Deixei propositadamente para o fim desta secção das escolas da Rua da Torrinha, os Internatos Municipais, porque a informação que obtive foi apenas resultante de pesquisas na rede. Tendo por ali vivido tantos anos, nunca deles ouvi falar, nem das casas onde se instalaram nunca nada desses tempos transpareceu. Eram dois edifícios velhos, de rés do chão e três pisos, com duas dúzias de janelas cada um, onde se adivinhavam muitos quartos lá dentro, pelas pessoas idosas que lá moravam que, confesso, na minha memória viviam mesmo em quartos alugados.
Rezam as crónicas que de 1903 a 1951, funcionou na Rua da
Torrinha o Internato Municipal do
Porto, com Casa do Director e tudo.
A única imagem que
até agora, consegui foi relativa a uma Banda de Música do Internato Municipal,
fotogravura datada de 1923.
Um processo do Arquivo Municipal do Porto (AMP), datado de
27 de Maio de 1911, tem um descritivo, que passo a transcrever e que me deixou
assaz curioso:
“Processo de concurso para arrematação da empreitada da
substituição da cobertura de chapa de ferro zincado por telha, no barracão
anexo ao Asilo Escola Municipal, na Rua da Torrinha, adjudicada a Manuel
Fernandes Moreno.”
Dois pormenores me saltaram logo quando descobri o documento – primeiro – a existência de um Asilo Escola Municipal na rua da Torrinha e segundo – o nome do adjudicado – Manuel Fernandes Moreno, aqui figurando como mestre de obras. Faltam-me documentos que tinha na drogaria, mas certamente que este Moreno era o mesmo da drogaria que teve o seu apelido – Drogaria Moreno. Afinal o droguista era construtor civil. Até foi ele o construtor do prédio onde se instalou a drogaria. Compreendo agora porque havia nas catacumbas na drogaria, escavadas no fundo do último armazém, tanta areia, cimento, saibro, telhas e tijolos.
Outro processo de 5 de Dezembro de 1917, menciona ainda o
mesmo Moreno:
“Processo de concurso para a empreitada de obras de trolha
para construção de um pavilhão para o Internato Municipal, sendo a proposta
mais económica para o Município a de Manuel Fernandes Moreno.”
O internato está identificado como Internato Municipal do Porto, 1891-1951. Começou como Asilo-Escola
de Artes e Ofícios do Distrito do Porto (Secção masculina) e foi criado em
1891 na Rua de Santa Catarina, n.º 692-694, funcionado num prédio alugado pela Comissão
Distrital a José Francisco Martins. Depois passou para a Rua da Boavista, nº
323, 327, propriedade de Isidoro de Magalhães Marques que tinha um quintal e um
armazém, confrontando com a Travessa da
Figueirôa. Aí permaneceu até 1903, data em que mudou para o n.º 327 da Rua da
Torrinha.
Um processo de 2 de Maio de 1893 remete-nos para a génese
deste Internato – a Junta Geral do Distrito - entretanto extinta, pelo que a
gestão passou a partir de então para a administração do Município.
“Processo de concurso para arrematação de fornecimento de
géneros e artigos ao Asilo Escola, criado pela extinta Junta Geral do
Distrito e atualmente sob administração do município, por decreto de 24 de
dezembro de 1892, fornecimento que tem de vigorar pelo tempo a decorrer até ao
fim do corrente ano, adjudicada a Manuel Joaquim Ferreira, Manuel Ferreira de
Sousa e Companhia, José Bento Serralves e Irmão, Álvaro de Carvalho Ramirez,
António José Vaz, Ana Nogueira, Estamparia do Bolhão, Bacelar e Sousa e José
Bento Ferreira e Companhia.”
Da documentação anterior registo os seguintes factos
relativos à Torrinha, que nos certificam a existência de casas edificadas por
alguma nobreza.
1.º Havia um prédio no n.º 327 da
Rua da Torrinha, propriedade dos descendentes do Dr. João Ribeiro de Faria,
fidalgo da Casa Real que o mandara construir para sua residência em 1814.
2.º Esse palacete, construído para habitação familiar, foi alugado
desde 1903, a Francisco de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres e sofreu obras
de adaptação, sendo ocupado pela Secção Masculina do Internato. Este Francisco
devia ser familiar de um Luís com os mesmos apelidos (1739-1797), beirão,
fidalgo da Casa Real, governador da capitania de Mato-Grosso, que mandou
construir a Casa da Ínsua em Penalva do Castelo.
O edifício da Torrinha sofreu obras nas traseiras que nunca
foram visíveis da rua – “No logradouro, foi construído um pavilhão em madeira, destinado a sala de
estudo e oficinas de alfaiate e sapateiro.”
A foto da Banda de Música comprova o
currículo – “Além de educação
moral, religiosa ou cívica, os educandos frequentavam aulas de música, tendo
sido criada uma banda cujas receitas eram divididas pelos educandos.”
Também estava na moda, as aulas de ginástica sueca e de esperanto, bem como as férias à beira-mar já passadas em Vila do Conde, Esposende e Ofir.
3.º A Secção Feminina do Internato iniciou a sua atividade
em 1926, na casa anteriormente ocupada pela Secção Masculina, situada
na Rua da Torrinha, n.º 327, aí se mantendo até 1942.
4.º O Internato permaneceu assim quase 40 anos na Rua da
Torrinha (1903 a 1942).
Prédio (Palacete) onde funcionou o Internato na Rua da Torrinha
A nossa drogaria ficava num prédio antes do primeiro da
foto, pintado a verde.
Já em 1897, um presidente da edilidade portuense, Venceslau Pereira Lima, fundamentara a necessidade de instalar o Asilo-Escola em edifício próprio. Houve projecto, obras iniciadas, mudança de ideias, a guerra pelo meio e tudo se alterou.
Pelos vistos, o Internato deveria ter passado pelo Quartel
de Infantaria ou do Monte Pedral, que agora se diz também vai ser demolido,
para aí construírem habitação económica para jovens – uma nova centralidade
do Carvalhido de Cima ou do Monte Pedral de baixo…
Quem acredita nisso? Cuidado não vá a história repetir-se e a tropa tornar a
vencer, ou demorar 50 anos a construir a centralidade, como o quartel demorou.
É longa e curiosa a história da construção deste quartel.
Uma nota à parte
sobre este quartel – confirmo, como diz num texto, que mandaram a Cavalaria toda
para Braga, quando lá fui ainda havia algumas ”cavalgaduras” e obrigaram os
mancebos como eu a ir aí às sortes –
a minha foi um carimbo na Caderneta
Militar
“Apurado
para todo o serviço militar”.
Hoje ainda há reminiscências do Internato, com nova designação – Internato (depois Instituto) Municipal Condessa de Lumbrales. Voltou a nobreza à obra social. A dita Condessa, D.ª Maria Francisca da Costa Leite era filha do 2.º conde de Lumbrales e deixou o seu apelido a um filho, muito conhecido na política portuguesa, nem mais nem menos que Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro. Este instituto tem ainda instalações no Porto ali pela Rua de Belém, n.º 304-322, junto ao Bairro de Costa Cabral, dentro de uma Quinta da Pena que deu nome à Capela, restaurada em 1949 e utilizada pelos paroquianos vizinhos.
Que relações houve entre o Internato Municipal, o Asilo
do Terço e o Asilo de S. João (ASJ) criado pela Maçonaria? Acho que vão ser
contas de outro rosário…
“O
ASJ criado pela Maçonaria no início da década de noventa dirigido a crianças do
sexo masculino, em condições de orfandade ou de manifesto desamparo,
provenientes da cidade e distrito, que podiam ser admitidos, de acordo com os
primeiros Estatutos de 1891, entre os cinco e os sete anos e permanecer no
asilo até aos quinze. Os promotores da Instituição eram todos Maçons das Lojas
do Vale do Porto, mas de diferentes sensibilidades políticas, em que se
incluíam muitos republicanos, que viriam a agrupar em redor de si, como sócios
da Associação Protetora do Asilo, personalidades ligadas ao saber jurídico e
médico, à cultura, ao jornalismo, ao ensino e também à burguesia dos negócios e
da indústria, para lá de outros benfeitores.”
Deixemos agora as escolinhas e voltemo-nos para o trabalho.
Há um ditado que diz: Lisboa diverte-se,
Braga reza, Coimbra estuda e o Porto trabalha.
” Foi sempre assim", como diz Germano Silva.
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