Há poucas semanas, no vale de Vilar, tentei emaranhar-me por
caminhos difíceis, que me pareceram tão imersivos, como hoje se diz, que receei
não ser capaz de de lá emergir. Vou
valer-me do saudoso Júlio Couto, que na sua “Monografia de Massarelos”,
não esqueceu o sítio e aclarou-me bastante as ideias.
Comecemos pelo topónimo – “Campo do Rou”.
Diz quem sabe, que ali por Penafiel houve idêntico topónimo
antigo “Rou”, sem dele haver hoje notícia. Embora brincadeira da minha
meninice, o jogo das escondidas, nunca foi para nós designado por “rou-rou”,
mas parece que em algumas terras assim o chamavam.
Frei Domingos Vieira regista a interjeição popular “rou-rou”
no sentido de impôr silêncio e ainda temos o adágio “Rou-rou, faça-se o que
El-Rei mandou”. Júlio Couto vai beber ao dr. Cunha Freitas uma possível
onomatopeia que esteja na origem do topónimo, do “ro” espanhol, ao “rou”
francês até ao alemão “ruhe”. Ora a palavra alemã até podia ter algo a ver com
a expressão “rou-rou”, para mandar calar alguém, porque significa, “silêncio”,
ou “sossego”, mas pronuncia-se “rua”…
A verdade é que aqueles sítios são ainda hoje campos de
silêncio. Nem rumorejam as águas, que vinham lá de cima do monte da
Maternidade, e de outras alturas, até ao fundo da Torrinha, e continuavam por
ali abaixo até formar a Ribeira de Vilar que atravessa as profundezas do
vale. A ribeira também é conhecida como de Massarelos. Os moinhos que por lá existiram nada movem. Na minha caminhada, o
meu objectivo era subir a Rua dos Moinhos e tentar chegar cá acima à Fonte
das Azenhas ou Fonte dos Caquinhos. Já lá tinha estado e os
lavadouros ainda existiam. Um morador, ali da Rua do Casal do Pedro, desanimou-me:
“Ainda pode subir um bocado, mas mais para lá cima é só ‘mato’ e é difícil
passar.“ Fiquei cá por baixo.
Das minhas voltas pelo Arquivo Municipal, às vezes, recolho
curiosidades interessantes. Para este lugar descobri que por ali houve duas
fundições, a Fundição do Campo do Rou, fundada em 1874 e outra no n.º 32 de
João Felgueiras e Compª Lim.da, que em 1923, já era uma oficina de
serralharia mecânica.
Hoje, quando andamos pelas ruas, só vemos tampas de
saneamento em ferro fundido, vindas de Espanha ou de Itália. Antes, tínhamos os
candeeiros, os fontanários, os bancos de jardins, gradeamentos de coretos, sei
lá, em qualquer sítío lá estava a marca destas fundições de Massarelos.
Facto mais curioso é uma antiga
toponímia ali do sítio que seria a Viela das Pedreiras, em 1841. Também
encostada à viela, a D. Rita d’Oliveira, em 1870, que era possuidora de “uma
morada de casas”, foi suplicante à Camara para alterar um muro, porque uma
videira cresceu para o caminho público e ela queria-a fazer recolher para
dentro do quintal.
Voltando agora aos conhecimentos de
Júlio Couto, o projecto de ampliação que encontrei de 24 de Fevereiro de 1876,
(aqui na imagem à esquerda) parece ser a mesma casa, uma espécie de solar, que
aparece aqui num desenho, à pena, de Gouveia Portuense, que pertenceu ao avô de
Rozo Lagoa, professor e jornalista em S. Paulo.
Importa finalmente deixar duas
palavras sobre esta família Lagoa, brasileira. O avô teve dois filhos, um Rozo,
pai do Rozo professor e outro Cherubino, que estudou os problemas do judaísmo
na cidade do Porto. A casa no Campo do
Rou “era um abrigo certo de quantos lutavam pela causa da liberdade, contra
o governo absolutista de D. Miguel”, palavras de Júlio Couto.
Na “lameda” Basílio Teles, ou de “Maçarellos”,
ainda recordei os Frigoríficos e a Remise dos STCP. Quase pegado à recolha dos eléctricos, hoje
museu, podemos ver um edifício bem conservado, que foi o Frigorífico do
Bacalhau, com o símbolo do Estado Nova na frontaria, ostentando a data de
1939. O peixe era descarregado dos barcos no Cais do Bicalho e entrava
em túnel, por baixo da estrada, para os frigoríficos.
O outro edifício - o Frigorífico do Peixe ou a Bolsa do Peixe - na esquina da Rua de D. Pedro V, foi projectado em 1930, e por essa altura já se refrigerava o que se apanhava a mais. Na minha meninice, já era um armazém de cimento. Recordo as vagonetas que carregavam os sacos de cimento de barcos acostados no cais ali em frente e desapareciam também num túnel, por baixo da estrada, entrando lá para os catafundos do armazém. Ainda fui ver uma peça de teatro neste espaço, quando a Associação de Moradores se apropriou do local e fizeram ali “cimento” para o espírito. No último dia que lá passei, amaldiçoei o progresso. Sei que o edifício já fora restaurante, mas agora é mais um hotel. Os baixos-relevos em granito ainda lembravam a faina do peixe e a primeira utilização do imóvel.
Fechei os olhos e entrei pela rua
da Fonte de Massarelos, encostada ali ao hotel. Meia dúzia de passos à frente,
surgem as Escadas do Roleto. É
por aqui que se sobe para o Campo do Rou. Alvíssaras para quem descobrir a
origem do topónimo. Júlio Couto diz que o dr. Cunha e Freitas dizia que “era
um daqueles intrigantes que dificilmente encontram uma explicação aceitável”
e ele próprio aventa hipótese de alguma alcunha – um diminutivo de “rolho”,
algum roliço ou gordito lá do sítio. Falando em alcunhas, talvez já não
encontremos o Silva Maluco, que servia uns petiscos e churrascos, em
esplanada improvisada em frente à loja.
Agora temos de continuar, logo à
frente, surgem os vestígios da religiosidade destas gentes ligadas ao mar.
Muito marítimo dali andou pelas terras do bacalhau. Em frente ao número 26, da Fonte de Massarelos, está o Cruzeiro dos
Navegantes, abrigado em telheirinho, assente em quatro colunas, duas delas
já quase integradas na parede. A imagem do Cristo (J.N.R.J) está resguardada
numa caixa de madeira, em forma de cruz e tapada a vidro. Não falta o candeeiro
aceso, nem flores sempre frescas.
Mais à frente, começam as escadas
da rua Casal do Pedro e logo no início, uma casa recuperada, onde só
falta o AL. Mas entre as janelas do 1.º andar, lá está um nicho, com a imagem
de Cristo e da Senhora de Fátima e a luz do candeeiro. Cá em baixo, uma peanha
de pedra saliente na parede, com a respectiva floreira de flores da época.
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