Voltemos ao
Hospital do Semide. À primeira vista parece estranha a vontade do testador em querer que o
Sanatório fosse construído dentro do Porto, quando os mais famosos, ficavam no
meio do ar puro, como o da Guarda ou o Sanatório do Outão em plena serra da
Arrábida. No entanto, o local escolhido ficava numa bouça, em terrenos rodeados de
altos muros, que mesmo os mais curiosos, quando vinham no segundo andar do
78, passavam ali em Fernão de Magalhães, olhavam para lá e só viam árvores.
O terreno, com a
área aproximada de 50 mil metros quadrados, era todo murado de paredes altas, com
três portais, dois poços, uma pedreira com facilidades de exploração, terra
lavradia e uma bouça de mato e pinheiros, onde viria a ser edificado o
sanatório.
Entrava-se pela
antigo Caminho de Currais a que depois foi dado o nome de Rua de
Rodrigues Semide.
O Centro
Português de Fotografia, quer os créditos da foto em cima, que registei por
dois motivos. O primeiro pela presença das enfermeiras (?) com os doentes na
varanda e a segunda pelos altos eucaliptos que dariam a sensação de ar puro que
por ali se respiraria. É pena a fotografia não ter sido datada - dão-lhe um
horizonte temporal de 1920 a 1960, ainda interrogado. Se de 20, só deveria ser
depois de 1926, data em que foi inaugurado.
Na foto vê-se
a Capela, que os médicos julgam poder ser “um grande lenitivo para os
crentes”, como se pode ler aqui na memória descritiva.
Não faltava o
pavilhão de isolamento.
No ano anterior
ao da inauguração do sanatório-hospital, tinham falecido na cidade do Porto,
vítimas dos vários tipos de tuberculose, 840 pessoas - cerca de 16% do total
anual de óbitos, situação que vinte anos mais tarde ainda se cifrava em 473
mortes, e que só iniciou o seu declínio, para valores à volta dos 100 óbitos
anuais, a partir de meados da década de 1960.
Repesco aqui um
comentário sobre os discursos do dia da inauguração, relatado por Guedes de
Oliveira, jornalista do "O Primeiro de Janeiro":
«…o Porto, que para tudo contribui e para si tudo vê
regateado, não deve aos poderes públicos o menor auxílio em matéria de
beneficência. Tudo quanto possuímos pertence à iniciativa particular,
ao esforço de dedicações que nunca afrouxam, à bondade de sentimentos que são
ensinamentos de elevação e de amor. Se contarmos as casas de caridade, os
asilos, os estabelecimentos hospitalares, os recolhimentos, que vivem dos
recursos dos próprios benfeitores, fundadores e administradores, com aqueles
que o Estado acolhe, não podemos deixar de constatar, com vergonha e com
tristeza, que o Estado é para nós todos o pior dos padrastos".
Naquele tempo, a
assistência social por parte do Estado era diminuta. Valeu-nos sempre a Santa
Casa. Nessa época dispunha pelo menos de doze hospitais e asilos, para tratar
os mais desvalidos.
Em 1960, o
Ministro da Saúde, Martins de Carvalho, ainda se deslocou ao hospital, para
apreciar planos de alargamento do hospital. Se quiserem ver o ministro a
correr, fica aqui o vídeo da RTP, enquanto não o destruírem.
Este hospital da
Santa Casa da Misericórdia, passou para a administração do estado em 1976. Foi
nacionalizado, assim como outras propriedades da Santa Casa – o Conde de
Ferreira ou o Hospital de Santo António.
Assim se manteve até 1989.
No ano lectivo
de 1991/92, a Universidade Lusíada mudou-se para lá. Teve de fazer grandes
obras porque as instalações foram-se degradando com o decorrer dos anos.
Parece que a
morada postal da Universidade era na Rua Dr. Lopo de Carvalho. Ora esta rua é
no lado oposto da Quinta do Semide, que também acho ter sido impropriamente
designada, porque nunca foi dele propriedade.
Hoje, penso que o novo campus da Universidade é em Aldoar, num terreno de
20.000 metros comprado à Câmara Municipal do Porto.
Já o Dr. Lopo de
Carvalho (1857-1922) – o da placa toponímica - foi médico tisiologista e
professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, fundador do Sanatório Sousa
Martins na Guarda. Porém, foi o seu filho Fausto Patrício Lopo de Carvalho,
igualmente tisiologista e igualmente professor daquela Faculdade, quem teve
manifesta influência na cidade do Porto, que se pode ler no livro “O Porto e a
Tuberculose – História de 100 anos de luta”, de António Ramalho de Almeida. Fronteira do
Caos, 2006, a p. 114:
«… Porém o marasmo em que a Assistência Nacional aos
Tuberculosos vinha caminhando, sem iniciativas, gerindo apenas o seu património
com extrema dificuldade, fez com que fosse indigitado para presidir à sua
direção o Dr. [Fausto] Lopo de Carvalho [1890-1970]. Este insigne médico,
dotado de uma enorme capacidade organizativa e muito bem relacionado com os
membros do Governo, conseguiu rodear-se de colaboradores competentes e
apresentar projetos importantes que vieram mudar a face da luta contra a
tuberculose em Portugal. A partir de 1931 muito se modificou por sua iniciativa
[…] no que respeita ao Porto tomou duas iniciativas fundamentais. A primeira
foi a ativação dos propósitos de construção do Sanatório do Porto e a segunda
foi a sugestão de realojar os habitantes das ilhas em casas dignas […] os bairros de Paranhos,
Azenha e Amial, onde ainda hoje se podem ver as casas do tipo desenhado por
Lopo de Carvalho. »
Esta última
fotografia, agora a cores, do mesmo sítio, mas de ângulo inverso, mostra-nos
que o ar condicionado veio substituir os charmosos telheirinhos existentes
sobre as janelas.
No entanto, em
2019, havia um projecto, porventura para tudo destruir – iria nascer ali o
Bairro Académico, com um mínimo de 1000 camas como afirmou na altura António
Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Também o Colégio Júlio Dinis parece ter estado interessado nestas instalações. Daqui a uns tempos vou passar por lá e investigar quem venceu.
E foi tudo abaixo?
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