terça-feira, 11 de março de 2025

As ruas do "Monte" - parte III

 

Rua do Monte dos Judeus – a existência ainda hoje deste topónimo é uma prova da tolerância que a gente do Porto sempre teve com os Judeus.

Esta rua localiza-se na encosta das Virtudes, no Morro de Monchique ou se quisermos no Monte dos Judeus, que imortalizou o local, não só nome de uma rua, como das Escadas, de um Pátio e até de um Largo.

Em 1380, o Cabido emprazou à população judaica um terreno para o enterramento dos seus mortos, por estes sítios. Os judeus já tinham abandonado a Judiaria Velha junto à Sé e antes de irem para a Nova no Olival, ainda passaram por Monchique. O convento de Monchique parece ter sido construído onde os judeus tinham a sua sinagoga. Nem sempre as suas práticas foram bem recebidas e os seus rastos eram apagados. Aconteceu o mesmo na Vitória. Na rua de S. Miguel, onde tinham uma sinagoga, no meio de outras casas, instalaram lá uma igreja católica. E pior que isso, quando os quiseram expulsar daquela zona, construíram um grande convento, a que até chamaram da Vitória, “a victória do sol sobre as trevas” – lema beneditino.

Se estivermos cá em baixo em Miragaia e quisermos ir para a parte alta, tendo boas pernas, avancemos pelas Escadas do Monte dos Judeus. Se tiver sorte, até pode ser que as escadas rolantes, inauguradas em 2020, estejam a funcionar, mas como fazem muito barulho, algum morador, às vezes, desliga-as.

Quando chegar lá acima, ou vai para a direita, para a Rua do Cidral – princípio da rua do Monte dos Judeus, ou vai para a esquerda, em direcção à Rua da Bandeirinha, onde a rua acaba.

Proponho a 2.ª hipótese, porque além de desfrutar de bons panoramas, sobre Miragaia, Alfândega e o Douro, ainda pode apreciar o Palácio das Sereias, ou das “mamudas” como o povo lhes chama e no canto do larguito, ver a pirâmide de pedra onde enfiavam a bandeira da saúde, indicando aos barcos que entravam no rio, que ali tinham de parar e aguardar a chegada das autoridades sanitárias.

Voltando para o outro lado, pode ser que o chão que pisam tenha sido o tal cemitério – o Almocávar ou Maqbar, já que os meus conhecimentos judaicos não distinguem os termos.

A importância desta rua prende-se precisamente por ter sido por aqui que os judeus fixaram o seu cemitério. Há documentos sobre um largo que existiu a meio da rua, chamado Largo do Monte Escorregadio, nome originário de uma certa pedra escorregadia aí existente.

Ora, agora vou eu especular, como convém nestas coisas. Embora não tenha lidos documentos que comprovem esta ideia, a tal pedra poderia ser o ponto onde colocavam os mortos, para procederem à lavagem dos corpos, um ritual de purificação antes do seu enterramento. Ora vindo muita água lá do rio das Virtudes, correndo água pela dita pedra, podemos ter aqui uma boa justificação.

 

Rua do Monte da Lapa – Mais um sítio com muita história e com muitas estórias. Da última vez que lá fui contaram-me a estória do bacalhau, já lá vamos. Primeiro vamos à história. Comecemos pelo Monte e por palavras já antigas, sobre o início da construção da Igreja da Lapa, em frente ao Monte.

«A 30 de Dezembro de 1754 foi cedido ao Padre Ângelo Sequeira o Monte de Germalde. Segundo crónicas da época, o Monte de Germalde era um local pouco habitado e hostil, de passagem de comerciantes e peregrinos. Aqui eram muito frequentes os roubos e os assaltos. Foi neste terreno, que a 7 de janeiro de 1755, teve início a construção da Capela de Nossa Senhora da Lapa das Confissões, assim conhecida por nela o presbítero ouvir em confissão os ladrões arrependidos.» in https://irmandadedalapa.pt/historia/

Recorrendo aos conhecimentos de Germano Silva, ficamos a saber factos curiosos sobre este local. Primeiro, tudo isto era monte – o Monte de Germalde. Uma capela ficava no cimo do monte e era vista do mar pelos marinheiros que, devotos do Senhor do Socorro, aqui vinham pagar as promessas. Traziam uma vela do navio às costas e deixavam esmola em dinheiro, correspondente ao peso da vela. Quanto aos assaltos, os avisos eram “Cuidado, lá em cima, Olho Vivo!”. Compreende-se o “lá em cima” pois era no cimo do monte de Germalde. Quanto à Capela também ficou conhecida como “do Olho Vivo”.

Qual a razão da capela descer à rua da Rainha? Germano também explica e manda-nos olhar para umas casas mais abaixo na rua, à esquerda – onde as portas passaram a janelas. Ficam lá em cima e a entrada agora é por trás, numa Travessa da Lapa, que então abriram. Não chega lá um carro, até o médico tem de subir as escadas.

O monte foi arrasado em 1842 para dar saída à Alameda da Lapa, alargando a Rua da Rainha (hoje Antero Quental). A Capela desceu e com ela veio um padrão que assinalava o Caminho para Santiago. Por boas ou más razões meteram-no dentro da capela, que normalmente está fechada – ao Domingo abre para a missa das 11, aproveitem.

Numa das minhas caminhadas, não fiquei pela capela, subi e fui à procura do Mirante. Conta a história que o mirante já foi o Telégrafo da Lapa. Mas isso foi durante a Guerra Civil, entre D. Pedro e D. Miguel. Diz-se que muitas vezes D. Pedro subiu lá acima, entre 1832 e 1833.

Por trás fica a Rua da Glória, onde foi instalada uma bataria, com combates diários – grandes atrocidades ali se cometeram. «Glória dos combatentes do cerco do Porto». Era um bom ponto de observação militar, porque dali se avistavam as principais linhas defensivas da cidade. O telégrafo só foi extinto em 1859.

Mas in illo tempore, dos salteadores de Germalde, o mirante era um moinho de vento. Quando eu me aventurei lá, já nada disso era. Encontrei o sítio – um magnífico miradouro sobre a cidade, a que o povo chama “o Mirante”. O sítio é inacessível aos menos ágeis. Duas anteriores portas no muro foram emparedadas a tijolo, resta uma, a que pernas ágeis podem trepar para sentir se perto a história daquelas pedras.

História curiosa contou-me uma moradora que vive mesmo por baixo, numa daquelas casinhas insalubres há tantos anos, que agora querem destruir. Confirmou-me a designação de ‘Mirante’, disse-me que nunca tinha ido lá cima, vivendo ali há tantos anos. Já lá vivia desde quando os bacalhoeiros já não aportavam a Matosinhos. Na altura, o mirante também servia para secarem o peixe. Recorda um pescador que trazia bacalhau fresco e punha-o a secar nos ferros do mirante e não tinha medo que ninguém lho roubasse, “olha se fosse hoje!”…


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