sábado, 16 de novembro de 2024

Escribidices monográficas avulsas sobre Paranhos

Exórdios, proémios e quejandos são sempre aquele princípio que ninguém lê, que muitas vezes nem se escreve quando se começa, mas é julgado de interesse para poder logo desinteressar os possíveis destinatários.

Como o primeiro alocutário sou eu, isto será o que eu quiser.

Talvez não tenha fim e a nenhum fim se destina. Portanto, para a cabeça poder organizar-se, o melhor será ir à procura de notas já por outros descobertas. Porque na verdade já passaram a letra de forma ou no mínimo foram verbalizadas, daí que eu não tenha a primazia em nada.

 

Acho que a terra onde vivemos há quarenta anos, numa casa construída há sessenta e quatro, foi quase sempre só ”terra” e nessa altura devia-se ter feito o que o meu avô dizia:

“Terra (compra) quanto vejas. Casa quanta caibas.”

Esta casa ficava em terras agrícolas e uns bons quilómetros à volta, há 70 anos, era tudo terra mais ou menos arável. Se quiser ir procurar algumas raízes desta terra, já não se encontram porque as pedras e o cimento cobriram-nas.  Dito isto, vou começar pelas memórias dos outros.

A Quinta Cá de Casa

Se quero falar das quintas de Paranhos, acho que devo começar por aquela que me está debaixo dos pés e cujo nome não aparece referenciado em lado algum. Por isso, vou chamar-lhe Quinta Cá de Casa, julgo ser o mais apropriado.

Como não há onde pesquisar, vou recorrer às notas. Começo pela primeira nota, uma daquelas que a memória dos outros nos passou e que eu registo para que algum dia, alguém por ela se interesse, quem sabe?

Era mais um Domingo em que nos cruzávamos para ir comprar o jornal.  O Sr. José foi interpelado por mim.

- Ó Sr. José, há tempos que ando para lhe perguntar se se lembra do início da construção da nossa casa.

- Pois está claro que sim.

Hoje, 2015, ele diz que já tem 28 anos (é dos que dizem a idade ao contrário) – Ah, lembro-me muito bem. Eu já era homem feito, já ia com o meu pai, buscar pipas de vinho aos lavradores para vender na mercearia. Vendíamos muito.

Diz-me logo que a primeira construção na rua foi o prédio do tasco, (era um concorrente dele). Ficava ali na esquina e tinha portas como no far-west, propriedade do taberneiro barrigudo, de farfalhudo bigode, que embora nunca me tenha dado a provar um néguinhos, vendeu-me ainda algumas grades de cerveja, a preço de revenda. Mais tarde, era também o meu “quiosque” comprava lá o jornal, o Notícias, é claro. [...]

Hoje, aquele sítio é outra limpeza. Na esquina, o Docinho vende o que faz – o seu pão quente mailos doces que nunca amargaram – em instalações feitas onde outrora eram uns pátios cheios de grades de madeira com garrafas de pirolitos (ainda com os berlindes de vidro no gargalo), gasosas e laranjadas vazias, cujo vasilhame já ninguém queria, porque a laranjinha C, os pirolitos e as BB há muito não existiam, por isso serviam de ninho a umas boas ratazanas, que andavam à vista de quem passava naqueles portões de grade de ferro.

- Bem, mas isto era tudo a quintinha do Dr. Jorge Oliveira e do Dr. Leão, Filho, (a Quinta Cá de Casa, como eu digo). Um e outro, médicos de doenças da pele. E eles tinham mesmo de ver a peçonha, antes de receitar qualquer unguento ou sinapismo. Venderam tudo. Abriram aqui a rua que teve de fazer ali ao fundo uma curva de 90º, porque em frente ficava o muro do “latifúndio”. Ali não era quintinha, eram campos a perder de vista que foram ocupados pelas torres de Santa Luzia e pelo bairro social “chique”, que não tinha desordeiros, nem ‘gente pobre’ como nos outros camarários. Era a emergente classe média que até comprou o apartamento à Câmara (nas torres) em vez de pagar uma rendinha social. [,,,,)

E lá foi a conversa, até outro dia… ( e não seriam muitos porque ele morreu pouco tempo depois)


Sem comentários:

Enviar um comentário