domingo, 9 de março de 2025

As ruas do “Monte” - parte I

 Hoje vou dedicar algumas linhas à toponímia relativa às ruas do “Monte”. Há muito por onde escolher e começo por topónimos aglutinados – “Monsanto” e “Montebelo”. Entre a santidade do primeiro e a beleza, qual a rua que mais mereceu o chamamento?

Começo pela Rua do Montebelo, e vamos à Foz, que vale bem as vistas. Quem entrar na Montebelo, tem de passar pela pequenina Rua dos Prazeres e ainda hoje é um deleite entranharmo-nos nas ruelinhas da Foz Velha, pela parte alta. É difícil identificar todo aquele “monte” sem o casario, mas a beleza da foz do rio Douro, entrevê-se entre uma ou outra casa, invejando-se, logo ali à entrada, um pátio desafogado, com as belas vistas sobre o “monte”. Não se pode perder o aqueduto nem o fontanário para esquecer o que fizeram na Quinta do Montebelo.

O topónimo atribuído à Rua de Monsanto, parece não ter sido muito consensual junto de estudiosos. Sim, porque tantas vezes desconhecemos as razões da Comissão Toponímica. Inicialmente, foi Rua do Regado e o topónimo deveria perdurar para lembrar uma das maiores quintas de Paranhos, anterior à nacionalidade, que foi “vendida” por dezoito jantares.
A Rua de Monsanto parece evocar a sublevação monárquica, ocorrida em 1919, que daria origem à Monarquia do Norte. Os monárquicos seriam derrotados aqui no “Monte Santo” e eu pergunto qual? O Monte das Regueiras ou Reduto da Medalhas ali para o Monte Pedral, ou foi tudo noutro sítio qualquer? De facto, Regado evocava mais a história de Paranhos e a rua deveria ter esse nome.

Passemos às ruas “Monte de…” e vamos por ordem alfabética para isto levar alguma ordem.

Rua do Monte Alegre – Hoje é uma rua pacata acima do carvalhido e para o interior da Constituição. Rua com comércio tradicional, mercearias e pequenas lojas que viviam da gente trabalhadoras nas inúmeras fábricas das redondezas. Hoje tudo vai fechando. De vez em quando há uma nova luzinha, como um restaurante italiano, com bons pizzaiolos.

Rua do Monte Aventino – Por aqui a história vai mais longe. O Monte das Antas (designação anterior) hoje desaparecido ainda me deixou memórias. Antes do complexo desportivo, já era zona de desporto e lazer para a família. Se recuarmos mais séculos, vemos que na guerra do Cerco do Porto já foi palco de contestações laborais. Estas começaram logo durante o Cerco, quando os operários que construíam trincheiras não queriam trabalhar por falta de pagamento. Mais tarde, foi baptizado como “Monte Aventino”. A industrialização da cidade também originou jornadas reivindicativas. Embora os operários têxteis e fabris fossem os mais numerosos, a voz que mais reclamava era a dos tipógrafos que criaram a Associação das Classes Laboriosas. O seu local para concentrações públicas começou por ser o Largo do Bonjardim, mas a urbanização do sítio expulsou-os para local mais amplo - o Monte das Antas. Era necessário mostrar aos de cá o que se fazia lá fora. Escolheram, como madrinha, uma das sete colinas de Roma – o Monte Aventino – local onde os Romanos subiam quando queriam fazer os seus protestos para se libertarem do jugo dos patrícios. Assim ficou o nome que se propagou à rua.

Rua do Monte da Bela – Também aqui poderíamos ter um monte belo, tal o panorama daqui desfrutado. Inicialmente o monte tinha nome estranho - Monte de Marganchos. Se quiserem ir lá, podem partir ali do Jardim da Corujeira, pela Rua do Monte da Bela acima e vão deparar com um belo panorama a partir do Miradouro do Monte da Bela.

Germano Silva, por seu lado, estraga-nos o deslumbramento, quando nos lembra a história:

«Este topónimo não tem nada a ver com alguma formosura feminina que por ali tivesse vivido. Aqui o nome “bela” tem de ser entendido como uma corruptela de “vela” e tem a ver com a ação de velar, de vigiar. Isto quer dizer que onde houve a aldeia do Outeiro da Vela e está agora o Monte da Bela, deve ter existido uma atalaia ou torre vigia utilizada para defesa de ataques inimigos.»

 

Rua do Monte dos Burgos – Que pena ser a minha rua vizinha e eu ter tão pouco a dizer dela.

Sei que a actual rua de Monte dos Burgos foi antes Rua Nova de Paranhos, Estrada para Vila do Conde e Estrada Real n.º 30, do Porto a S. Bento da Porta Aberta, com o Km 3,900 em frente ao n.º 628. Antes disso talvez não passasse de um caminho, ao lado da mata da Prelada. Provavelmente a designação “Monte” possa vir da “mata da Prelada”, subindo a rua dos dois extremos, o cimo do monte poderia ser mais ou menos pela entrada do antigo Parque de Campismo. Durante os séculos XVIII e XIX, alargaram o caminho e “endireitaram-no” para vir a ter direito a Estrada Real. Por aqui entrava e saía o trânsito para o Norte, para a Estrada dos Nove Irmãos.

Sendo ladeada por bouças e quintas, a edificação só começaria pelos finais dos oitocentos. No princípio do século XX, os pedidos de licença no Arquivo Distrital, já mencionam o topónimo “Rua do Monte dos Burgos”. Em 1912, há um requerimento dirigido à Misericórdia por Joaquim Pereira da Silva, morador nesta rua, que pretendia comprar a referida Bouça de Fora, oferecendo por ela 420 000 réis, e «ficando com o direito depois da compra, a poder edificar nessas bouças quando lhe convier». Começava a especulação imobiliária.

Quanto aos “Burgos” deixo o estudo para os geólogos. Não se aceitando a definição do Elucidário de Viterbo, de que “burgo” «Significava uma cadêa de lugares, ou ajuntamento de casas, nas raias ou fronteiras, seguidas umas às outras […]», dêmos mais crédito à teoria de Joel Cleto, que atenta logo no plural da palavra, pelo que dificilmente seria um burgo no monte. Ele recua, segundo alguns estudiosos 400 mil anos, para ir buscar a origem dos “bulgos”, calhaus rolados, que para sul evoluíram para “burgos” e para norte temos a Rua do Seixo. Ora seixos e bulgos seriam rochas que encontraram por aqui, no tempo em que o mar chegava a estes sítios. Nem os animais falavam…

Rua do Monte de Campanhã – Por aqui as dúvidas ainda são maiores. Sei que hoje está lá construído um bairro, agora chamado “Agrupamento Habitacional do Falcão”, habitado desde os inícios deste século. O topónimo “Falcão” fica para outra altura, mas recorrendo mais uma vez aos pedidos de licença no Arquivo, existem algumas variantes – só para a Rua do Monte (em 1923, que a situavam entre a Rua do Falcão e a Corujeira de Baixo), para a Rua do Monte do Falcão ( em 1914), hoje topónimo independente – Rua do Falcão ou simplesmente Lugar do Monte, como figura na planta de Teles Ferreira em 1892, onde as ruas ainda não têm nome.

Rua do Monte do Cativo – embora não saibamos quem foi o “cativo”, o topónimo latino “captivis” já existia por cá antes da nacionalidade. D. Teresa, na Carta de Doação do Couto do Porto que, em 1120, fez ao Bispo D. Hugo, marcou os limites do Couto e em determinado ponto lia-se «[…] até ao monte que chamam Pé de Mula, e daí ao Monte Captivis, assim como divide Cedofeita e Germalde».

Naturalmente aqui ainda não se falava da rua, mas do lugar que ficava entre os montes da Lapa e do Cativo. Os antigos almanaques e roteiros definiam o início e o fim das ruas e aqui poderíamos dizer:

A Rua do Monte Cativo começa na Rua do Melo e termina na Rua da Constituição, pertence à freguesia de Cedofeita. Ora talvez tenha começado a ser rua, por volta de 1883, quando alargaram a Rua do Melo e procederam ao alinhamento da Rua do Monte do Cativo. Logo no início, ainda hoje estão as Escadas do Monte Cativo que nos levam lá acima a Salgueiros, donde temos uma bela panorâmica do Porto. Sinal que estamos no cimo do monte.

Uma curiosidade que ainda não desvendei é o topónimo “Rua do Nogueira”. Aparece num pedido de licenciamento para a construção de um bairro de 10 casas que a Litografia Nacional pretende construir, em 1931, num terreno que possui no ângulo formado pelas Ruas da Constituição e do Nogueira”. Hoje este arruamento é a parte final da rua do Monte do Cativo.

Bem, isto vai longo e tem de continuar no próximo episódio.

 

 

 

 

 

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