinturas foram continuadas por operárias que ainda hoje recordo, a Palmira e a Florinda. O genro, Augusto Oliveira da Costa, nos primeiros anos de casamento, anos 50 do século passado, ainda ajudava na fábrica, onde aplicou os seus conhecimentos escolares de serralheiro mecânico, inventando e construindo pequenas máquinas mecânicas artesanais para a produção de peças, p.ex. campaínhas para os arcos, encaixes para os eixos de carrinhos e carrelas, cunhos e cortantes.

Augusto da Costa Carneiro faleceu com 64 anos, em Ermesinde, aos 23 de Setembro de 1960, encerrando-se também a fábrica, que terminou apenas com dois ou três operários. Ficou a oficina com inúmeras peças – asas de pombas, motores de carros, arcos sem campainha, centenas de campaínhas, rodas e rodinhas, pipas dos carros de bois, pernas e braços de ciclistas, um nunca acabar de bocadinhos de madeira que nunca deram corpo a brinquedos vendáveis, mas serviram de mundo de fantasia ao primeiro neto que ainda o conheceu em vida -  eu próprio. 

A esse mundo de fantasia, junto ainda a recordação do carro de mão,com enormes rodas, cintadas a ferro e com aros de madeira, carregado de brinquedos, a caminho  da estação de Caminho de Ferro de Ermesinde. Aí as caixas de casqueira de pinho, que levavam dentro as dúzias de brinquedos embrulhadas em papel de jornal eram despachadas em grande e pequena velocidade. Os destinos das encomendas estavam marcados nos livros e nas centenas de bilhetes postais, com ilustração na frente esquerda, enviados pelos clientes com os pedidos. Eu, o neto, divertia-me a recortar os "postais ilustrados"(bilhete de postal normal, mas com imagem) [2], para alargar os meus conhecimentos de história e geografia. Adorava ver aquelas imagens alusivas a acontecimentos históricos ou de sítios e monumentos de todos os recantos de Portugal, com especial incidência para o Minho, Beiras e Alentejo, onde havia maior número de clientes.

Da oficina de brinquedos, restavam agora as máquinas – a serra de fita foi oferecida à carpintaria do Centro Social de Alfena, as serras circulares, os vários tornos, as bancas e ferramentas artesanais foram levadas pelo tempo.

A nossa memória ficou imortalizada nos moldes dos brinquedos, desenhados por Augusto Costa Carneiro, que não tendo marca registada, foram emprestados (para sempre) ao sobrinho César Duarte Ferreira (filho de sua irmã Maria da Costa Carneiro, de Sampaio) que ficou com os moldes para os seus descendentes – o seu filho Aurélio Ferreira e para o genro deste, Manuel Gonçalves Moreira, que herdou a oficina do sogro. César Ferreira dedicava-se especialmente ao fabrico de tambores e pandeiretas, trabalhando com peles como o seu avô Agostinho. Este Agostinho, o Vianês, faleceu a 22 de Setembro de 1939 e teve a sua arte continuada, para além do filho Augusto da Costa Carneiro e dos descendentes da filha Maria e seu marido António Duarte Ferreira, pelos seus filhos mais velhos Agostinho e António.



[i]

 

 

Pomba de agora, baseada nos nossos moldes

[2] 

Dados compilados por Amaro Costa, neto de Augusto da Costa Carneiro.