Por volta de 1850, diz-se que Camilo vivia exclusivamente da
escrita, sendo até o primeiro escritor português a conseguir fazê-lo. Muitos
escritores coevos eram funcionários públicos, tinham o seu ordenado certo e a
escrita vinha por fora. Camilo ainda tentou alguns lugares, até como
bibliotecário, ou mesmo como deputado, mas não teve essa sorte. Os pecúlios
herdados já teriam acabado e Camilo teve de muito escrever para conseguir viver.
Há vários relatos sobre os contratos, preços exigidos e
valores pagos, que foram sempre pouco mais do que “cinco réis de mel coado”.
Camilo procurou ganhar “a dois carrinhos” –
escrevendo para folhetins e aproveitando depois os textos para as obras
impressas em livro.
O folhetim, género muito ensaiado em França, era bem
dominado por Camilo, com grande mestria em criar intrigas, personagens
apaixonantes e manter o suspense para a história continuar no número seguinte. Em
muitas publicações, o folhetim aparecia logo na primeira página do jornal, era
muito lido e muito ouvido e até recontado. Assim o autor recebia “feedback” dos
leitores, o que permitia que a história fosse sendo criada e até alterada, em
função dos ecos que lhe chegavam. Assim, quando o folhetim passava a livro,
muitas vezes já era “créme de la crème”. Noutros casos, quando havia
necessidade de dinheiro, recorria às traduções de textos em francês.
A escrita satírica, passional, a crítica de costumes e de tipos
sociais, garantiam-lhe sempre boas tiragens. Numa carta ele revela números:
«Tenho feito tiragens com um mínimo de 400 exemplares. Eles
pagam12 moedas pela propriedade de um livro de 250 a 300 páginas. A empresa
fica sempre a ganhar. Bastava-lhes vender 200 exemplares, podiam pagar 25
moedas.»
Um biógrafo confirma que os
editores e livreiros enriqueciam com os seus livros, que pagavam entre 100$00 e
150$00 o volume. “O Cavar em ruínas” e o “Coração, cabeça e estômago”
foram pagos a 144$00.
Confesso que ainda não descobri “o valor do dinheiro”, em
meados dos oitocentos. Encontrei estudos que indicavam o valor de 480 réis
por dia, a operários especializados, 140-150 réis, no sector agrícola e a
mulheres. No entanto muitos trabalhos eram sazonais, não havia garantia de um
ordenado semanal ou mensal. Um professor podia receber 90.000 réis por ano. Se um operário, trabalhasse todo o ano, seis dias por semana, atingiria um valor
superior a um professor. No entanto, os dados são escassos e não me permitiram
conclusões quanto aos pagamentos a Camilo.
Noutra carta o escritor diz:
«Queria pagar-me 200$ rs.- um trabalho para seis meses, o
mínimo. Por tal preço é impossível.»
Refere que os jornais brasileiros é que pagavam bem:
«Lá são pagos 720 rs. por coluna! É assim que se
enriquece!»
As dificuldades económicas de Camilo são reveladas na sua
epistolografia com editores amigos, como se pode ler em “Cem Cartas de
Camillo”, de Xavier Barbosa, onde a maioria é dirigida a José Barbosa,
director do jornal “A Aurora do Lima”, em Viana do Castelo.
Camilo escrevia mesmo quando doente, o que acontecia muitas
vezes, e dizia-o numa carta:
«Aluguei caza, tenho a pequena num collegio. Recebi adiantado
do Cruz Coutinho 50$ rs pelo Tito Lívio. Escrevo sem posses, mas il
faut écrire.»
Noutra carta, em 1857, escreve ao director da Aurora:
«Se me pagassem. Escrevia para esse jornal. […] Gratuitamente
não posso; bem sabes que não escrevo por prazer nem para glória.»
As referências ao dinheiro aparecem muitas vezes nas suas
cartas.
«Acceito a paga de 20$ rs. mensais.»
«Disseste-me que a Aurora
podia dar-me 30$ rs. mensais.»
«Queria desquitar-me de algumas dívidas pequenas. Lembra-te se é possível
adiantar-me dinheiro que será abatido nas prestações a 10$ rs. por mês.»
«Se houver alguns cobres em caixa manda-mos que tenho
consumido1:500$ rs. em papas de linhaça.”
«O caso é que as 4 correspondências escrevo-as por 14:400 rs.
mensais, enchendo os três lados.»
Eram correspondências-folhetins sobre
coisas do Porto, para o Aurora em 1856.
Ora números são números, uns verdadeiros outros irreais, mas
as várias referências permitem-nos concluir que Camilo não levou uma vida financeira
desafogada, teve de escrever muito porque os editores assim lhe exigiam.
Era demasiado trabalho, escrever para vários jornais do país
e ter mais do que um livro em mãos, ser jornalista, folhetinista, colaborador,
apresentar-se sob a capa de pseudónimos ou com a sua verdadeira assinatura, era
demais e desabafa numa carta:
«É necessário renunciar a estas cousas. Porque há
incompatibilidade de tempo, não posso tanto e ainda que pudesse, não estou
resolvido a suicidar-me d’este modo. Antes trolha.»
Para terminar esta novela de números deixo ficar só “o
peso” do marido de Ana Plácido:
«[…] o inventariado Manuel Pinheiro Alves era um capitalista
que, segundo a phrase sacramental dos da sua classe, pesava uns oitenta
contos de réis.»
Em extratos do inventário por morte de Manuel Alves encontramos outros valores, comparativos para uma análise de números relativos ao maldito dinheiro:
·
A casa de São Miguel de Seide foi
inventariada por 700$000 réis.
·
A catacumba perpétua para depósito do seu
corpo na Lapa – 100$000 réis.
·
Bens móveis de raiz e dinheiro – 26:855$580
réis.
Das jóias adstritas à toilette de D. Ana Plácido, menciono
um ou dois exemplos:
·
Um par de brincos com 144 brilhantes,
avaliado em 150$000 réis.
·
Uma pulseira de oiro com esmalte ver, ornada
de 13 brilhantes e duas pérolas, avaliada em 44$000 réis.
·
Uma cadeia de oiro com dois passadores,
avaliada em 12$140 réis.
Dona Ana Plácido pede que lhe permitam residir na quinta de
S. Miguel de Seide para assistir ao inventário, «pois se acha numa hospedaria
fazendo avultadas despezas e pede para despesas reclamadas pela sua mudança
para Seide, a título de adiantamento da herança, reis 450$000».
Dona Ana Plácido pede que lhe permitam residir na quinta de
S. Miguel de Seide para assistir ao inventário, «pois se acha numa hospedaria
fazendo avultadas despezas e pede para despesas reclamadas pela sua mudança
para Seide, a título de adiantamento da herança, reis 450$000».
Benditos escudos, moedas e notas de réis que hoje,
convertidos em euros, seriam uma bagatela.
Já às portas da morte, Camilo consegue ser agraciado com o
título de Visconde Correia Botelho, em 1885, mas mais do que isso, conseguiu que
o Estado, em 1889, concedesse uma pensão ao filho mais velho, impossibilitado por
doença de trabalhar, como garantia do seu futuro e amparo indirecto a seu pai. Os
netos, também a braços com a miséria, receberam em 1906, uma pensão anual de
500 escudos, enquanto durasse o seu estado de solteiros.
Há-de continuar com menos números e mais estórias.
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