sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Internatos Municipais

 

Deixei propositadamente para o fim desta secção das escolas da Rua da Torrinha, os Internatos Municipais, porque a informação que obtive foi apenas resultante de pesquisas na rede. Tendo por ali vivido tantos anos, nunca deles ouvi falar, nem das casas onde se instalaram nunca nada desses tempos transpareceu. Eram dois edifícios velhos, de rés do chão e três pisos, com duas dúzias de janelas cada um, onde se adivinhavam muitos quartos lá dentro, pelas pessoas idosas que lá moravam que, confesso, na minha memória viviam mesmo em quartos alugados.

Rezam as crónicas que de 1903 a 1951, funcionou na Rua da Torrinha o Internato Municipal do Porto, com Casa do Director e tudo.

 A única imagem que até agora, consegui foi relativa a uma Banda de Música do Internato Municipal, fotogravura datada de 1923.

Um processo do Arquivo Municipal do Porto (AMP), datado de 27 de Maio de 1911, tem um descritivo, que passo a transcrever e que me deixou assaz curioso:

“Processo de concurso para arrematação da empreitada da substituição da cobertura de chapa de ferro zincado por telha, no barracão anexo ao Asilo Escola Municipal, na Rua da Torrinha, adjudicada a Manuel Fernandes Moreno.”

Dois pormenores me saltaram logo quando descobri o documento – primeiro – a existência de um Asilo Escola Municipal na rua da Torrinha e segundo – o nome do adjudicado – Manuel Fernandes Moreno, aqui figurando como mestre de obras. Faltam-me documentos que tinha na drogaria, mas certamente que este Moreno era o mesmo da drogaria que teve o seu apelido – Drogaria Moreno. Afinal o droguista era construtor civil. Até foi ele o construtor do prédio onde se instalou a drogaria. Compreendo agora porque havia nas catacumbas na drogaria, escavadas no fundo do último armazém, tanta areia, cimento, saibro, telhas e tijolos. 

Outro processo de 5 de Dezembro de 1917, menciona ainda o mesmo Moreno:

“Processo de concurso para a empreitada de obras de trolha para construção de um pavilhão para o Internato Municipal, sendo a proposta mais económica para o Município a de Manuel Fernandes Moreno.”

O internato está identificado como Internato Municipal do Porto, 1891-1951. Começou como Asilo-Escola de Artes e Ofícios do Distrito do Porto (Secção masculina) e foi criado em 1891 na Rua de Santa Catarina, n.º 692-694, funcionado num prédio alugado pela Comissão Distrital a José Francisco Martins. Depois passou para a Rua da Boavista, nº 323, 327, propriedade de Isidoro de Magalhães Marques que tinha um quintal e um armazém, confrontando com a Travessa da Figueirôa. Aí permaneceu até 1903, data em que mudou para o n.º 327 da Rua da Torrinha.

Um processo de 2 de Maio de 1893 remete-nos para a génese deste Internato – a Junta Geral do Distrito -  entretanto extinta, pelo que a gestão passou a partir de então para a administração do Município.

“Processo de concurso para arrematação de fornecimento de géneros e artigos ao Asilo Escola, criado pela extinta Junta Geral do Distrito e atualmente sob administração do município, por decreto de 24 de dezembro de 1892, fornecimento que tem de vigorar pelo tempo a decorrer até ao fim do corrente ano, adjudicada a Manuel Joaquim Ferreira, Manuel Ferreira de Sousa e Companhia, José Bento Serralves e Irmão, Álvaro de Carvalho Ramirez, António José Vaz, Ana Nogueira, Estamparia do Bolhão, Bacelar e Sousa e José Bento Ferreira e Companhia.”

 

Da documentação anterior registo os seguintes factos relativos à Torrinha, que nos certificam a existência de casas edificadas por alguma nobreza.

1.º Havia um prédio no n.º 327 da Rua da Torrinha, propriedade dos descendentes do Dr. João Ribeiro de Faria, fidalgo da Casa Real que o mandara construir para sua residência em 1814.

2.º Esse palacete, construído para habitação familiar, foi alugado desde 1903, a Francisco de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres e sofreu obras de adaptação, sendo ocupado pela Secção Masculina do Internato. Este Francisco devia ser familiar de um Luís com os mesmos apelidos (1739-1797), beirão, fidalgo da Casa Real, governador da capitania de Mato-Grosso, que mandou construir a Casa da Ínsua em Penalva do Castelo.

O edifício da Torrinha sofreu obras nas traseiras que nunca foram visíveis da rua – No logradouro, foi construído um pavilhão em madeira, destinado a sala de estudo e oficinas de alfaiate e sapateiro.”

 A foto da Banda de Música comprova o currículo – “Além de educação moral, religiosa ou cívica, os educandos frequentavam aulas de música, tendo sido criada uma banda cujas receitas eram divididas pelos educandos.”

Também estava na moda, as aulas de ginástica sueca e de esperanto, bem como as férias à beira-mar já passadas em Vila do Conde, Esposende e Ofir.

3.º A Secção Feminina do Internato iniciou a sua atividade em 1926, na casa anteriormente ocupada pela Secção Masculina, situada na Rua da Torrinha, n.º 327, aí se mantendo até 1942.

4.º O Internato permaneceu assim quase 40 anos na Rua da Torrinha (1903 a 1942).

Prédio (Palacete) onde funcionou o Internato na Rua da Torrinha

A nossa drogaria ficava num prédio antes do primeiro da foto, pintado a verde.

Já em 1897, um presidente da edilidade portuense, Venceslau Pereira Lima, fundamentara a necessidade de instalar o Asilo-Escola em edifício próprio. Houve projecto, obras iniciadas, mudança de ideias, a guerra pelo meio e tudo se alterou.

Pelos vistos, o Internato deveria ter passado pelo Quartel de Infantaria ou do Monte Pedral, que agora se diz também vai ser demolido, para aí construírem habitação económica para jovens – uma nova centralidade do Carvalhido de Cima ou do Monte Pedral de baixo…
Quem acredita nisso? Cuidado não vá a história repetir-se e a tropa tornar a vencer, ou demorar 50 anos a construir a centralidade, como o quartel demorou. É longa e curiosa a história da construção deste quartel.

Uma nota à parte sobre este quartel – confirmo, como diz num texto, que mandaram a Cavalaria toda para Braga, quando lá fui ainda havia algumas   ”cavalgaduras” e obrigaram os mancebos como eu a ir aí às sortes –
a minha foi um carimbo na Caderneta Militar
Apurado para todo o serviço militar”.

 

Hoje ainda há reminiscências do Internato, com nova designação – Internato (depois Instituto) Municipal Condessa de Lumbrales.  Voltou a nobreza à obra social. A dita Condessa, D.ª Maria Francisca da Costa Leite era filha do 2.º conde de Lumbrales e deixou o seu apelido a um filho, muito conhecido na política portuguesa, nem mais nem menos que Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro. Este instituto tem ainda instalações no Porto ali pela Rua de Belém, n.º 304-322, junto ao Bairro de Costa Cabral, dentro de uma Quinta da Pena que deu nome à Capela, restaurada em 1949 e utilizada pelos paroquianos vizinhos.


Que relações houve entre o Internato Municipal, o Asilo do Terço e o Asilo de S. João (ASJ) criado pela Maçonaria? Acho que vão ser contas de outro rosário…

“O ASJ criado pela Maçonaria no início da década de noventa dirigido a crianças do sexo masculino, em condições de orfandade ou de manifesto desamparo, provenientes da cidade e distrito, que podiam ser admitidos, de acordo com os primeiros Estatutos de 1891, entre os cinco e os sete anos e permanecer no asilo até aos quinze. Os promotores da Instituição eram todos Maçons das Lojas do Vale do Porto, mas de diferentes sensibilidades políticas, em que se incluíam muitos republicanos, que viriam a agrupar em redor de si, como sócios da Associação Protetora do Asilo, personalidades ligadas ao saber jurídico e médico, à cultura, ao jornalismo, ao ensino e também à burguesia dos negócios e da indústria, para lá de outros benfeitores.”

Deixemos agora as escolinhas e voltemo-nos para o trabalho. 

Há um ditado que diz: Lisboa diverte-se, Braga reza, Coimbra estuda e o Porto trabalha.

” Foi sempre assim", como diz Germano Silva.

 

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