1. Nesta coisa de imagem, manda a tradição começar a
olhar para o primeiro plano, ou seja, para aquilo que nos entra pelos olhos
dentro. Aqui, é o estádio das Antas, bebé à data da
fotografia e hoje já desaparecido à força de camartelo. A inauguração foi em 1952,
pelo que vamos datar a foto dos inícios dos anos 50. Deixemos o estádio, que ainda
levou muitas alterações e olhemos para o canto inferior direito da foto.
2. Assinalei com o número 2, uma das quintas das Antas,
que cedeu alguns terrenos para a abertura da Avenida Fernão de Magalhães e
depois para o F.C.P., que dizem os ter comprado, passando depois o que restou do
núcleo da quinta, casa, capela e principais jardins, para a posse municipal. Estamos
a falar da Quinta de Salgueiros, que não teve nada a ver com o rival
desportivo – o S.C. Salgueiros. Foram seus últimos proprietários a família
Mesquita Ramalho que, desde 1932, começou a alienar terrenos. No início de
2023, a Câmara retirou de lá uma fonte, peça da escola Nazoniana e iniciou obras
de consolidação… «O objetivo do Município do Porto é o
de transformar este espaço no primeiro bosque-laboratório urbano do país»,
mas a febre imobiliária mora ali ao lado e ainda não se viu nada recuperado.
A casa e a capela eram de 1744, mas de grande valor histórico é a água que por lá passa, ali nascida em minas e eventualmente vinda de outros mananciais, que foi muito bem aproveitada em poços, fontes, tanques e condutas que a devem levado por ali abaixo, chegando até ao “rio da vila”. É curioso que há documentos que referem estes sítios como Monte dos Lameirais e os Lameiros das Antas - uma terra chã e pantanosa. Também foi importante, nesta quinta, o parque arbóreo, viveiros de plantas e flores e jardins de renome. A construção do estádio e a criação da VCI foram delapidando todo este património passado.
3. Passemos ao terceiro ponto, um núcleo industrial agora também já desaparecido. Se já falei da Companhia Aurifícia da rua dos Bragas, hoje, deixo duas palavras sobre uma sua concorrente, nem mais nem menos que a Fábrica das Antas. A fábrica ficava ali pela rua da Vigorosa. Vendi muito material lá produzido. Faziam arame de zinco de várias espessuras e até arame farpado. Mas o produto que mais pesei foram pregos e taxas. Desde o prego n.º 3 ao nº 6, passando pelo meia-galeota e galeota até às cavilhas, tudo ali se fabricou. Já agora, as cavilhas, pregos com mais de um palmo, eram um brinquedo de praia para o Jogo do Prego.
4. Se aumentarmos a fotografia, podemos distinguir
postes de ferro, ao lado da avenida. Se tivermos olho de lince, até conseguíamos
ver uma cesta de carvão a passar ali por cima. O número quatro assinala
uma parte do velho monte das Antas – o Monte Aventino. Já em 1914, a
Empresa das Minas de Carvão de S. Pedro da Cova, pedia licença à edilidade para
montar um cabo aéreo entre as minas de S. Pedro da Cova e o Monte Aventino. O
traçado já estava aprovado, «cruzava
a Estrada da Circunvalação, … seguia até ao Hospital do Conde de Ferreira junto
ao “stand” de tiro aos pombos do Club de Caçadores do Porto, … e seguia depois
em linha recta até à estação de descarga no terreno que a empresa já possui no
Monte Aventino».
Na década de 30, o depósito de carvão ali no Monte Aventino, não servia apenas para carregar o combustível para as estações de produção de electricidade para os carros eléctricos. A população também ia lá abastecer-se. Bons clientes eram os carvoeiros que faziam depois a venda a retalho. Mas na imagem da direita, vemos a primeira camioneta com um depósito junto à cabina, não para o gasóleo, mas para o gasogénio. Depois da guerra, quando escasseou o combustível, cientistas estrangeiros inventaram um gaz produzido a partir de lenha e carvão -não eram carros ”eléctricos” mas movidos a gasogénio. O carvão para isso também saía daqui.
Mais uma recordação da minha infância são as cestas de
carvão que deixavam cair resíduos, não obstante as redes de aço, por cima da
avenida. Embora não passasse todos os dias
nas Antas, na viagem diária de comboio, ao passar perto da estação de Rio
Tinto, lá estavam as cestas por cima da linha.
Antes de deixar o Monte Aventino, ficam só umas palavras
sobre a origem do topónimo.
No período do Cerco do Porto (1832-33) estes montes das
Antas assumiram algum protagonismo, depois de D. Pedro aí mandar levantar uma
trincheira. A leitura do “Diário” do Capitão Costa, encarregado e responsável
pela construção da trincheira, informa-nos dos «trabalhos das fortificações de linhas, constantemente feitas
e refeitas, dos trabalhos feitos “sob péssimo tempo”, debaixo de ataques dos
absolutistas, que atacaram o pinhal quando estava a ser feito o corte das
madeiras – nesse dia os galegos e os carpinteiros fugiram. Os operários da
estrada de Lordelo não queriam trabalhar por falta de pagamento…»
O local, à época, designado “Monte das Antas” parece ter
deixado raízes para reivindicações laborais. A designação “Monte Aventino” só mais de meio século depois foi atribuída ao
local. A industrialização da cidade também originou jornadas reivindicativas.
Embora os operários têxteis e fabris fossem os mais numerosos, a voz que mais
reclamava era a dos tipógrafos que criaram a Associação das Classes Laboriosas. (O Carvalhido também foi
contemplado com um topónimo da família – Rua
das Classes Obreiras.) Os tipógrafos eram uma classe mais culta e atenta às
ideias associativas que na Europa acompanhavam o progresso social novecentista
e lideravam os movimentos. O seu local para concentrações públicas começou por
ser o Largo do Bonjardim, mas a urbanização do sítio expulsou-os para local
mais amplo - o Monte das Antas. Era necessário mostrar aos de cá o que se fazia
lá fora. Escolheram, como madrinha, uma das sete colinas de Roma – o Monte
Aventino – local onde os Romanos subiam quando queriam fazer os seus protestos
para se libertarem do jugo dos patrícios. Assim ficou o nome.
5. Voltemos agora para a fé desta gente, que muito
trabalhou para que começasse a ser construída a Igreja, no local assinalado com
o número cinco. Falamos da Igreja de Santo António das Antas. Abreviando,
que este texto já vai longo, lembro que o treze de Junho esteve muitos anos
ligado à história desta igreja. Em 1938, criaram a paróquia, nesse dia em 1948,
puseram a primeira pedra, em 1954, iniciaram o culto, com a igreja ainda sem
frontaria, sem reboco e sem torre. Este pormenor ajuda-nos a datar a
fotografia. Na imagem, a igreja ainda não tem torre. Para angariação de
fundos venderam postais apologéticos, com mensagens tanto religiosas como
políticas.
6. Chegados ao ponto seis estamos
no coração das Antas – a Praça Velásquez. O
jardim precedeu o edificado. Os prédios circundantes só nasceram na década de
70. O mítico Café Velásquez, local de
encontro de todos os “Andrades”, para acaloradas discussões à 2.ª feira,
acompanhadas de meia de leite e uma mirita, abriu em 1970. A história da Praça
e a alteração toponímica fica para outra ocasião.
7. O último ponto também merece reflexão aprofundada. Fica só a identificação da Quinta dos Cepêdas, para outros Amarela, mas mais importante que isso, deixo ficar a promessa de voltar à Idade da Pedra, às Petras Fixilis – as pedras fixas – os marcos de pedra por onde corre a Avenida dos Combatentes. Finalmente não podemos esquecer os monumentos megalíticos tumulares – as Antas, que estão na origem do topónimo.