sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Bater moeda no Porto

 

Dinheiro – D. Afonso I (Museu da Casa da Moeda) - Cruz do calvário

D. Afonso Henriques depois ter assinado o tratado em 1143, começa a “bater moeda”. Se observarmos as primeiras moedas portuguesas, logo no primeiro Dinheiro, vemos uma cruz a figurar, mas curiosamente, não é a forma mais simples, mas sim a cruz latina ou a cruz do calvário. Começam a surgir os símbolos religiosos juntamente com o nome abreviado do rei e o nome do novo reino em latim. As escolhas estarão certamente relacionadas com a necessidade de por um lado, agradecer a Deus, por outro, de mostrar à igreja o seu empenho na difusão da fé cristã e a sua luta contra os infiéis, que paradoxalmente podem ser lembrados no anverso da moeda, através do pentagrama característico da arte muçulmana e até difundido nas suas moedas.

Os primeiros dinheiros foram batidos a martelo em bolhão - (não no mercado do Porto) mas uma liga de cobre e prata – a prata-baixa, bolhão ou bilhão, na cidade de Coimbra ou em Braga, as duas cidades a reivindicar a primeira Casa da Moeda ou OFICINA MONETÁRIA da monarquia portuguesa. Repare-se que no anverso, o que nos chama logo a atenção, é o sino-saimão ou signo de Salomão (pentalfa). No reverso da moeda, deparamos com uma Cruz Latina, cantonada com dois caracteres, simbolizando a Trindade de Deus. Dom Afonso I talvez quisesse utilizar o “sãosselimão” (como diz o povo) para seu emblema pessoal, visto que o seu selo era simplesmente o desenho de um sino-saimão com a palavra ALPHONSUS em volta.

Este intróito, retirado do meu livro “A Cruz do Dinheiro”, vem a propósito de uma referência que Alberto Pimentel faz no seu “Guia do viajante na cidade do Porto”, acerca da primeira Casa da Moeda. Em nota de rodapé de um capítulo dedicado à Bolsa do Comércio do Porto, em que recorda notícias históricas de Arnaldo Gama, referindo que o «bello palácio da Associação Commercial do Porto», denuncia a riqueza do comércio do Porto «que foi ella que primeiro deu dinheiro para todo o reino».

Cito factos da dita nota de rodapé, que parecem ter ido beber a fontes mais longínquas – à Chronica d’El_Rei D. João I, cap. 5.º:

«A primeira Casa da Moeda, que houve em Portugal foi no Porto, onde os primeiros Reis d’este Reino fizeram bater Moeda, mandando vir officiaes extrangeiros, porque os não havia no Reino [ … ] .

Por razão d’estar a Casa da Moeda no Porto, se vêem hoje os ceitis, e boa parte das moedas antigas, com umas torres por divisa, e um rio por baixo, que são as Armas d’aquella Cidade; depois passando a Côrte dos Reis para Coimbra, fez menção muitas vezes o Conde D. Pedro, dos moedeiros de Coimbra, por onde parece que também por ali os havia. Ultimamente se poz esta Casa em Lisboa, onde ao presente está.»

Acho que temos por aqui “fake news”, já com séculos em cima.

A Imprensa Nacional da Casa da Moeda considera que a Casa da Moeda de Lisboa é «provavelmente o mais antigo estabelecimento fabril do Estado português», e que remonta pelo menos ao final do século XIII, no reinado de D. Afonso III. Outras notícias localizam-na no reinado de D. Dinis, perto da «Porta da Cruz», junto a Santa Apolónia.

Segundo estes, a primazia ia para Lisboa. Mas talvez não seja por acaso que o primeiro documento a regulamentar a actividade, já de 1391, tenha vindo para o Porto.

A Biblioteca da Imprensa Nacional tem os três Regimentos régios entregues pelos nossos reis à Casa da Moeda. O mais antigo, de 1391, foi entregue pelo rei D. João I à Casa da Moeda do Porto; seguiram-se os Regimentos de 1498 e de 1686, homologados respetivamente pelos reis D. Manuel I e D. Pedro II, mas em benefício da Casa da Moeda de Lisboa. «No essencial, estes três Regimentos dão-nos informações preciosas sobre a forma como se encontrava organizada a Casa da Moeda, incluindo informações sobre as respetivas hierarquias funcionais, espaços de trabalho e serviços assegurados pelos oficiais e moedeiros que nela laboravam.»

Queria voltar ao texto de Alberto Pimentel, que cita uma determinada moeda – o ceitil. Alguns autores dizem que esta moeda foi mandada bater por D. João I, em cobre, em memória da cidade de Ceuta, valendo a sexta parte de um real –um “sextil”-  daí o “ceitil”. A moeda vai continuar a ser cunhada até ao reinado de S. Sebastião: Contudo os exemplares existentes foram apenas cunhados a partir de D. Afonso V. Há, no entanto, interpretações diferentes das imagens da moeda. Numismaticamente, aceita-se que o reverso tenha três torres da praça de Ceuta, banhadas pelo mar. No Guia de Pimentel, diz-se que o reverso dos ceitis representa as Armas da cidade do Porto – duas torres e um rio por baixo. Por muito amor que tenha à cidade, inclino-me mais para a primeira interpretação.

In Museu Casa da Moeda

 Se quisermos fixar-nos nas Armas da cidade e recordar D. João I, que residiu muito tempo no Porto, podemos lembrar que ele fundou a rua Nova dos Inglezes, ao seu tempo rua Nova de S. Nicolau, mas que ele designava como a sua rua formosa. E chamava ao Porto a Cidade da Virgem, Civitatis Virginis.

É preciso recuar ainda mais, quando os gascões vieram lutar contra os infiéis, porque no ano de 999 o exército de Almançor arrasou os muros do Porto. Os gascões reedificaram e reconstruiram a cidade, tendo colocado numa porta da muralha, uma imagem da Virgem que tinham trazido de França – o sítio passou a chamar-se o Arco da Vandoma. Mais do que isso, colocaram a Virgem entre duas torres e tomaram-na como brasão de armas da cidade.


No entanto, a Senhora de Vendome nunca figurou nestas moedas de ceitis. Já quanto à Casa da Moeda, parece que ficava mesmo ali perto da Porta de Santo Elói.

«Esta Casa da Moeda era no largo dos Loyos, à esquina da rua de Traz.».

Assim, segundo estes dados, o Porto deveria reivindicar a primeira Casa da Moeda do país.

Sem comentários:

Enviar um comentário