Para bem contarmos esta história, precisamos de uma máquina
do tempo que nos faça recuar mais de 600 anos. Vamos lá a 1392, à procura do mosteiro
de San Clemente das Penhas.
Eu fui mais perto, porque Artur Magalhães Basto, contou-me a
história no seu livro “Silva de História e Arte”. Fiquei logo preso com
o título. A “silva” picou-me, sem saber que ele utilizou a palavra como aquilo
que o livro é – um “conjunto bem misturado de temáticas- a miscelânea” que nos
mostram quadros artísticos da história do Porto.
Comecemos pelos frades franciscanos, salientando dois nomes
– Frei João da Póvoa e Frei Pedro Pão e Água. O primeiro era
viajado – fez pelo menos nove penosas viagens a França a pé. Sabia guardar
segredos. D. João II escolheu-o para seu confessor, confiou a este poverello
(pobrezinho de S. Francisco de Assis) as
suas últimas vontades. O segundo, o Pão e Água, vivia com muita água à frente,
mas não era boa para beber.
Olhemos agora para o sítio. Muitas pedras e muitos rochedos,
ainda lá estão as ditas penhas. Mas viver ali em cima de pedras? Frades? Então
não procuravam sítios ermos para a meditação, no meio dos montes? Bem, uns
franciscanos escolheram o sítio para eremitério. O sítio também atraíu poetas,
arquitectos e até “restauradores” gourmet. Com estas pistas já lá chegaram –
estamos na Boa Nova de Leça da Palmeira.
Quando António Nobre
escreveu o poema e dizia que “não havia quem se gabasse dum domínio igual”
será que tivera visões do eremitério?
Que visões teria Siza Vieira para construir uma Casa de Chá
no meio de rochedos? Terá visto lá o mosteiro?
Quem não gostou do mosteiro ali foi o Frei João da Póvoa. Na
verdade, o eremitério já levava uns bons oitenta anos. Estávamos em 1475 e Frei
João via as paredes a serem destruídas pelo mar, as pedras iam caindo e urgia
resolver o problema. Quantas daquelas pedras que por ali jazem não estiveram um
dia aparelhadas numa parede?
Frei Pedro Pão e Água, vigário do Oratório foi incumbido de
arranjar sítio para se mudarem. Acharam uma granja junto ao rio de
Matosinhos, a que depois chamaram Leça, e pensaram que seria um óptimo
local para uma nova edificação. Mas faltava o dinheiro, eram “franciscanos”. Apareceu
gente rica da terra, descendentes do Sá das Galés, governador do castelo de
Matosinhos, que comprou o terreno e o ofereceu à congregação. Ainda vieram
outras ajudas da terra e até o Rei D. João II e o seu primo D. Manuel I contribuíram.
A granja é hoje conhecida como a Quinta da Conceição, em
Leça da Palmeira. Dizem que os frades e a população trouxeram para aqui as
pedras que puderam do eremitério de São Clemente, tendo só lá ficado a igrejinha
do mosteiro. Pedra a pedra foram construindo o novo Mosteiro de Santa Maria
da Conceição. A partir de 1478, os frades estavam nas novas instalações.
Aqui as pedras duraram mais séculos. Em 1863, a ordem do
Marquês também chegou. A ordem foi extinta e o mosteiro foi vendido por seis
contos. Mas, algumas pedras ficaram para memória desse tempo. Um portal que
ainda veio das Penhas resistiu, assim como a Capela de S. Francisco. Lá dentro
ainda está uma lápide da sepultura do Frei João da Póvoa (1439-1506). Hoje
podemos passear no que resta do claustro e admirar a fonte lá no meio. Tudo o
resto desapareceu.
O Frei Pedro Pão e Água, qual comandante de navio a afundar-se,
como vigário do Oratório de São Clemente ficou mais uns anos por lá, porque a
capelinha ficou de pé, assim como uns anexos que continuaram a ser batidos pelo
vento e pelas águas.
A ermidinha da Senhora da Boa Nova que hoje se ergue no
promontório rochoso, foi possivelmente erigida no mesmo local do Oratório e
data dos anos de setecentos. No seu interior, ainda podemos admirar no seu retábulo,
uma imagem de S. João Baptista, com a Senhora da Boa Nova ao centro e do lado
direito lá está a imagem de S. Clemente com a sua mitra papal.
Quando lá voltarmos, olhemos
para as pedras, “phantasiemos “ e meditemos nas palavras do Nobre.
Um vento seco de deserto e spleen
Deitou por terra, ao pó que tudo esconde,
O meu condado, o meu condado, sim!
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