A gente cá do Porto aprendeu a nomear as tampas das garrafas
de cerveja e dos refrigerantes com os mais velhos, porque nos lembramos ainda
da marca Sameiro. Recordo não só as águas de mesa do Sameiro, mas também
a gasosa e a laranjada. Infelizmente, na minha meninice o pirolito já
estava em vias de desaparecimento, embora ainda conhecesse muitas garrafas com o
famoso berlinde de vidro dentro, que fechava a garrafa. Recordo ter partido
algumas, só para ficar com os berlindes.
Voltando à marca Laranjada Sameiro, hoje está abandonada,
mas em 1946, foi registada em nome da firma Mesquitas, Limitada.
Não resisto a evocar o amigo Júlio Couto, que partilha as
suas memórias sobre estas coisas, no texto “Os Tascos”, inserido
na sua “Monografia de Massarelos”:
«O consumo
de refrigerantes era para meninas (as laranjadas «com piquinhos» e as
groselhas) e para os putos (quando arranjávamos dinheiro ou havia um pai ou um
tio que entrava com um) era um consolo beber o «nosso» pirolito.
As
laranjadas com piquinhos foram as primeiras a aparecer no mercado, pelo menos
ao nível da nossa rua, e eram da marca «Sameiro» e daí que as cápsulas que
davam para umas valentes corridas de «volta a Portugal» com traçado sinuoso, a
giz, nas bermas dos passeios, passaram a ser as sameiras. E confesso que
não sei onde é que os de Lisboa foram buscar o nome de caricas…»
Eu confirmo estas palavras e estas tradições que também as
vivi. Quanto à palavra “carica”, já era grande quando a ouvi e mais
tarde ouvi os brasileiros chamarem-lhe “chapinha”. Era mais acertado
isso que carica, aquilo nem tinha nenhuma carantonha, nem nada. Os dicionários
dizem que é de origem obscura. Esperemos, pois, que pode haver algum velhinho
que a aclare.
Quanto à utilização das sameiras, havia duas brincadeiras
principais – uma para o verão, durante a Volta a Portugal em Bicicleta e outra
para todo o ano – o garrafão, com sameira e pião.
Este último jogo, que recordo bem dos recreios da escola
primária, era muito simples – traçávamos um grande círculo no chão, e um rectângulo
num dos pólos, a partir de onde começávamos o jogo. Cada um atirava três
sameiras para dentro do círculo, depois à vez tentávamos tirar as sameiras dos
adversários para fora – ou logo à primeira, atirando o pião de lanço, ou
aparando o pião e dando “bicadas” na sameira até sair do círculo.
Quanto à Volta em Sameira, era disputada nas semanas durante
e depois da Volta, e como o Júlio conta, fazíamos o traçado a giz, usávamos o
lancil do passeio, quando existia, para recta da meta, e no circuito não
faltavam as metas volantes nem o prémio de montanha. Quanto aos “corredores”
estavam devidamente identificados com o nome escrito em folha de papel grosso
dentro da sameira. E a nossa sameira especial, que normalmente, já nem se via a
marca, de tão coçada estava, tinha uma casca de laranja – o “camisola amarela”,
para substituir a sameira que fosse comandando a corrida. Como tínhamos de ter o
pelotão completo, havia poucas rivalidades clubísticas e corríamos com todos.
Vou recordar alguns nomes: Sousa Cardoso e José Pacheco, do FCP, João Leão, do
SPC , Francisco Valada e Peixoto Alves, do SLB e Jorge Corvo, do Tavira. Uma, duas,
três… pancadinhas na sameira de cada vez!
Já agora, também fiz um tapete de sameiras. Não sei de
onde veio a inspiração, pois não me parece que a patente fosse minha. Numa tábua
do tamanho de um tapete para a porta da cozinha, fui pregando sameiras viradas
ao contrário, umas encostadas às outras, de modo a cobrir toda a tábua. Era ali
que raspávamos os socos para não levar terra do quintal, para dentro de casa.
Bons tempos, em que havia terra.
Acabo com uma ementa republicana, oferecida ao Afonso Costa,
em 1914, vertida num “franciú” estranho: «Oeuf bruils au parmesão /
Poison du jour sousé / Filet du veau au Petits froi / Vetaille à la milanesa /
Bife aux cressous / Puding Flam / e
termina com “Vins nationais et étranger”, mas com o patrocínio das “Águas
de Meza Sameiro”, oferecidas por Charles Cowerly, & Cª.
Bom apetite!
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