Um passeio pelo Ouro, ao pé do Douro e eis que os olhos topam com mais uma rua fechada, com portão, fechadura, aloquete e cadeado, tudo bem coroado com arame farpado recente.
O aspecto bélico parece ter sido para proteger as
instalações militares que não foram desafectadas do “Ministério da Guerra”, para
construção habitacional e foram indevidamente ocupadas para “outros fins”.
Mas o que hoje me encanita é a placa toponímica – “Rua da Cordoaria Velha de Lordelo”. O edifício da antiga fábrica de cordames e massames fica-lhe à direita, com janelas vetustas de granito lavrado, tendo o edifício um alinhamento diferente das instalações da “Manutenção Militar”.
No Arquivo do Porto, hoje indisponível, vá-se lá saber porquê, há uma planta de projecto de alinhamento no Largo do Ouro e ruas da Cordoaria Velha, Condominhas e Ouro, de 1895, quando foram cedidos terrenos à Companhia de Carril Americano do Porto à Foz e Matosinhos, para a instalação dos carris para o Americano. Na mesma planta está localizada a Padaria Militar, que pertencia à Manutenção e em 1897, destinava-se à produção de massas alimentícias e pão.
Poderíamos assim concluir que ambos os equipamentos são anteriores a esta data. Em 1890, já tinha havido outro alinhamento da Rua da Cordoaria Velha com a Rua das Condominhas.
Gosto de abrir parêntesis, porque numa escrita linear não é
possível fazer hiperligações e aqui a “hot word” seria “Condominhas”.
Pode ser um “condomínio” da década de 30. Se formos à raiz da palavra – “Cum +
domus + inhas” temos aqui um conjunto de casas pequenas juntas, ou seja um
sítio com casas pequeninas. Veja-se como os “condomínios” cresceram faces às “condominhas”.
Fechado o parêntesis, voltemos à placa da Cordoaria Velha. O
portuense comum normalmente só vê a Cordoaria junto aos Clérigos. Mas essa era
a Nova e não a Velha. E a primeira Cordoaria Velha também não foi a Cordoaria
Velha de Lordelo.
Em terra de gente virada para o mar, com construção naval desde
o século XV, muita madeira, estopa e linho foram trabalhados por aí.
No Porto, também houve uma Rua da Cordoaria Velha,
que foi rebaptizada de Rua Francisco da Rocha Soares. Pensei que
tivesse sido algum mestre cordoeiro, mas não. Foi proprietário da fábrica de
loiça de Miragaia e arrendatário da fábrica de Massarelos, oficial do exército
e presidente da Câmara do Porto. Não teve nada a ver com as cordas, que há
muito tinham saído desta rua, que não ficava no cais do Ouro mas sim no de
Miragaia.
No século XV, havia um extenso areal, em Miragaia que
pertencia à Confraria de São Pedro de Miragaia. Recorde-se que a
primitiva igreja já vem de 1453 e foi reconstruída nos séculos XVII e XVIII. Por
ali havia um estaleiro, onde foram construídas as embarcações da expedição a
Ceuta, em 1415. Os estaleiros foram depois transferidos para a Ribeira do
Ouro, onde se passaram a construir os grandes galeões. Germano Silva
discrimina todos o tipo de embarcações ali construído além dos galeões - «naus,
barcas, caravelas, taforeias, urcas, navetas e barinéis». Se falarem
com ele, saberão as diferenças.
Ora as cordoarias velhas estão ligadas a estes estaleiros. A
primeira ficava na Calçada da Esperança onde existiu a Capela de Nossa
Senhora da Esperança, junto a portas da muralha com nomes correlacionados – Porta
da Esperança e mais perto do rio – Postigo da Praia, (praia que
desapareceu com a construção do edifício da Alfândega) onde as cordas com
centenas de metros podiam ser estendidas. Os cordoeiros tinham as famosas rodas
aqui pelo areinho de Miragaia.
O Padre Rebelo da Costa, na sua Descrição Topográfica…,
localiza-nos a Fábrica da Cordoaria Nova «num largo e comprido campo, chamado a Cordoaria Nova,
que faceia da parte da nascente, com o Recolhimento do Anjo, do poente com a
Capela do Calvário Novo, Hospício de Santo António e Celeiros…».
No parágrafo seguinte, contrasta-a com a Cordoaria Velha,
localizando-a e descrevendo-a:
«[… ] Passam de cem as rodas que trabalham diariamente em manobrar
as referidas cordagens e massames, que se apuram em seis estufas, umas de
cabrestantes e outras de roda, entre as quais há uma caldeira que leva 50
almudes de alcatrão, as outras levam a 30 e a 40. [….] Fazem-se amarras de
todas as grossuras precisas. As maiores que até agora se têm feito, pesaram 67
quintais, com 120 braças de comprimento e valor de 612$000…»
Faziam-se por aqui fortunas, onde não faltavam as rodas, o linho, a estopa e o
alcatrão, porque «têm estas amarras uma superioridade conhecida sobre todas as que se trabalham nos paises estrangeiros.»
Voltando à Cordoaria Velha de Lordelo, gostaria de
descobrir a data da sua fundação. Sabe-se que o estaleiro de Miragaia foi transferido
para o Estaleiro do Ouro, desde os finais do século XVI. Hei-de lá chegar…
Em relação ao edifício militar, conhecido como o Trem do
Ouro há um documento de 1812, com uma “Relação nominal dos empregados no
trem do Ouro”. Germano Silva diz-nos que foi «quartel de artilheiros e escola de engenheiros. [….]
Um trem tanto pode ser o conjunto das bocas de fogo e respectivos carros de
transporte, como a oficina onde se trata tudo o que diz respeito à artilharia.» Para que não restem dúvidas, a
porta de armas ainda está encimada por uma dúzia de bolas de pedra, de cada
lado, que não serviriam para jogar futebol.
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