Dinheiro – D. Afonso I (Museu da Casa da Moeda) - Cruz do calvário
D. Afonso Henriques depois ter assinado o tratado em 1143,
começa a “bater moeda”. Se observarmos as primeiras moedas
portuguesas, logo no primeiro Dinheiro, vemos uma cruz a figurar, mas
curiosamente, não é a forma mais simples, mas sim a cruz latina ou a cruz do calvário. Começam a surgir os
símbolos religiosos juntamente com o nome abreviado do rei e o nome do novo
reino em latim. As escolhas estarão certamente relacionadas com a necessidade
de por um lado, agradecer a Deus, por outro, de mostrar à igreja o seu empenho
na difusão da fé cristã e a sua luta contra os infiéis, que paradoxalmente
podem ser lembrados no anverso da moeda, através do pentagrama característico
da arte muçulmana e até difundido nas suas moedas.
Os primeiros dinheiros foram batidos a martelo em
bolhão - (não no mercado do Porto) mas uma liga de cobre e prata – a
prata-baixa, bolhão ou bilhão, na cidade de Coimbra ou em Braga, as duas
cidades a reivindicar a primeira Casa da Moeda ou OFICINA MONETÁRIA da
monarquia portuguesa. Repare-se que no anverso, o que nos chama logo a atenção,
é o sino-saimão ou signo de Salomão (pentalfa). No reverso da moeda, deparamos
com uma Cruz Latina, cantonada com
dois caracteres, simbolizando a Trindade de Deus. Dom Afonso I talvez quisesse
utilizar o “sãosselimão” (como diz o povo) para seu emblema pessoal, visto que
o seu selo era simplesmente o desenho de um sino-saimão com a palavra ALPHONSUS
em volta.
Este intróito, retirado do meu livro “A Cruz do
Dinheiro”, vem a propósito de uma referência que Alberto Pimentel faz
no seu “Guia do viajante na cidade do Porto”, acerca da primeira Casa da Moeda. Em nota de rodapé de um capítulo dedicado à Bolsa do Comércio do
Porto, em que recorda notícias históricas de Arnaldo Gama, referindo que o «bello
palácio da Associação Commercial do Porto», denuncia a riqueza do comércio
do Porto «que foi ella que primeiro deu dinheiro para todo o reino».
Cito factos da dita nota de rodapé, que parecem ter ido
beber a fontes mais longínquas – à Chronica d’El_Rei D. João I, cap. 5.º:
«A
primeira Casa da Moeda, que houve em Portugal foi no Porto, onde os primeiros Reis d’este Reino
fizeram bater Moeda, mandando vir officiaes extrangeiros, porque os não havia
no Reino [ … ] .
Por razão
d’estar a Casa da Moeda no Porto, se vêem hoje os ceitis, e boa parte
das moedas antigas, com umas torres por divisa, e um rio por baixo, que são
as Armas d’aquella Cidade; depois passando a Côrte dos Reis para Coimbra,
fez menção muitas vezes o Conde D. Pedro, dos moedeiros de Coimbra, por onde
parece que também por ali os havia. Ultimamente se poz esta Casa em Lisboa,
onde ao presente está.»
Acho que temos por aqui “fake news”, já com séculos
em cima.
A Imprensa Nacional da Casa da Moeda considera que a Casa da
Moeda de Lisboa é «provavelmente o mais antigo estabelecimento fabril do
Estado português», e que remonta pelo menos ao final do século XIII, no
reinado de D. Afonso III. Outras notícias localizam-na no reinado de D. Dinis,
perto da «Porta da Cruz», junto a Santa Apolónia.
Segundo estes, a primazia ia para Lisboa. Mas talvez não
seja por acaso que o primeiro documento a regulamentar a actividade, já de
1391, tenha vindo para o Porto.
A Biblioteca da Imprensa Nacional tem os três Regimentos régios
entregues pelos nossos reis à Casa da Moeda. O mais antigo, de 1391, foi
entregue pelo rei D. João I à Casa da Moeda do Porto; seguiram-se os Regimentos
de 1498 e de 1686, homologados respetivamente pelos reis D. Manuel I e D. Pedro
II, mas em benefício da Casa da Moeda de Lisboa. «No essencial, estes três
Regimentos dão-nos informações preciosas sobre a forma como se encontrava
organizada a Casa da Moeda, incluindo informações sobre as respetivas
hierarquias funcionais, espaços de trabalho e serviços assegurados pelos
oficiais e moedeiros que nela laboravam.»
Queria voltar ao texto de Alberto Pimentel, que cita uma
determinada moeda – o ceitil. Alguns autores dizem que esta moeda foi
mandada bater por D. João I, em cobre, em memória da cidade de Ceuta, valendo a
sexta parte de um real –um “sextil”- daí
o “ceitil”. A moeda vai continuar a ser cunhada até ao reinado de S. Sebastião:
Contudo os exemplares existentes foram apenas cunhados a partir de D. Afonso V.
Há, no entanto, interpretações diferentes das imagens da moeda.
Numismaticamente, aceita-se que o reverso tenha três torres da praça de Ceuta,
banhadas pelo mar. No Guia de Pimentel, diz-se que o reverso dos ceitis
representa as Armas da cidade do Porto – duas torres e um rio por baixo. Por
muito amor que tenha à cidade, inclino-me mais para a primeira interpretação.
In Museu Casa da Moeda
Se quisermos fixar-nos nas Armas da
cidade e recordar D. João I, que residiu muito tempo no Porto, podemos lembrar
que ele fundou a rua Nova dos Inglezes, ao seu tempo rua Nova de S. Nicolau,
mas que ele designava como a sua rua formosa. E chamava ao Porto a
Cidade da Virgem, Civitatis Virginis.
É preciso recuar ainda mais, quando os gascões vieram lutar
contra os infiéis, porque no ano de 999 o exército de Almançor arrasou os muros
do Porto. Os gascões reedificaram e reconstruiram a cidade, tendo colocado numa
porta da muralha, uma imagem da Virgem que tinham trazido de França – o sítio
passou a chamar-se o Arco da Vandoma. Mais do que isso, colocaram a Virgem
entre duas torres e tomaram-na como brasão de armas da cidade.
No entanto, a Senhora de Vendome nunca figurou nestas moedas
de ceitis. Já quanto à Casa da Moeda, parece que ficava mesmo ali perto da
Porta de Santo Elói.
«Esta Casa da Moeda era no largo dos Loyos, à esquina
da rua de Traz.».
Assim, segundo estes dados, o Porto deveria reivindicar a primeira Casa da Moeda do país.
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