Depois de uma semana de Correntes d’ Escritas, sentimo-nos
pequeninos e achámos que não temos valor e que não vale a pena escrever. Mas há
aquela vontade de sarrabiscar, sujar primeiro o papel, registar umas notas e
pronto cá vai mais um.
É Domingo à tarde. Vamos sair e depois se vê o que fica por
dizer. O título faz logo lembrar o médico-escritor Fernando Namora ou o filme
que a partir de um seu livro, António Macedo, também nos meados de 60 rodou,
depois da experiência com os “Verdes Anos”, onde a música de Carlos Paredes
revela a nossa portugalidade. Do outro lado do oceano, era nesse tempo que
Nelson Ned nos vinha cantar o “Domingo à Tarde” e para apagar a solidão, ele
queria convidar alguém para «passear
por aí numa qualquer rua da cidade».
Foi isso que fiz. Nesses anos 60, se tivesse carro, iríamos
para a Foz, debaixo das palmeiras, ouvir o relato que começava sempre às três,
ia-se fazendo o “quimo”, enquanto a patroa continuava os paninhos de crochet ou
o casaquinho de malha para o neto.
Nós somos modernos, ecologistas e por isso vamos de
transportes públicos. Decidimos atravessar o Douro e ver o Porto do outro lado,
junto à Serra do Pilar.
A primeira surpresa foi a “fauna” que nos acompanhou nas
viagens. No autocarro, fomos até ao fim da linha, para conseguirmos um
transbordo rápido e os nossos coevos foram, inexplicavelmente, mudando de
lugar. Acho que já sabiam que teriam de ficar um bom quarto de hora à espera de
continuar a “viagem dos tristes”, numa rota
circular, e talvez sair apenas à porta de casa, onde já haviam entrado. Sei-o,
por experiência própria, em tarde de domingo de chuva.
Mudámos para o metropolitano, que por cá nunca teve tantas
letras, aqui nós éramos os mais velhos. A juventude que nos rodeava não falava
português. Os que mais me surpreenderam eram italianos. Jovens menos
barulhentos do que seria de esperar, enquanto a mais anafada, meia de pé, meia
sentada, empastelava as pestanas com rimmel. Ah, os italianos já não
vestem as famosas roupas lá da terra, que tanta invejam nos faziam. Um deles
até trazia umas reles calças de fato de treino, com umas chanatas e meias
meias. Um casal mais velho, podia ser português, mas também era italiano. Achei
que qualquer um deles até poderia ser kosovar ou albanês. Só umas botas de calf,
que ali destoavam, passariam no meu crivo de moda italiana.
Saímos de debaixo da terra e eis-nos com o Douro aos pés. As
vistas tanto para um lado como para o outro valem a viagem, mas uma travagem
brusca, faz parar o comboio e o sobressalto desaparece logo, com a voz de uma habituée
- «Olha mais um! Agora vamos ficar aqui meia hora!»
Olhando lá para fora vê-se que a gente é tanta que não cabe
no caminho que ladeia as linhas do metro e sem qualquer cuidado há sempre
distraídos, que ultrapassam a linha de perigo, não falando dos que circulam
mesmo pelo meio das vias.
Saímos logo para o Morro de Gaia. Já não temos à
frente dos olhos o morro que ainda existiu no tempo da 1.ª Grande Guerra,
depois da abertura da ponte. O Jardim do Morro por onde entramos já não é o
morro que foi arrasado em 1927. Hoje é a tal “varanda sobre o Douro”, com
espaços verdes quase reduzidos a terra, tal o enxame de turistas que o invadem.
Também fizemos parte dessa mole, sentados num banco de betão
do anfiteatro, para perscrutar o património da nossa cidade que conseguíamos
identificar no horizonte. Como devíamos ter ar de pelintras não fomos abordados
pelos vários vendedores que por ali andavam para baixo e para cima. Uns com
baldes com gelo e “bejecas” fresquinhas, outros com víveres que não descortinei
e até um brasileiro, com uma caixa de acrílico transparente, com umas fiadas
arrumadas de brigadeiros, quindins e outras lambarices lá da terra. Muito
simpático, até voltava aos clientes, a saber se tinham apreciado o pitéu.
A música também por ali não faltava. Descobrimos mais tarde,
vir lá do fundo, onde um cantor “entradote” animava o morro com canções a “puxar
ao sentimento”.
Completada a volta ao Jardim fomos à procura do Mucaba,
café/restaurante que tinha a “francesinha à Mucaba” que alguns julgavam tão boa
como “as nossas”.
Olhámos para o prédio e nem sinal do café. Está por ali um
restaurante italiano e a única reminiscência é a placa de uma Tabacaria Mucaba”,
com as portadas fechadas.
Atravessemos a avenida e subamos ao Mosteiro da Serra do
Pilar. O monumento está fechado, mas o terreiro está repleto. Junto às
grades da varanda não faltam os aloquetes, mas não vi nenhum cadeado. O que
mais vi, foi gente de costas para o rio, com o telemóvel na mão – ah, era pr’a selfie!
Até escuteiros e um guitarrista animavam a malta.
Agora está na hora do regresso porque os velhinhos não podem
ficar aqui à espera do pôr-do-sol. Olho para a entrada da ponte e vejo mais um
restaurante à direita, num sítio onde a minha memória quase recorda a
existência do Posto Fiscal de Portagem. Agora é tudo electrónico!
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