sábado, 30 de novembro de 2024

Do Animatógrafo ao "Cinema aos Copos"

Se recuarmos aos primórdios do século XX, reconhecemos que foi na Rua José Falcão que o Animatógrafo deu os primeiros passos na cidade, em duas salas – uma majestosa, espetacular como foi logo qualificada na memória descritiva, que foi inaugurada em 1904, na esquina da rua com a Rua da Conceição e outra, mandada construir em 1912, por Manuel Ferrás Brandão no n.º 42, perto do mísero espaço a que ficou em tempos reduzida a Livraria Leitura, e hoje ocupado por um cabeleireiro e outro "comedouro".


Um espectacular animatographo…

O edifício do animatographo passou para uma companhia de seguros, no n.º 221, até há poucos anos ligada ao ramo - a Açoreana Seguros, que antes teve designações mais curiosas como “Companhia de Seguros O TRABALHO” ou “Companhia de Seguros de Desastres no Trabalho”.

 

As reminiscências do cinema permaneciam até há pouco tempo em algumas paredes das Galerias Lumière, onde até aos anos 80, o Cinema Lumière, com duas salas, mostrou nas suas matinés muita película europeia e não só, que fugia ao domínio de Hollywood, mas já mostrava em tela de Cinescope (ou "cinema aos copos", como dizíamos).

O parque de estacionamento que fica ali acima foi durante muitos anos uma central de camionagem para as carreiras da Linhares que nos levavam até Vila do Conde e Póvoa do Varzim. No n.º 196, funcionou em 1913 a “Garagem Silva”, mandada construir pelo sr. António da Silva. No n.º 76 a Garagem Minerva abrigava os veículos em 1926.

As obras sucediam-se na rua e os requerimentos à Câmara Municipal eram caligrafados e os desenhos feitos a régua e esquadro, no tempo em que não havia computadores…

Cumprimentava-se com “Saúde e Fraternidade”. Repare-se nesta beleza destes vários pedidos de licenciamento. No início do século XX, construíam-se aqui mansões para habitação, indústria, comércio, serviços e até igrejas.

Garagem Silva

Os Abrunhosas da época (1908) não se dedicavam à música, acharam que uma garagem para reparação de automóveis, mesmo junto à Fábrica da tacha, seria um melhor negócio, pelo menos para os pneus…

E para viver, os Abrunhosa escolheram um terreno mesmo junto à Igreja Evangélica que também existia na rua em 1908.

Por dez mil réis de “mel coado” tudo se autorizava… 

Mas tudo com hygiene, especialmente nas “latrinas”, que infelizmente hoje em dia são as paredes e os recantos dos prédios.

A publicidade nos finais do XIX, inícios do século XX, dava também os seus primeiros passos. Até há poucos meses, podia reparar-se na fachada do Interposto Comercial e Agrícola, que servia como imagem do postal ilustrado. Já não pode ir do n.º 158 ao nº 176 e comparar o prédio com este postal.
Vai tudo abaixo...


Até os cuidados de saúde não ficaram esquecidos na rua José Falcão. Mesmo junto ao Mito funcionou, em 1906, a primeira clínica oftálmica da rua ou como à data se dizia “casa para tratamento de moléstias dos olhos”, do Dr. António Faria de Magalhães.

Casa de saúde para moléstias dos olhos

Aqui, como em muitas outras ruas pela cidade e pelo país, reedificou-se muitas vezes para pior. Repare-se nas imagens seguintes: um exemplar de 1921 que acabou por desaparecer para dar corpo a mais uma obra dos banqueiros do BES.

 

E nunca mais o banco se endireitou ...

assim como a rua, que é cada vez mais "para os copos". 

sexta-feira, 29 de novembro de 2024

As notícias verdadeiras da minha rua

A rua José Falcão, que recebeu o seu topónimo de um eminente republicano com feitos partidários na cidade do Porto, começou com a realeza no nome – era a rua D. Carlos, pai do último rei de Portugal.

Por esses tempos, já o cheiro a café perfumava a rua, vindo de várias torrefações que ali operavam. E aquele cheirinho a chocolate? Ah, esse vinha dos Chocolates Regina, na casa onde hoje fica o Restaurante MITO. Se pedirem muito até lhe mostram o logótipo dos anos 60, ainda numa bandeira da porta interior.

A casa mourisca, ao lado, parece feita de chocolate, mas não tem cheiro. São só os azulejos da fachada, de facto de uma cor pouco usual. Em 1900, o edifício estava a ser construído para armazém e mostruário da fábrica de cerâmica das Devesas, uma das maiores do país, que laborava em Gaia.

O alto-relevo e os tons de castanho são raros para os azulejos deste período

A Rua José Falcão fazia parte do quarteirão dos livros. Fazia porque livrarias cada vez há menos. A Leitura foi sempre a melhor livraria para o estudante universitário e para o leitor ávido das novidades estrangeiras literárias ou técnicas, o Sr. Fernandes, dono, ou o sr. Ribeiro empregado, faziam-nas chegar cá, fossem em francês, inglês ou qualquer língua. Mais uma em frente ao MITO - durante muitos anos - a Livraria Britânica foi a “embaixatriz” dos amantes da Família Real e cultura anglófona.

Mas o papel andou sempre pela Rua José Falcão. Já em 1936, funcionava uma tipografia no n.º 57. Mas foi dos n.º 86/96 que o grande distribuidor Lino & Ferreira fez chegar às escolas e às papelarias todo o papel, cadernos e material escolar que nos passou pelas mãos quando andávamos na escola. Há pouco tempo ainda era um dos edifícios da rua  não recuperados e se espreitássemos pelos vidros conseguíamos vislumbrar, lá ao fundo, algumas resmas de papel costaneira ou "livros do giz", para apontar os calotes no merceeiro. Hoje foi tudo abaixo...  

Continua no próximo capítulo com histórias do cinema nesta rua.

quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Conversas no rio

Apanha das "ditas cujas"

na esquerda do Cávado.

Venha cá ver. Eu uso uma meia de vidro e olhe quantas apanho de uma só vez. Tem de ter é uma coisa destas. 

O objecto suscita curiosidade – aquele cabo verde fluorescente indicia a provável  proveniência de uma loja de chineses. Visto de perto é uma imitação cuidada de uma vulgar cana da índia, nós perfeitos, tramos irregularmente distanciados, apetecia pegar só para ter a certeza de que não é um pau pintado. Na ponta, um cesto de malha fina, ainda muito branco – poucas vezes foi à água.

- E na outra cana, a de pesca a sério, já saía um robalinho de meio palmo, devia voltar para de onde veio, mas… Ah, este é melhor do que o muge! Cá para mim eram mesmo iguais. Fugiram dos pais e foram iludidos pelo isco ou pelo cheiro pestilento de primos em decomposição.

Uns metros à frente, com o passadiço já a terminar, está uma cachopa que "sabe da poda". Os artefactos são mais prosaicos – nada de chinesices  nem peças íntimas femininas – um saco de batatas, agora de sarapilheira sintéctica, quase forrava uma caixa de fruta, já não de madeira, mas de um plástico azul tão desbotado tantas vezes que já desceu à água, amarrado com cabo de algodão macio, no mesmo tom azulado para não espantar os bichos. Lá dentro o isco e logo ali ao lado mais duas fieiras igualmente armadilhadas .

– É sardinha? Qualquer um serve – sardinha, carapau, cavala – tem é de estar em putrefação. Cheira-lhes e eles não largam o saco, que lá dentro leva uma boa pedra embrulhada na podridão, e se fosse bacalhau, então é que era, mas não, hoje é cavala, e fica tudo suspenso numa amarra de uns três metros do cabo azul.

Lá sobe mais uma vez a caixa, dentro mais vêm meia dúzia deles. 

- Como os come? Só cozidos? 

- Sim e muito picante – piripiri. Estes, vermelhos por baixo - não vi nenhuns - são os melhores!

- Agora já está a passar a hora – é bom é quando a maré está a encher…

PS - As "ditas cujas" são as maravilhosas navalheiras, marisco de pobre.

 


 




quarta-feira, 27 de novembro de 2024

 O meu PORTO a partir da Torrinha (1965- 1972) e de tempos antanhos

«Esta rua tomou nome de um casal rústico, foreiro a Cedofeita, que se encontra mencionado em registos paroquiais a partir de 1625, mas que seria mais antigo. Foi rasgada em terrenos deste casal, nos do Casal do Coxo e no prazo do Passal do Baixo, pertencente ao Dom Prior da Colegiada. A rua que, segundo cremos, começou a abrir-se em princípios do Séc. XIX, já a vemos na planta de Balck em 1813, com casas edificadas, não estando concluída em 1854. Sucedeu com esta rua o mesmo que aconteceu com a Rua do Breiner e outras circunvizinhas: os enfiteutas quiseram remir os foros para dividir o prazo em chãos para construir mas opôs-se a Colegiada de Cedofeita, arrastando-se o pleito judicial até 1874.»


(Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas)

[No Roteiro de 1891, aparece como rua do Priorado.]

Comecei a conhecer o Porto, a partir dos meus dez anos, quando o meu pai tomou de trespasse uma drogaria na Rua da Torrinha, onde passei metade dos dias de escola e os dias inteiros das férias, até ir para a faculdade. Com tantos anos ligado ao ensino, acho que é pelas escolas que vou começar a desfiar estas recordações.

 “The past is a foreign country: They do things differently.”
The Go-BetweenLesley Poles Hartley


As Escolas da rua

Escola Industrial Infante D. Henrique (largo Alexandre de Sá Pinto)     

Esta escola foi um viveiro de muitos profissionais da 2.ª metade do século 20, responsáveis pelo desenvolvimento industrial no Porto e arredores, nas áreas de metalurgia, mecânica, electricidade e construção civil.  

“O folhear livros e recortes de jornais a partir de 1938 elucida inequivocamente a competência dos seus técnicos, cujas obras eram noticiadas com relevo nos jornais da época. Muitos deles chegaram a constituir o embrião técnico de muitas das empresas do Norte do País. Nas suas oficinas de carpintaria foram construídos barcos (O Primeiro de Janeiro - 7/5/39; Século - 13/7/39) e foram realizadas obras de destaque no seu "laboratório de eletricidade" e nas oficinas de tipografia, composição, gravura química, fundição, tecelagem, etc. Na oficina de tipografia eram impressos livros e o jornal "O Infante", guardando ainda a sua biblioteca alguns destes documentos. “  


Fotografia dos anos 

A escola do Infante, nos anos 60, era cliente da nossa drogaria, especialmente a Secção de Aeromodelismo que gastava consumíveis para os aviões, por exemplo álcool metílico, produto extremamente venenoso que se vendia em frascos de vidro castanho de dois litros. Comecei também a conhecer-lhe os interiores, especialmente as oficinas.

No largo Alexandre Sá Pinto, no meio do jardinzito, sempre vi a mão no ar do pedreiro com a sua maceta e ponteiro - Estátua do Pedreiro - um bronze de Henrique Moreira, de 1933. 

Escola Primária n.º 70/71 – na Rua da Torrinha

Hoje já foi aberta ao público uma rua de acesso à escola, que outrora era apenas um arruamento fechado, ladeado por altos cedros, com portão gradeado do lado da Torrinha. Ao fundo lá ficavam os edifícios da primária, um para as meninas, outro para os meninos.  E o Instituto de Cegos S. Manuel, cujos alunos faziam por ali os primeiros tirocínios, com bengala, indo contra os cedros.

O Instituto deu nome à rua, mas as escolas vizinhas alargaram bem os seus domínios aqui pelas traseiras. O antigo Liceu teve grandes obras da Parque Escolar, mas o Conservatório de Música não lhe ficou atrás.

Da última vez que lá passei, fiquei pasmado. Plantaram um hotel, mesmo à esquina desta rua. Auguro-lhe fraco futuro. Se a rua "nem de passagem" era, que turistas lá irão?

Talvez por isso, recordo uma cliente, num mês de Agosto ou Setembro, altura em que um rebanho de moçoilas vinham ali à escola, muitas vezes acompanhadas dos progenitores, para efectuarem o seu primeiro concurso ao magistério primário, algumas andariam pelos seus dezoitos anitos e ainda teriam de ser emancipadas para trabalhar para o Estado. A sua preparação era simplesmente o 5.º ano do Liceu ou da Técnica mais dois anitos na Escola Normal (escola do Magistério na Rua da Alegria). Mas voltando à cliente, não era uma dessas moçoilas, seria talvez a avó, que queria comprar uma esferográfica, para preencher a papelada. A nossa montra já estava preparada para a rentrée escolar e tinha lá de tudo desde os péclisses, alicates e réguas, até aos cadernos e às ditas esferográficas. Eu, como bom caixeiro, indaguei: “Quer vermelha ou azul”, depois de alguma hesitação veio a resposta: “Não sei, é para menina.”


terça-feira, 26 de novembro de 2024

Brincadeiras da infância - 5 marcas de...

Os jogos de agilidade mental eram por nós muito praticados, em idade inocente, quando nem imaginávamos o bem que agora nos fariam. Um dos que recordo era o “5 Marcas de…”, automóveis, detergentes, farinhas, camisas, eu sei lá quantas “listas” não trazíamos na cabeça.

De facto, tinham de estar na cabeça e na ponta da língua, porque jogava-se do seguinte modo: Puxávamos os cabelos ao parceiro e só largávamos quando dissessem as cinco marcas de automóveis, por exemplo.

Assim, aconselho a irem fazendo as vossas listas mentais, para não gastarem papel, enquanto eu partilho a minhas de outros tempos. São listas de seis, porque assim ficava sempre com uma reserva para o caso de desconhecerem alguma resposta.

                    Citroën                    Lux
                    
Vauxall                    Patti
                    Austin                     Cadum
                    
Hanomag               Lifebuoy
                    
Ford                        Confiança
                    Volkswagen           Camay

                    Colgate                   Tide
                    
Pepsodent             Sunil
                    
Signal                     Biotex
                    
Med. Couto           Juá 
                    
Binaca                    Presto 
                    Kolynos                 
Ajax

                    Pond’s                    Mum 
                    Tokalon                  L
ander
                    
Benamor                Printil
                    
Max Factor            Protex
                    Cire Aseptine        Rexina
                    Clearsil                  Odor-stop 


                    Nice                       Bien-Être
                    Smart                     Lavanda
                    
Zig-zag                  Tabu
                    China                     Água de rosas
                     
~de jornal             4711
                    
Renova                  Channel n.º 5 

                    Restaurador Olex  Porto
                    
Petróleo Olex        Três Vintes
                    
Kuro                       Português Suave 
                    
Fixador                  Kentuckeys   
                    
Bylcream               Provisórios
                    Brilhantina            Definitivos       

Bons exercícios... e cuidado com a queda de cabello.

segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Voltemos ao Semide, com memória muito descritiva

 

Voltemos ao Hospital do Semide. À primeira vista parece estranha a vontade do testador em querer que o Sanatório fosse construído dentro do Porto, quando os mais famosos, ficavam no meio do ar puro, como o da Guarda ou o Sanatório do Outão em plena serra da Arrábida. No entanto, o local escolhido ficava numa bouça, em terrenos rodeados de altos muros, que mesmo os mais curiosos, quando vinham no segundo andar do 78, passavam ali em Fernão de Magalhães, olhavam para lá e só viam árvores.

O terreno, com a área aproximada de 50 mil metros quadrados, era todo murado de paredes altas, com três portais, dois poços, uma pedreira com facilidades de exploração, terra lavradia e uma bouça de mato e pinheiros, onde viria a ser edificado o sanatório.

Entrava-se pela antigo Caminho de Currais a que depois foi dado o nome de Rua de Rodrigues Semide.

O Centro Português de Fotografia, quer os créditos da foto em cima, que registei por dois motivos. O primeiro pela presença das enfermeiras (?) com os doentes na varanda e a segunda pelos altos eucaliptos que dariam a sensação de ar puro que por ali se respiraria. É pena a fotografia não ter sido datada - dão-lhe um horizonte temporal de 1920 a 1960, ainda interrogado. Se de 20, só deveria ser depois de 1926, data em que foi inaugurado.

Na foto vê-se a Capela, que os médicos julgam poder ser “um grande lenitivo para os crentes”, como se pode ler aqui na memória descritiva.

Quanto ao sexo, foi melhor separá-los. Dos oitos pavilhões, construíram-se dois pavilhões enfermarias – um para os homens e outro para as mulheres. A água sempre fez bem à saúde pelo que um pavilhão era dedicado à hidroterapia. Mas mesmo os tísicos não viviam para sempre e por isso também havia o pavilhão mortuário e de autópsias, com saída independente para o caminho que passa a leste do terreno. Os outros pavilhões eram administrativos, de serviços, de lavandaria e desinfecção. Até o pessoal menor tinha direito a casa.

Não faltava o pavilhão de isolamento.

No ano anterior ao da inauguração do sanatório-hospital, tinham falecido na cidade do Porto, vítimas dos vários tipos de tuberculose, 840 pessoas - cerca de 16% do total anual de óbitos, situação que vinte anos mais tarde ainda se cifrava em 473 mortes, e que só iniciou o seu declínio, para valores à volta dos 100 óbitos anuais, a partir de meados da década de 1960.

Repesco aqui um comentário sobre os discursos do dia da inauguração, relatado por Guedes de Oliveira, jornalista do "O Primeiro de Janeiro":

«…o Porto, que para tudo contribui e para si tudo vê regateado, não deve aos poderes públicos o menor auxílio em matéria de beneficência. Tudo quanto possuímos pertence à iniciativa particular, ao esforço de dedicações que nunca afrouxam, à bondade de sentimentos que são ensinamentos de elevação e de amor. Se contarmos as casas de caridade, os asilos, os estabelecimentos hospitalares, os recolhimentos, que vivem dos recursos dos próprios benfeitores, fundadores e administradores, com aqueles que o Estado acolhe, não podemos deixar de constatar, com vergonha e com tristeza, que o Estado é para nós todos o pior dos padrastos".

Naquele tempo, a assistência social por parte do Estado era diminuta. Valeu-nos sempre a Santa Casa. Nessa época dispunha pelo menos de doze hospitais e asilos, para tratar os mais desvalidos.

Em 1960, o Ministro da Saúde, Martins de Carvalho, ainda se deslocou ao hospital, para apreciar planos de alargamento do hospital. Se quiserem ver o ministro a correr, fica aqui o vídeo da RTP, enquanto não o destruírem.

Ver vídeo

Este hospital da Santa Casa da Misericórdia, passou para a administração do estado em 1976. Foi nacionalizado, assim como outras propriedades da Santa Casa – o Conde de Ferreira ou o Hospital de Santo António.  Assim se manteve até 1989.

No ano lectivo de 1991/92, a Universidade Lusíada mudou-se para lá. Teve de fazer grandes obras porque as instalações foram-se degradando com o decorrer dos anos.

Parece que a morada postal da Universidade era na Rua Dr. Lopo de Carvalho. Ora esta rua é no lado oposto da Quinta do Semide, que também acho ter sido impropriamente designada, porque nunca foi dele propriedade.  Hoje, penso que o novo campus da Universidade é em Aldoar, num terreno de 20.000 metros comprado à Câmara Municipal do Porto.

Já o Dr. Lopo de Carvalho (1857-1922) – o da placa toponímica - foi médico tisiologista e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, fundador do Sanatório Sousa Martins na Guarda. Porém, foi o seu filho Fausto Patrício Lopo de Carvalho, igualmente tisiologista e igualmente professor daquela Faculdade, quem teve manifesta influência na cidade do Porto, que se pode ler no livro “O Porto e a Tuberculose História de 100 anos de luta”, de António Ramalho de Almeida. Fronteira do Caos, 2006, a p. 114:

«… Porém o marasmo em que a Assistência Nacional aos Tuberculosos vinha caminhando, sem iniciativas, gerindo apenas o seu património com extrema dificuldade, fez com que fosse indigitado para presidir à sua direção o Dr. [Fausto] Lopo de Carvalho [1890-1970]. Este insigne médico, dotado de uma enorme capacidade organizativa e muito bem relacionado com os membros do Governo, conseguiu rodear-se de colaboradores competentes e apresentar projetos importantes que vieram mudar a face da luta contra a tuberculose em Portugal. A partir de 1931 muito se modificou por sua iniciativa […] no que respeita ao Porto tomou duas iniciativas fundamentais. A primeira foi a ativação dos propósitos de construção do Sanatório do Porto e a segunda foi a sugestão de realojar os habitantes das ilhas em casas dignas [] os bairros de Paranhos, Azenha e Amial, onde ainda hoje se podem ver as casas do tipo desenhado por Lopo de Carvalho. »

Esta última fotografia, agora a cores, do mesmo sítio, mas de ângulo inverso, mostra-nos que o ar condicionado veio substituir os charmosos telheirinhos existentes sobre as janelas.

No entanto, em 2019, havia um projecto, porventura para tudo destruir – iria nascer ali o Bairro Académico, com um mínimo de 1000 camas como afirmou na altura António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Também o Colégio Júlio Dinis parece ter estado interessado nestas instalações. Daqui a uns tempos vou passar por lá e investigar quem venceu. 

E foi tudo abaixo?

domingo, 24 de novembro de 2024

O Semide e o IANT

 Os hospitais portuenses financiados por benfeitores tiveram características comuns – destinavam-lhe uma certa especialização e não os queriam no meio do burgo, procuravam sítios altos, arejados. Vejamos os exemplos do Conde de Ferreira no Monte das Lamas, o Joaquim Urbano no Montebelo e o Rodrigues Semide em Currais.

O Hospital do Semide, como era conhecido pelos portuenses, foi também construído a custas de um benfeitor – o Semide.

Estamos perante um brasileiro de torna-viagem. Manuel José Rodrigues Semide (1825 – 1910), mais um benfeitor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, proprietário e capitalista, que enriqueceu no Brasil e nasceu na freguesia de Semide, concelho de Miranda do Corvo. À data do seu testamento, em 1909, morava no Porto, na Rua da Boavista, n.º 809. Faleceu no Porto e foi sepultado no Cemitério da Lapa. Além de legados a familiares e pessoas das suas relações muitas instituições sociais foram beneficiadas.

Estamos então a ver que iria nascer na freguesia este Sanatório-hospital, que deveria ser para o tratamento de tuberculosos.

As obras iniciaram-se em 1910, tendo sido observado o Sanatório Sousa Martins da Guarda pelo Dr. Tito Fontes e pelo Engenheiro Casimiro Faria, para elaboração do risco. O risco maior, foi a guerra de 14-18, que obrigou a suspender as obras. O Sanatório-Hospital só foi inaugurado a 14 de novembro de 1926, graças ao empenho do provedor de então, António Alves Calém Júnior, e da sua Mesa Administrativa na qual se destacou o mesário e empresário portuense Manuel Pinto de Azevedo, que contribuiu financeiramente para a concretização do projeto. A inauguração deste estabelecimento teve um enorme impacto na época, se tivermos em conta o número elevado de vidas que a tuberculose ceifava anualmente.

Este estabelecimento foi construído nos terrenos da Bouça dos Currais, denominados o Campo da Bouça, que foi comprada pela Santa Casa da Misericórdia em 1914, a D. Maria Augusta dos Santos Fontes (herdeira do Casimiro Fontes) e seus filhos, pela quantia de 10 mil escudos. Dizia-se que tinha capacidade para 120 doentes internados e as suas instalações eram modelares.

Semide também quis que lhe cuidassem bem da herança e deixou recomendações:

 «o edifício, em que haverá pelo menos duas galerias, uma para cada sexo, será amplo, mas de construção modesta, e com todos os requisitos higiénicos, e deverá ser de forma que não obrigue a ser construído por completo por uma só vez, pois que se assim fosse, poderia reduzir o capital, quando é desejo do testador que na construção se não gaste mais do que um terço do capital legado».

Felizmente a tuberculose foi sendo debelada e o seu tratamento passou a ser feito em ambulatório. Todos nos lembramos dos dispensários do IANT (Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos), como o da Praça da Rainha D. Amélia e da prevenção feita nas escolas, quando lá iam as carrinhas do IANT, para tirar a famosa micro:

– “Encha o peito de ar. Não respire. Pode respirar!”.

Ouça o Sérgio Godinho

Tudo na vida nos dizQue é num momento fugazO tempo de um raio-xQue a gente quer ser felizVai ser capaz?

Inicialmente era a Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias. Mais tarde - o IANT que levava uma camionete enorme que estacionava no recreio do liceu e lá dentro tinha as máquinas necessárias para nos tirar as radiografias. Tínhamos primeiro que preencher um cartão que, anos mais tarde, vi ser o mesmo no BCG.

Semanas depois, recebíamos no correio uma pequena radiografia – a micro – dentro de um envelope carimbado com o resultado. Para mim, felizmente, foi sempre “NORMAL”.

Se houvesse alguma anormalidade, tínhamos de ir apanhar a vacina, que deixava uma boa marca no braço. Recordo que tínhamos um pouco de medo de fazer a micro, quando já andávamos a fumar às escondidas. Eles iam "ver" o fumo dos cigarros nos nossos pulmões. Claro está que, naqueles dias em que o autocarro do IANT estava no liceu, não nos atrevíamos a fumar.

Ainda recordo os selos que nos davam para vender, quando iam ao Liceu tirar-nos a micro. Especialmente esta coleção de 1964, do meu 1.º ano do Liceu. Era uma colecção de uma dúzia de selos mais ou menos como os desta imagem. É claro que eram os pais que nos iam dar as moedas como a contribuição – “Um tostãozinho pr’ós tuberculosos”.

Depois veio a obrigatoriedade da micro, para entrar na Faculdade ou num qualquer emprego público. Nessa altura, tínhamos de ir ao BCG na rua da Constituição, onde ainda hoje são prestados esses serviços.

Aqui já sabíamos que “BCG” era a vacina para prevenção contra a tuberculose e agora sei que a sigla tem o nome dos inventores - (Bacilo de Calmette e Guérin). Foi criada por  Albert Calmette e Camille Guérin, em 1921.

Na minha cabeça está outro bacilo – o bacilo de Koch – que parece ser uma espécie de bactéria causadora da maior parte dos casos de tuberculose.

E mais coisas há dizer sobre o Hospital Rodrigues Semide, mas fica para depois.


sábado, 23 de novembro de 2024

Gulodices

 

«A gulodice leva frequentemente à diabetes.»

«A gulodice é inimiga da elegância física.»

In Dicionário de Academia das Ciências de Lisboa

Ainda que nos alertem para o perigo das coisas boas, acho que em novos sempre pensávamos que diabetes era doença de velhinhos e o açúcar até dava força e fazia-nos mais fortes; quanto à elegância, era só para as meninas.

Recuar aos primeiros anos do açúcar é lembrar os rebuçados de meio tostão das Victórias, uma espécie de drageias de açúcar amarelo, tantas vezes humedecidos e agarrados aos papelinhos dos animais ou dos nossos reis.

Depois veio a fase dos caramileiros estrategicamente colocados à porta do liceu. Agora as gulodices já tinham mais variedade, maior tamanho e mais açúcar. É difícil lembrar todo o tipo de pirolitos, chupas e caramilos, cones vermelhos com pauzinho e cobertos de hóstia, malacuecos – acho que eram os rectangulares também vermelhos transparentes mas com amendoim; outros de amendoim mas embrulhados em papel celofane amarelo.

Lembro o caramileiro, com o braço esquerdo do casaco vazio e dentro do bolso, que trazia uma caixa de madeira, com uma fita de couro pendurada ao pescoço, onde gastávamos os tostões. Ele levantava a tampa de vidro e nós tirávamos a lambeta. Recebia as moedas e a mão direita voltava a fechar a tampa.

Os anos passaram e os slogans publicitários eram por nós arremedados – “Háqui drop ó chiclete. Haxixe, marijuana, LSD!” Nunca usei estes últimos aditivos. O chiclete sim … as Bazooka, cor de rosa e de sabor a morango, macias, que faziam bolas enormes, não se comparavam com as vulgares Pirata. Os rebuçados também andavam desvalorizados, às vezes, vinham de troco, quando o merceeiro não queria ir à gaveta buscar as moedas pretas.


Os dropes eram coisa fina, ombreavam com os caramelos. Recordo muito bem os caramelos de leite Vaquinha, macios - um verdadeiro toffee… Mais tarde, diziam que os portugueses só gostavam de ir a Badajoz comprar caramelos. Nunca fui, mas a Tuy e a Vigo fui muitas vezes e até comprava caramelos de café e de chocolate.

Tem um lugar especial nas minhas gulodices - o caladinho. Era uma espécie de caramujo recheado com creme de pasteleiro e muita canela por cima. Não posso dizer que comi muitos na vida, porque o dinheiro de bolso ou as gorjetas também não abundavam, mas eram a minha lambeta matinal preferida. Mas não era o caramileiro que a vendia. Só havia, nos meus locais de passagem, no quiosque da Praça da Galiza, em frente à paragem do 20. Quando eu lá passava às nove e pouco, lá estava o tabuleiro, com aquele cheirinho a canela a entrar pelas narinas e pedir que as papilas saboreassem aquele manjar ainda morninho àquela hora. Eram cinco tostões bem empregues, por um “marçano” que começava a volta praticamente ali. Ainda hei-de explicar o que isso da ´volta’.

Passou quase a vício porque o preço ombreava com o de dois cigarros Porto. Era só escolher o que dava mais prazer.


Há alguns anos caí na asneira de provar um “caladinho” nas festas do Senhor de Matosinhos. Que desilusão, era horrível, Antes tivesse ficado com o gosto da infância para sempre. Tempos depois outra decepção. Estávamos em Vila da Feira, à procura das melhores fogaças e anunciavam-se também “caladinhos”. Eu bem olhava para as montras, mas não os via. Quando finalmente encontrei caladinhos, eram umas simples bolachas ou biscoitos regionais. Oh! E eu a salivar por um verdadeiro caladinho…

Quando fui parar ao Alto Minho. Descobri que a aletria já não era massa doce e além disso, vi fazer arroz doce, com duas canadas de leite para meio quilo de arroz e não digo quanto açúcar era preciso para fazer um arroz-doce como deve ser.

O pudim francês passou a dar lugar ao do Abade ali perto de Braga. A “freirinha” cá de casa começou a fazer as receitas de doces de colher e agora dispensa-se uma boa malga de sopa no Natal, mas não podemos passar sem a “sopa dourada”.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

O Palácio e a cerveja Cristal

Abençoados sejam os que nos ensinam e eu gosto de aprender, especialmente sobre assuntos de que penso saber alguma coisa. Hoje vou dar a mão à palmatória e revelar a minha ignorância.

(in Arquivo do Porto)

Vou às memórias de infância, buscar imagens do Palácio que nessa época já não era de Cristal. Era simplesmente – o Palácio. Íamos ao Palácio ou à feira popular, passear, comer umas sardinhas, fazer uns furos nos chocolates da Regina, ver o Chico ou o leão Sofala, conforme os interesses etários, no decorrer de tantos anos.


(esta foto veio daqui)

Quando a Rosa Mota foi campeã do mundo e depois mudaram o nome do Palácio para Pavilhão Rosa Mota, achei muito bem – era uma alteração merecidíssima. Nunca ligamos muito à designação Pavilhão dos Desportos e o nome da nossa Rosinha era o orgulho tripeiro.

Há poucos anos, nova investida e eis que somos surpreendidos com nova mudança – Superbock Arena (Pavilhão Rosa Mota em letras pequeninas). Nunca aceitei isso e agora vejo que foi só por ignorância.

Vi há dias um programa do Joel Cleto, a falar da Superbock, onde revi muitas imagens e conhecimentos da minha infância. Naturalmente que não vivi os primeiros tempos na Praça da Liberdade, com fábrica da cerveja na rua do Laranjal, em 1890, nem sequer os da Fábrica Leão na rua da Restauração. Estas instalações visitei-as muitas vezes já com outro dono e outro ramo. Eram duas pessoas que eu conheci, empregados de um armazém de ferro e ferragens, do Joaquim da Silva Torres, junto às Escadas dos Guindais – o Sr. Santos, empregado de balcão e o sr. Diógenes, vendedor. Fizeram sociedade e formaram uma grande empresa de ferragens e utilidades domésticas – Diógenes & Santos, ocupando todo o espaço da fábrica Leão, na Restauração.

Nesses anos, passava todos os dias pela fábrica da CUFP na rua da Piedade, contígua à de Fiação dos Marinhos. Se a da CUFP se estendia quase até ao Palácio, a dos Marinhos ocupava o resto do quarteirão quase até à rua de Vilar. Quantos camiões carregados de cerveja e refrigerantes da Invicta eu vi sair daquele portão….

Nessa altura, eu só tinha idade para a laranjada Invicta. Quando em Portugal a Coca-Cola estava proibida, na Venezuela – havia coca-cola para as cubas libres, para os grandes e “Pepsi para os niños”. Este niño só tinha direito a malta – Malta Caracas.

Voltando à terra e ao cimo de Júlio Dinis, ficava a Cervejaria da CUFP, na outra extremidade da fábrica, mas os meus tostões ainda eram muito parcos para as tainadas de marisco acompanhadas de girafas (enormes canecas de cerveja). Não bebi, mas vi beber… Mais uma vez – Foi tudo abaixo!

Mota & Companhia e Montepio ergueram por ali “caixas de fósforos” que nunca mais acabavam. Ainda deixaram um cantinho com jardim, chamando a Sofia para emparelhar com a Rosalia de Castro na Praça da Galiza. Mas até o Jardim da Sofia desapareceu. Quando as escadas para a estação do Metro estiverem prontas, voltaremos a ter poesia…

Quanto à minha ignorância – a primeira cerveja da CUFP que recordo – a Cristal - deveu o seu nome, precisamente ao Palácio de Cristal, que à data ainda existia, como tal. Na Exposição Industrial de 1926, a cerveja recebeu o Grand Prix e três medalhas de ouro.  Era um precioso “Crystal”.

A empresa parece ter contribuído para a economia do Palácio que retribuía com as suas belas vistas aos clientes das “bejecas”. Segundo o Cleto, anos mais tarde, um mestre cervejeiro criou a tal Bock, tão extraordinária, que era uma “Super Bock”. Pronto, aceitemos que se actualizada a toponímia do Palácio, seja da cerveja Cristal para a SuperBock, assim fica tudo em família.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Os meus jornais de sempre

Acho que as primeiras imagens que tenho dos jornais são do seu papel como “produto reciclável”. Na altura ainda não sabia ler, mas o papel de jornal não faltava lá por casa. Alguns brinquedos de madeira produzidos na fábrica do meu avô eram embrulhados em jornal e arrumados em caixotes construídos com casqueiras de pinho, que eram despachadas na CP “em grande velocidade” para todo o país. Da mercearia, da drogaria ou da feira, alguns produtos também vinham embrulhados em jornal, sem esquecer os clássicos cartuchos em forma de cone, que durante tantos anos embrulharam as castanhas assadas. Na retrete da oficina havia umas folhinhas de papel de jornal, cuidadosamente cortadas em formato mais ou menos A5, espetadas num prego sem cabeça, ali na parede, com o fim que naturalmente adivinham. 

 Ainda não lia, mas ouvia os pregões dos ardinas: - Olhó Comércio do Porto, Janeeeiiirooo, olhó Notícias! Os três percorreram a minha infância e marcaram-me de diferentes modos. As primeiras memórias vão especialmente para o suplemento dominical de O Primeiro de Janeiro que trazia as bandas desenhadas a cores, onde “aprendi a ler”. Ficaram marcadas para sempre “O Príncipe Valente”, “O Zé do Boné”, “O sr. Calisto” e o adorável “Reizinho”.
Tenho pena de nessa altura ainda não saber ler os grandes intelectuais da política e das letras colaboradores assíduos do Janeiro.
Hoje este jornal ficou reduzido à versão digital, não vendo o papel há quase 20 anos, assim como o seu parceiro “O Comércio do Porto”, onde o nosso colega e colaborador do jornal, Manuel Pereira, nos levava anualmente em visitas de estudo. Ainda sobre o Comércio, recordo as páginas manuscritas, dentro de uma caixa tapada com rede, que os jornalistas afixavam à porta, ali nos Aliados, com a classificação da etapa da Volta a Portugal ou com uma qualquer notícia de última hora. 

Um dia por ano, em minha casa comprava-se os três jornais – O Comércio, o Janeiro e o Notícias. Era no último da do ano, porque cada jornal fazia o que hoje se poderia chamar o “year paper”. Um apanhado das notícias mais importantes do ano. 

Quanto ao Jornal de Notícias foi sempre também o jornal de uma só palavra – Notícias – o meu companheiro das viagens matinais de comboio. Comprado ao ardina na gare da estação, começava a lê-lo sempre pela última página. A rubrica “Bom Dia” era a primeira a ser lida. Depois fazia as palavras cruzadas a lápis, porque o meu pai também as queria fazer depois do almoço. Ainda havia tempo de ler os “Casos do Dia” que ocupavam sempre mais do que uma página. Como não andava à procura de trabalho ligava pouco às páginas de anúncios, que em letras minúsculas, ocupavam várias páginas em longas secções de “Precisa-se”, “Oferece-se” – uma longa coluna de pessoas que se ofereciam para trabalhar nas mais diversas áreas, “Vende-se”, “Aluga-se”, enfim só não havia as actuais secções de “Relax”. A página de “Desporto” só se lia à segunda-feira, porque os jogos tinham sido todos ao Domingo e no dia seguinte lá vinham os resultados e as classificações. 
Para os mais apressados, nos fins de tarde de Domingo, os ardinas já andavam ali pela minha rua a apregoar – “Olhó Norte Desportivo, olhó Nooorte!”, que trazia as notícias fresquinhas dos jogos que tinham começado às 3 horas. 

À medida que fui crescendo, fui-me habituando a outras notícias vindas da capital – as dos vespertinos. Como ia no comboio das 20h, ali em S. Bento, já por lá se vendia a “República”, o “Diário de Lisboa” e o “Diário Popular” que era o meu preferido. Tinha uma linha idêntica à do Notícias, enquanto o Diário de Lisboa trazia os grandes jornalistas, mas àquela hora da noite queriam-se coisas mais leves. 

Depois vieram os semanários – primeiro o Expresso e depois O Jornal, que ganhou a minha preferência durante muitos anos e me dava leitura para o fim de semana. Já agora fica também uma notinha para um jornal do meio da semana - o Se7e – saía às quartas-feiras e era compra obrigatória, pois era um jornal de música, muita informação sobre cinema, dados sobre artes e espectáculo e até tinha secções de gastronomia e informática (Spectrum ZX80, é claro). Ambos acabaram.
A nova aquisição de leitura foi o Público, do qual tive o privilégio de ler até as edições experimentais que nunca vieram a lume, durante várias semanas. A minha colega Cristina trazia-mas, em troca de ensinamentos no software de edição electrónica – Quark-Xpress, que usavam no Público em vez do PageMaker em que éramos “doutores”. 
Agora acabou o papel e assinamos a edição digital, pelo que já não se podem pendurar as folhinhas no prego…