segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Voltemos ao Semide, com memória muito descritiva

 

Voltemos ao Hospital do Semide. À primeira vista parece estranha a vontade do testador em querer que o Sanatório fosse construído dentro do Porto, quando os mais famosos, ficavam no meio do ar puro, como o da Guarda ou o Sanatório do Outão em plena serra da Arrábida. No entanto, o local escolhido ficava numa bouça, em terrenos rodeados de altos muros, que mesmo os mais curiosos, quando vinham no segundo andar do 78, passavam ali em Fernão de Magalhães, olhavam para lá e só viam árvores.

O terreno, com a área aproximada de 50 mil metros quadrados, era todo murado de paredes altas, com três portais, dois poços, uma pedreira com facilidades de exploração, terra lavradia e uma bouça de mato e pinheiros, onde viria a ser edificado o sanatório.

Entrava-se pela antigo Caminho de Currais a que depois foi dado o nome de Rua de Rodrigues Semide.

O Centro Português de Fotografia, quer os créditos da foto em cima, que registei por dois motivos. O primeiro pela presença das enfermeiras (?) com os doentes na varanda e a segunda pelos altos eucaliptos que dariam a sensação de ar puro que por ali se respiraria. É pena a fotografia não ter sido datada - dão-lhe um horizonte temporal de 1920 a 1960, ainda interrogado. Se de 20, só deveria ser depois de 1926, data em que foi inaugurado.

Na foto vê-se a Capela, que os médicos julgam poder ser “um grande lenitivo para os crentes”, como se pode ler aqui na memória descritiva.

Quanto ao sexo, foi melhor separá-los. Dos oitos pavilhões, construíram-se dois pavilhões enfermarias – um para os homens e outro para as mulheres. A água sempre fez bem à saúde pelo que um pavilhão era dedicado à hidroterapia. Mas mesmo os tísicos não viviam para sempre e por isso também havia o pavilhão mortuário e de autópsias, com saída independente para o caminho que passa a leste do terreno. Os outros pavilhões eram administrativos, de serviços, de lavandaria e desinfecção. Até o pessoal menor tinha direito a casa.

Não faltava o pavilhão de isolamento.

No ano anterior ao da inauguração do sanatório-hospital, tinham falecido na cidade do Porto, vítimas dos vários tipos de tuberculose, 840 pessoas - cerca de 16% do total anual de óbitos, situação que vinte anos mais tarde ainda se cifrava em 473 mortes, e que só iniciou o seu declínio, para valores à volta dos 100 óbitos anuais, a partir de meados da década de 1960.

Repesco aqui um comentário sobre os discursos do dia da inauguração, relatado por Guedes de Oliveira, jornalista do "O Primeiro de Janeiro":

«…o Porto, que para tudo contribui e para si tudo vê regateado, não deve aos poderes públicos o menor auxílio em matéria de beneficência. Tudo quanto possuímos pertence à iniciativa particular, ao esforço de dedicações que nunca afrouxam, à bondade de sentimentos que são ensinamentos de elevação e de amor. Se contarmos as casas de caridade, os asilos, os estabelecimentos hospitalares, os recolhimentos, que vivem dos recursos dos próprios benfeitores, fundadores e administradores, com aqueles que o Estado acolhe, não podemos deixar de constatar, com vergonha e com tristeza, que o Estado é para nós todos o pior dos padrastos".

Naquele tempo, a assistência social por parte do Estado era diminuta. Valeu-nos sempre a Santa Casa. Nessa época dispunha pelo menos de doze hospitais e asilos, para tratar os mais desvalidos.

Em 1960, o Ministro da Saúde, Martins de Carvalho, ainda se deslocou ao hospital, para apreciar planos de alargamento do hospital. Se quiserem ver o ministro a correr, fica aqui o vídeo da RTP, enquanto não o destruírem.

Ver vídeo

Este hospital da Santa Casa da Misericórdia, passou para a administração do estado em 1976. Foi nacionalizado, assim como outras propriedades da Santa Casa – o Conde de Ferreira ou o Hospital de Santo António.  Assim se manteve até 1989.

No ano lectivo de 1991/92, a Universidade Lusíada mudou-se para lá. Teve de fazer grandes obras porque as instalações foram-se degradando com o decorrer dos anos.

Parece que a morada postal da Universidade era na Rua Dr. Lopo de Carvalho. Ora esta rua é no lado oposto da Quinta do Semide, que também acho ter sido impropriamente designada, porque nunca foi dele propriedade.  Hoje, penso que o novo campus da Universidade é em Aldoar, num terreno de 20.000 metros comprado à Câmara Municipal do Porto.

Já o Dr. Lopo de Carvalho (1857-1922) – o da placa toponímica - foi médico tisiologista e professor da Faculdade de Medicina de Lisboa, fundador do Sanatório Sousa Martins na Guarda. Porém, foi o seu filho Fausto Patrício Lopo de Carvalho, igualmente tisiologista e igualmente professor daquela Faculdade, quem teve manifesta influência na cidade do Porto, que se pode ler no livro “O Porto e a Tuberculose História de 100 anos de luta”, de António Ramalho de Almeida. Fronteira do Caos, 2006, a p. 114:

«… Porém o marasmo em que a Assistência Nacional aos Tuberculosos vinha caminhando, sem iniciativas, gerindo apenas o seu património com extrema dificuldade, fez com que fosse indigitado para presidir à sua direção o Dr. [Fausto] Lopo de Carvalho [1890-1970]. Este insigne médico, dotado de uma enorme capacidade organizativa e muito bem relacionado com os membros do Governo, conseguiu rodear-se de colaboradores competentes e apresentar projetos importantes que vieram mudar a face da luta contra a tuberculose em Portugal. A partir de 1931 muito se modificou por sua iniciativa […] no que respeita ao Porto tomou duas iniciativas fundamentais. A primeira foi a ativação dos propósitos de construção do Sanatório do Porto e a segunda foi a sugestão de realojar os habitantes das ilhas em casas dignas [] os bairros de Paranhos, Azenha e Amial, onde ainda hoje se podem ver as casas do tipo desenhado por Lopo de Carvalho. »

Esta última fotografia, agora a cores, do mesmo sítio, mas de ângulo inverso, mostra-nos que o ar condicionado veio substituir os charmosos telheirinhos existentes sobre as janelas.

No entanto, em 2019, havia um projecto, porventura para tudo destruir – iria nascer ali o Bairro Académico, com um mínimo de 1000 camas como afirmou na altura António Tavares, provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Também o Colégio Júlio Dinis parece ter estado interessado nestas instalações. Daqui a uns tempos vou passar por lá e investigar quem venceu. 

E foi tudo abaixo?

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