A relação de Camilo com os editores, à data também
livreiros, foi sempre bastante espinhosa. As livrarias eram pouso diário de artistas e
letrados. Camilo frequentava a Livraria Chardron, nessa altura na Rua de Santo
António, como Livraria Internacional, de Ernesto Chardron, seu
editor, que depois se mudou para a actual Livraria Lello. A pedido deste livreiro, Camilo escreveu dois
livros especiais que ele editou – “Eusébio Macário” e “A Corja”. Talvez
neste caso, fosse mais um desafio às qualidades de Camilo. Cultor de um estilo
ultra-romântico, Camilo era mais tradicionalista, não embarcou nas novas
correntes literárias da época - o naturalismo e o realismo, que Eça de
Queiróz trouxera como novidade, das suas vivências parisienses. Ora
contrariamente ao resto das obras, as duas acima citadas, a pedido de Ernesto
Chardron, são dois bons exemplos de romances realistas e poderiam ter sido uma
resposta camiliana, dizendo “também sei escrever assim”.
O editor da Casa de Cruz Coutinho, nos Caldeireiros,
publicou-lhe várias obras. A Livraria Moré, na Praça Nova era também encontro
habitual de intelectuais. A primazia para a primeira edição do “Amor
de Perdição” foi dada à Moré.
Camilo precisava dos editores, mas eles também tentam tirar
o máximo proveito do escritor. Veja-se por exemplo a obra “Doze Casamentos
Felizes”. Inicialmente eram só sete ou oito casamentos, mas à dúzia é mais
apelativo. O editor obrigou Camilo a escrever sobre doze casamentos.
A primeira edição desta obra foi dedicada ao Conselheiro António Rodrigues
Sampaio.
«Dedico estas bagatelas que
menos valeriam ainda senão fossem com a consciência de valerem tão pouco».
A humildade patente na dedicatória era recompensada com mais trabalhos
no jornal lisboeta.
Recorde-se que Rodrigues Sampaio, nascido em S. Bartolomeu
do Mar, Esposende, foi durante 10 anos, o editor responsável pelo jornal “A
Revolução de Setembro” de Lisboa, que a par com “O Nacional” no Porto,
eram jornais da esquerda liberal, veículos da ala Setembrista. Rodrigues Sampaio
foi um dos mais ilustres jornalistas do século XIX, e como patrono da Associação
dos Jornalistas, tem o seu nome numa rua da baixa, e o seu busto no início da
rua, junto ao Rivoli.
Camilo não escrevia só para jornais e editores do Porto, Coimbra
ou Viana, também na Capital o acolhiam nas suas páginas. Em 1861, Camilo
escreve no jornal de Rodrigues Sampaio sobre o Palácio de Cristal Portuense,
sobre ilustres figuras portuenses, como Alfredo Allen, Pereira Machado ou
Pinto Bessa, bem como sobre as exposições industriais e comerciais que se
faziam no Palácio. Não lamenta o passado, como hoje se diz – “antigamente é
que era bom….” Pelo contrário, lamenta que o seu avô não tivesse tido a oportunidade
de viver num tempo de tanto progresso e inovação e escreveu:
«Tenho pena de meu avô que não viu nada disto, e só conhecia o
cristal de uma garrafa de bom vinho de que ele fazia exposição nos dias
solenes. Que sorna e insípida existência tiveram as gerações passadas. Nossos pais
jordeavam num macho por entre abismos, alumiavam-se com purgueira, jogavam à
sueca com a família; iam às hortas a Campanhã recordar com as nossas avós a
frescura dos seus primeiros amores simbolizada na alface… E nós, os abençoados
da fortuna, vivemos vida de gás, de vapor, de electricidade, de cristal.»
Perante este lamento e a felicidade de Camilo em viver com
tanta evolução e progresso há 150 anos, acho que hoje, deveria ser banida, dos
discursos saudosistas, a expressão “antigamente é que era bom …”.
Anos mais tarde, até a edição de um livro foi por ele suspensa.
Camilo dizia mal de Maria José, filha bastarda de El-Rei D. Miguel e depois
teve de se arrepender. Quando soube que o imperador Pedro II do Brasil,
se interessou pela sua obra e o quis conhecer pessoalmente. Em 1872, Camilo foi
à Tipografia, ali na Cancela Velha e mandou parar a impressão. Ficou com
um exemplar para ele e deu-o a Ana Palácio, que talvez até ela o tenha queimado
para ele não ir preso. Ordenou que as folhas fossem inutilizadas, dadas ao
barbeiro ou ao merceeiro para embrulhar os víveres. Felizmente, alguém se
apercebeu e conseguiu reunir todas as folhas, porque a Livraria Moreira da
Costa consegui imprimir 50 exemplares facsimilados do “Infanta Capellista”.
Os descendentes de Camilo, puseram-lhe um processo em cima. Como coleccionador,
ficou ainda Alberto Pimentel, que diz só em 1905, ter conseguido uma dessas
folhas, talvez bibliograficamente a mais valiosa, por ser a do frontispício.
Camilo reconhece que já há muito se arrependera do que tinha escrito e diz que
até aproveitou grande parte da Infanta para o romance “Carrasco de Victor
Hugo José Alves”.
Com outros editores, Camilo teve carta branca para fazer o
que quis. Foi o caso de uma obra importante que traduziu para a Livraria
Internacional, de Ernesto Chardon, no Porto e Eugénio Chardon em Braga, no ano
de 1873 - o “Dicionário Universal de Educação e Ensino”, da autoria de Émile
Mathieu Campagne. Na tradução de Camilo em dois volumes de 806 e 798 páginas, ele
começa com uma “advertência do traductor”. Reconhece a envergadura da obra e a
sua ignorância em certos assuntos, mas promete “socorrer-se de livros portugueses dignos de serem consultados”
e até do professor de mathematica do lyceu. «São poucas as cousas que sei dos estudos methodicos da minha
mocidade; algumas estudei depois muito pela rama, outras, a meu pesar, confesso
que as ignoro. As mathematicas nomeadamente.»
Não
obstante esta humildade,
Camilo acrescenta à obra novos verbetes de 65 biografias de historiadores,
escritores e letrados portugueses, não falando em cidades e outros artigos da
sua lavra. No entanto, não se coibiu de apagar verbetes que não tinham
interesse para os leitores portugueses – «N’este DICCIONARIO há lanços que me pareceram impertinentes,
por nimiamente amoldados a entendimentos muito pueris. Elidi-os, com a
segurança de que nunca seriam consultados.»
Na página de rosto, pode ler-se:
«trasladado a portuguez por
CAMILLO CASTELLO BRANCO
e ampliado pelo traductor nos artigos deficientes em assuntos relativos a Portugal»
Termino o episódio do folhetim, com um verbete, retirado deste
dicionário, que deveria ser lido pelos espirituosos empregados de café, de hoje
em dia:
O segundo modo de dizer é pleonastico, porque embora a preposição de sirva para designar a matéria de que é ou se faz alguma cousa, como não há copos feitos de água nenhuma ambiguidade resulta de se suprimir o adjectivo.
Ha porem muitos que escrevendo ou falando, tem escrúpulo de dizer um copo d’água, mas não uma garrafa de vinho, uma pipa de aguardente, um vidro de licor, etc.»
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