segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Domingo à Tarde

 


Depois de uma semana de Correntes d’ Escritas, sentimo-nos pequeninos e achámos que não temos valor e que não vale a pena escrever. Mas há aquela vontade de sarrabiscar, sujar primeiro o papel, registar umas notas e pronto cá vai mais um.

É Domingo à tarde. Vamos sair e depois se vê o que fica por dizer. O título faz logo lembrar o médico-escritor Fernando Namora ou o filme que a partir de um seu livro, António Macedo, também nos meados de 60 rodou, depois da experiência com os “Verdes Anos”, onde a música de Carlos Paredes revela a nossa portugalidade. Do outro lado do oceano, era nesse tempo que Nelson Ned nos vinha cantar o “Domingo à Tarde” e para apagar a solidão, ele queria convidar alguém para «passear por aí numa qualquer rua da cidade».

Foi isso que fiz. Nesses anos 60, se tivesse carro, iríamos para a Foz, debaixo das palmeiras, ouvir o relato que começava sempre às três, ia-se fazendo o “quimo”, enquanto a patroa continuava os paninhos de crochet ou o casaquinho de malha para o neto.

Nós somos modernos, ecologistas e por isso vamos de transportes públicos. Decidimos atravessar o Douro e ver o Porto do outro lado, junto à Serra do Pilar.

A primeira surpresa foi a “fauna” que nos acompanhou nas viagens. No autocarro, fomos até ao fim da linha, para conseguirmos um transbordo rápido e os nossos coevos foram, inexplicavelmente, mudando de lugar. Acho que já sabiam que teriam de ficar um bom quarto de hora à espera de continuar a “viagem dos tristes”, numa rota circular, e talvez sair apenas à porta de casa, onde já haviam entrado. Sei-o, por experiência própria, em tarde de domingo de chuva.

Mudámos para o metropolitano, que por cá nunca teve tantas letras, aqui nós éramos os mais velhos. A juventude que nos rodeava não falava português. Os que mais me surpreenderam eram italianos. Jovens menos barulhentos do que seria de esperar, enquanto a mais anafada, meia de pé, meia sentada, empastelava as pestanas com rimmel. Ah, os italianos já não vestem as famosas roupas lá da terra, que tanta invejam nos faziam. Um deles até trazia umas reles calças de fato de treino, com umas chanatas e meias meias. Um casal mais velho, podia ser português, mas também era italiano. Achei que qualquer um deles até poderia ser kosovar ou albanês. Só umas botas de calf, que ali destoavam, passariam no meu crivo de moda italiana.

Saímos de debaixo da terra e eis-nos com o Douro aos pés. As vistas tanto para um lado como para o outro valem a viagem, mas uma travagem brusca, faz parar o comboio e o sobressalto desaparece logo, com a voz de uma habituée - «Olha mais um! Agora vamos ficar aqui meia hora!»

Olhando lá para fora vê-se que a gente é tanta que não cabe no caminho que ladeia as linhas do metro e sem qualquer cuidado há sempre distraídos, que ultrapassam a linha de perigo, não falando dos que circulam mesmo pelo meio das vias.

Saímos logo para o Morro de Gaia. Já não temos à frente dos olhos o morro que ainda existiu no tempo da 1.ª Grande Guerra, depois da abertura da ponte. O Jardim do Morro por onde entramos já não é o morro que foi arrasado em 1927. Hoje é a tal “varanda sobre o Douro”, com espaços verdes quase reduzidos a terra, tal o enxame de turistas que o invadem.

Também fizemos parte dessa mole, sentados num banco de betão do anfiteatro, para perscrutar o património da nossa cidade que conseguíamos identificar no horizonte. Como devíamos ter ar de pelintras não fomos abordados pelos vários vendedores que por ali andavam para baixo e para cima. Uns com baldes com gelo e “bejecas” fresquinhas, outros com víveres que não descortinei e até um brasileiro, com uma caixa de acrílico transparente, com umas fiadas arrumadas de brigadeiros, quindins e outras lambarices lá da terra. Muito simpático, até voltava aos clientes, a saber se tinham apreciado o pitéu.

A música também por ali não faltava. Descobrimos mais tarde, vir lá do fundo, onde um cantor “entradote” animava o morro com canções a “puxar ao sentimento”.

Completada a volta ao Jardim fomos à procura do Mucaba, café/restaurante que tinha a “francesinha à Mucaba” que alguns julgavam tão boa como “as nossas”.

Olhámos para o prédio e nem sinal do café. Está por ali um restaurante italiano e a única reminiscência é a placa de uma Tabacaria Mucaba”, com as portadas fechadas.

Atravessemos a avenida e subamos ao Mosteiro da Serra do Pilar. O monumento está fechado, mas o terreiro está repleto. Junto às grades da varanda não faltam os aloquetes, mas não vi nenhum cadeado. O que mais vi, foi gente de costas para o rio, com o telemóvel na mão – ah, era pr’a selfie! Até escuteiros e um guitarrista animavam a malta.

Agora está na hora do regresso porque os velhinhos não podem ficar aqui à espera do pôr-do-sol. Olho para a entrada da ponte e vejo mais um restaurante à direita, num sítio onde a minha memória quase recorda a existência do Posto Fiscal de Portagem. Agora é tudo electrónico!

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