sábado, 26 de abril de 2025

Os pedrões e os padrões vs os cruzeiros

 


Os romanos parecem ter sido os primeiros a marcar as distâncias e deixar assinaturas nas vias que iam abrindo e ainda hoje encontramos os seus conhecidos miliários. Se a medida padrão era a milha, daí “o miliário”, importa saber a sua equivalência para o sistema métrico.

E como era medida a milha? A passo, é claro, de um soldado, de um centurião. Nada mais nada menos que milia passuum ou mille passus - mil passos - bem medidos, porque um passo é a distância entre dois batimentos do pé esquerdo, é o chamado passo dobrado, valor aproximado de metro e meio. Os centuriões não eram gigantes, nem podiam dar muitas passadas largas, daí que os 75 cm seriam um bom padrão. As medições actuais atribuem à milha romana valores entre 1 481 e 1 580 metros. Quanto à milha terrestre que os ingleses têm no “conta-milhas” dos seus carros – equivale a 1 609 metros, se for no barco já vale mais – 1 855 metros.

Já agora, vamos procurar uma outra unidade – a légua. Aqui as variações ainda são maiores. Para os romanos, poderia ser milha e meia, o que convertido em medida mais pequena seria 7500 pés. Polegadas, pés, jardas e milhas, foram sempre medidas inglesas com que me familiarizei, até à custa das anedotas – um espertinho vai ao talho e querendo gozar o talhante, pede-lhe uma jarda de porco. O magarefe embrulha três pés de porco e diz-lhe “three feet make one yard”, o que é verdade.

A distância “légua” encontra-se em alguma literatura europeia, com influência de viagens, e frequentemente em Portugal e no Brasil. O valor é variável, conforme os autores e as épocas.

Foi considerada a distância aproximada de caminho percorrido por um homem durante uma hora. Em 1855, antes da adopção do sistema métrico, até se legislou que a légua métrica seria equivalente a 5 000 metros. No entanto, o seu valor varia entre os 4 000 e os 7 500 metros. Dessa variabilidade terá surgido a expressão “é como a légua da Póvoa”, significando que não tem um valor exacto.

Todo este arrazoado veio-me à memória por razões hagiográficas – o Senhor do Padrão e o Senhor do Padrão da Légua. Hoje, vou deixar ficar por aqui mais umas “pedras” sobre o “Senhor do Padrão”, especialmente aquele que ainda hoje tem muitos devotos na zona do Carvalhido, aqui no Porto, que levam uma vida sempre a correr, e talvez por isso também lhe chamem o Senhor dos Aflitos. Para complicar um pouco mais a história, além dos “pedrões” este Senhor tem um cruzeiro, pelo que será mais correcto designá-lo por “Cruzeiro do Senhor do Padrão”.

Desde tempos imemoriais nos têm colocado “pedras no caminho” que, quando este era de terra, até agradecíamos em dias de chuva.  O caminho longo que saía do Porto para o Norte, percorrido pelos caminhantes, romeiros e festeiros, tinha lugares de paragem, como as “alminhas”, as capelas e os cruzeiros. Embora o caminho viesse da parte alta do Porto, do Olival, hoje Cordoaria, vamos recuar até uns anos antes da abertura da rua de Cedofeita, que só começou em 1762, até aí seria mais um caminho e mais tarde foi a Rua da Estrada, saída do Porto para a Póvoa, como era conhecida em 1781.

As minhas interrogações começaram pela data inscrita no Cruzeiro do Senhor do Padrão – 1738. Assim sendo, foi erigido muito antes de Cedofeita ter sido aberta, como rua. Era um caminho que na parte mais alta chegava ao que hoje designamos por Ramada Alta, lugar onde a partir de 1737, começaram a erigir a Capela de Nossa Senhora das Dores ou do Senhor do Calvário. Convém lembrar que as festas do Senhor de Bouças (Matosinhos) tinham começado poucos anos antes – 1732. O caminho a seguir à Ramada Alta, era uma estrada que cruzava sopés de montes, conhecido como a Falperra.


Os romeiros vindos do Porto usavam este caminho e percebe-se que por essa época se tivesse erguido o cruzeiro na Falperra, lá ao fundo da rua, hoje mais ou menos no cruzamento da Rua da Constituição com a Rua 9 de Julho, talvez em frente à Fonte da Falperra. Uma pausa na caminhada seria sempre bem aproveitada junto de uma fonte.  



Não me parece que como já li, que este cruzeiro marcasse a distância da primeira milha, à saída do Porto, pois a distância é de 2,5 km. Aceito como mais provável um outro “pedrão” que vem mais para diante, depois de sairmos do Porto – o Padrão da Légua – a tal légua de aproximadamente 5,5 km. O cruzeiro seria mais um ponto de devoção religiosa.

Aproveitemos uma sede de água e prometo voltar em breve com longas histórias do Cruzeiro do Senhor do Padrão ou dos Aflitos.

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