segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

A revolta dos aguetos

 


Hoje não está tempo para passeios, pelo que vou voltar aos meus escritos aqui sobre Paranhos, para tentar melhorar alguma coisa e quiçá descobrir mais. Sabemos bem que a maior parte da freguesia (dois terços, pelo menos) pertencia ao Cabido da Sé, que, ao longo dos séculos, foi emprazando as suas terras.

Andei ali às voltas de uma quinta vizinha - a do Tronco e, nos mapas do Arquivo Municipal, encontrei dois lugares com topónimos curiosos - Agueto e Revolta.

Por aqui fechado, vou desta vez vou recorrer à IA, para saber coisas sobre ‘agueto’.

Acho que ”nã agueto mais” e vou voltar ao Marçal para aprender alguma coisa. Referindo-se ao agueto’, recorda-nos que havia vários ‘Aguetos’, além da quinta, havia o campo do Agueto, no Casal da Fonte. Como Horácio Marçal sabe do que fala, vou transcrever-lhe as palavras, para ver se alguma IA vem cá lê-las:

«Agueto – é de supor que o nome por que este lugar é conhecido derive de agueiro – rego onde se juntam as águas das estradas – ou agueira – sulco que conduz as águas de rega ou buraco nos muros por onde passam as águas aproveitáveis para a cultura. Aqui existiu a Quinta do Agueto ou do “Mecha”».

Continuamos a falar de águas e a manancial de Paranhos é a principal culpada pela formação destes aguetos e destas regueiras, que se reflectiram na toponímia. A maior quinta ali pegado era a do Regado, pois a ribeira da Arca d’ Água trazia-lhe o solo sempre regado. A quinta das Regueiras ainda ficava mais próxima da Fonte da Arca.

O Casal da Fonte, já em 1593, tinha os melhores campos de cultivo, que eram precisamente os do Agueto, a deveza da Bouça e a leira da Manga. Este casal tinha «casas telhadas e colmadas, leiras, agras, talhos (porções de terra cultiváveis, compridas e estreitas), palheiros, águas de represa e vários campo de cultivo [… ]».
Pagava ao Cabido da Sé «10 alqueires de trigo e outro alqueire de meado, tudo pela medida velha (quando eu era pequeno, diziam que “levávamos pela medida grande), 4 galinhas e quatrocentos réis em dinheiro». Há documentos, de 1593 a emprazar este casal a Joane Enes e outros de 1712, a partir este casal em dois meios.

Assim, em duas penadas, estou onde quero, rodeado por água e nas minhas sete quintas. Cada dia que passa, mais quintas me aparecem. Aqui abaixo, uma planta de Teodoro de Sousa Maldonado, do fim do século XVIII.

Vou abrir mais um pequeno parêntesis, só para deixar duas palavras sobre este Teodoro de Sousa Maldonado. Conheci, há muito, o nome deste arquitecto, dado terem dado o seu nome a uma rua de Ramalde. Parece que dedicou a vida a desenhar a cidade e um dia destes hei-de dedicar-lhe página inteira.

Voltando à planta do Monte de Além, que aparece identificado no centro da imagem, saliento a Quinta do Corvo (canto esquerdo), situada à face da Estrada de Braga, actual Rua do Amial. Aponta-se também aqui o Casal de Monte Rico que também ficou conhecido como Casal do Amial. No ponto A, em baixo, indica-se o caminho para o Agueto e em cima, a partir do ponto C, o caminho para o lugar da Telheira. Um ponto verde em cima à direita da imagem é assinalado como “o coradouro que deve ficar público”, No ponto Z estão marcadas “as pedreiras e praça que ali devem ficar para uso público”. Já o ponto E está marcado como “o rocio para sahida dos gados e logradouro público”.

Ainda neste Casal do Monte Rico havia os campos do Marco e do Amial, recebendo o do Amial, água da Fonte da Arca. A renda era a seguinte: «trezentos réis em dinheiro, três alqueires de trigo, meio alqueire de pão meado, 4 galinhas; por lutuosa, por falecimento de cada uma das vidas, outro tanto como a renda de um ano e de laudémio das compras, vendas e trocas 4-1 (a quarta parte do preço por que fossem feitas)».

Nesta descrição estão já aclarados alguns conceitos, obscuros em rendas antigas – ‘lutuosa’ e ‘laudémio’, mas a eles voltarei.

Passemos agora à vizinha Quinta da Telheira, que também ficava no “lugar do Aguêto”

António José da Maia e Silva herdou-a de seu pai José Maia e Silva. Era uma propriedade com aproximadamente 16 hectares. Tinha largas culturas de feijão, batata, centeio, castanheiros, árvores de fruto e até vinho verde. Além disso, tinha aviários e touros de reprodução com que concorreu a exposições pecuárias onde arrecadaram muitos prémios.

Desde o Amial até à Igreja de Paranhos, podíamos tentar localizar um número infindável de propriedades rústicas e casas de lavoura de amplo domínio territorial. Horácio Marçal enumera algumas dessas quintas vizinhas. Só alguns exemplos: Quinta da Azenha, Quinta do Outeiro, Quinta do Lampianista, Quinta do Oliveira, Quinta Seca de Currais, Quinta Seca de Covelo. E pronto, só com estas, lá estou outra vez nas minhas 7 quintas.


À data de 1848 era possuidor da Quinta da Telheira, Thomás Alves Guimarães, que nesta data pede licença à Câmara” para continuação de huma mina d’água já principiada, pretende fazer hum ou mais óculos para uma mina de água, no lugar do Aguêto”. Quarenta anos mais tarde, ainda temos o mesmo proprietário desta quinta a pedir licença para abrir umas janelas num prédio.

A minha memória não recorda algumas das edificações recentes da zona da Telheira e infelizmente as pesquisas são difíceis. Ninguém conta nada sobre nada. Por exemplo, quando abriu o Hotel Boega, depois Beta e agora Belver Beta Hotel, na esquina da Rua do Amial com a rua da Telheira? Não sei, sei que hoje está fechado um hotel de 4 estrelas de cento e muitos quartos, que foi à falência em tempos que os hotéis nascem na cidade como cogumelos. Recordo que os meus filhos, quando andavam na primária no Luso Francês, iam fazer natação na piscina deste hotel. Deve datar, pois dos finais de 80, inícios de 90.

Já o topónimo “Revolta”, encontra-se na freguesia vizinha de S. Mamede de Infesta (venda de um pedaço de devesa) e no nome de uma quinta em Campanhã.

E dá muita “revolta” a pouca informação que encontrei sobre este lugar.

Post Scriptum:

Tanta "água meti" que esqueci as alpondras. Diz Marçal sobre a Rua Nova do Tronco, que ia da Capela à Telheira:

«A passagem em dias de chuva, em alguns sítios, tem de ser feita por sobre uma espécie de ALPONDRAS e noutros por um passadouro de pedra em sítio mais elevado, que felizmente ainda existe para uso das raras pessoas que se aventuram a fazer tão arriscada travessia.»

Sem comentários:

Enviar um comentário