Como em muitas destas páginas me tenho debruçado sobre a
toponímia portuense, termino o folhetim camiliano com uma avenida que muito
calcorreei, quando frequentava o Liceu de Alexandre Herculano – precisamente a
Avenida de Camilo.
Dois vultos da literatura na mesma avenida. Se dentro de um,
eu estudava, dentro de outro, levava os meus livros debaixo do braço. Lembro-me
de uma pasta chic de couro, debruada a cetim para segurar duas guardas
interiores e com a imagem de Camilo na frente. Era o tal bigodaças, “picado
do génio e das bexigas”, como o retratou e legendou Bordalo, no seu “Álbum
das Glórias”.
As bexigas também tinham sido imagem das minhas doenças
infantis, talvez daí sempre ter tido alguma afeição pelo escritor. Recordo ter
conseguido um livro dele proibido pela censura, “A Freira no Subterrâneo”,
editada pela Chardron, que li com interesse redobrado.
Bem, voltemos às ruas…
Quando andei pela Avenida de Camilo, já a Quinta de
Sacais era reduzida. A toponímia da quinta fica para outra ocasião, porque a
história pode ir desde “galhos secos de árvores”, aos acaçais ou aguadeiros com
jumentos. Grande parte do terreno desta quinta foi cedida à C.M. do Porto, pelo
conhecido banqueiro Francisco Borges, do extinto Borges & Irmão, para o
liceu e para abertura da avenida, em 1914.
No primeiro centenário do nascimento de Camilo, e já lá vão cem anos, o jornal
“O Comércio do Porto”, promoveu uma homenagem ao romancista, muito pelo
empenho do seu director Bento Carqueja. Em 1925, foi colocado, no fundo da avenida,
o busto de Camilo, da autoria do escultor Henrique Moreira.
Monumento idêntico, foi no mesmo dia 16 de Março, descerrado nos jardins do
antigo Paço dos Concelhos de Famalicão. O edifício da Câmara ardeu em 1958 e
nessa data o busto foi transladado para Seide.
Hoje em dia, a estátua de Camilo mais fotografada,
encontra-se desde 2012, em frente à Cadeia da Relação, onde Camilo tem uma
jovem agarrada a si que todos negam ser A. A. Assim despida ninguém reconhece
os traços roliços da Plácido. É da autoria de Francisco Simões e o presidente
da Câmara, Rui Moreira afirmou em 2023, que iria mandar retirar a estátua “Os
amores de Camilo”, por a considerar “feia e de mau gosto”. Ainda lá está,
embora todos os dias os pombos lhe façam “aquilo” em cima.
Já que não pude coleccionar estátuas, enquanto estão à vista
de todos, tenho coleccionado moedas e algumas notas. Também por estes "sítios" Camilo foi homenageado.
Já quanto às moedas, a Imprensa Nacional da Casa da Moeda
esperou pelo centenário da morte de Camilo, para em 1990, lançar uma moeda
comemorativa de prata BNC (Brilhante Não Circulada), dentro de uma carteira,
com informação sobre o escritor e a moeda. A mesma moeda em cuproníquel,
circulou, mas como habitualmente ficou pelos bolsos dos coleccionadores e
poucos a trocaram por arroz ou açúcar. A moeda é da autoria da escultora
matosinhense Irene Vilar e no anverso, tem a acácia do Jorge, existente na Casa
de Camilo em S. Miguel de Seide. A árvore “de braços alongados e estorcidos, que ardeu uma vez
quando do incêndio da casa de São Miguel, mas que ainda teve forças e seiva
para rebentar em folhagem verde” era um dos pousos favoritos do
filho Jorge que “ocuparia os
dias a tocar flauta empoleirado nas árvores simiescamente”.
Jorge foi uma das grandes preocupações de Camilo que quase
até à sua morte, por ele se bateu em Lisboa, para que lhe fosse concedida uma
pensão, invocando a sua incapacidade para o trabalho. Viria essa pretensão a ser
concedida em 1889, um ano antes da sua morte.
Também para o fim da vida, ficaram outras benesses e benefícios
régios, especialmente a concessão do título nobiliárquico – Visconde de
Correia Botelho.
Camilo toda a vida foi muito satírico em relação à facilidade
com que por cá atribuíam os títulos. Escreveu ele:
«Nas
noventa léguas, metade incultas, de Portugal, inçam e pompeiam, segundo
conta o Almanach Comercial para 1884, 122 Condes, 304 Viscondes e
190 Barões. Quanto o Comendadores quem
contou as gotas do Mediterrâneo?»
Por necessidade, também entrou nesse clube, em Junho de 1885,
quando lhe foi atribuído o título, em virtude dos altos serviços prestados à
literatura nacional. Como “nobiliado” seria agora mais fácil atribuírem-lhe
pensão ao filho. Quanto a ele, até se congratulou com o voto favorável do
Parlamento “em isentá-lo
do pagamento de direitos de mercê e selo”, a que seria obrigado
pelo título, era menos uma despesa.
Tal concessão indignou muita gente, especialmente a abastada burguesia, que nunca esquecera as suas polémicas. «Os “bem pensantes” consideravam Camilo um marginal, um atrevido arrivista e viam na nobilitação um aviltamento de ordem social, na medida em que a interpretavam como uma afronta à classe.»
Quem também não se congratulou com a distinção honorífica foi
a Viscondessa Ana Plácido:
«[…]o único
título por ela desejado, no íntimo do coração, não era o de viscondessa, mas o
de esposa, tanto mais que a humilhação se tornava maior, desde que Ana Plácido
continuasse a ser, ao lado do visconde de Correia Botelho, apenas a sua
antiga amante, a sócia dos seus infortúnios, não das suas honrarias.»
– palavras de Alberto Pimentel
Alguma bibliografia consultada:
·
Boletim
Cultural da Câmara Municipal do Porto, “Alguns Passos da Vida de Camilo”, de
1950
·
O
Porto do Romantismo, Artur de Magalhães Basto, 1932
·
Camilo
Castelo Branco – Sua Vida e Obra, Oldemiro César, de 1914
·
Memórias
do tempo de Camilo A. A., Alberto Pimentel, 1913
·
O
Porto Há Trinta Anos, Alberto Pimentel, de 1893
· “Cem Cartas de Camillo”, Xavier Barbosa,
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