domingo, 10 de novembro de 2024

Do folhelho à palha, passando pela moinha e pela sumaúma




Está imagem é de um colchão da minha infância . Não era um Emma, nem sequer um Molaflex. Comecemos pelo pano de colchão. Na minha memória, o pano era quase sempre às riscas, mais finas ou mais largas, mas normalmente azuis e brancas como as camisolas do FCP. Também as havia verde e branco ou vermelho e branco. Normalmente eram as mulheres que mesmo ali na eira, enchiam o colchão, com uma palha de centeio, mais baixa e mole que a de trigo que tinha outros fins.

O outro material para enchimento de colchões era o folhelho, outro produto abundante na casa do lavrador. Nas desfolhadas, retiravam-se as folhas da espiga – o folhelho - e guardavam-se as espigas no espigueiro, para mais tarde retirar o grão depois de secas, malhando-se com um mangual na eira, com os grãos a saltarem para todo o lado.

Um colchão de folhelho nos anos 50 até já era um luxo, assim como as almofadas de sumaúma. Esta era um fruto de uma trepadeira abundante nos muros da aldeia, parecidos com os chuchus, que hoje se usam na sopa e cujo interior depois de seco parecia algodão em rama.

Conheci bem estes colchões, pois o de folhelho era o da minha avó. Eu vivia no quarto ao lado e o meu colchão era pior – eu era mais ‘pobrezinho’. A minha cama era mais pequena, tinha um colchão de palha centeia. Gastava-se muita palha, pelo menos anualmente enchiam-se os colchões com palha fresca, que ia apodrecendo; os das crianças, às vezes, tinham que ser mudados mais amiúde, pois o chichi lá se entranhava e não secava…  

Abro um parêntesis para outra palha, a palha do trigo, do colmo, que na minha infância tanto gostava - a palhinha no copo do mazagrã. Mas esta palha era muito alta, mais alta do que eu. Em minha casa, comprava-se uma vez por ano um colmeiro de palha de trigo – para quê? Para a matança do porco, depois de morto deitava-se o porco na pedra e o matador começava a chamuscar o bicho. Tirava pequenos molhinhos de palha, chegava-lhes o lume e ia batendo na pele do animal para lhe queimar o pêlo, a pele ficava negra como carvão, mas na fase seguinte, depois de raspada com cacos de telha, para a última depilação e lavada com muita água e sabão, ficava um couro douradinho como eles gostavam.

Já agora a minha almofada, também não era de sumaúma, nem de flocos de esponja como anos mais tarde. Nesse tempo, era de moinha, que era nem mais nem menos do que outro subproduto da desfolhada e debulhada. Apanhados os grãos de milho e peneirados, ficava no chão da eira aquele pó e resíduos dos carolos e da carepa do milho da malhação – obtínhamos assim a moinha. Nada se desperdiçava - folhelho para os colchões, carolos para o lume, moinha para as almofadas e o grão para os animais e para o pão de milho.

Tanto na palha como na moinha o nosso corpo aninhava, moldando o colchão e almofada de acordo com o peso do nosso corpo e acreditem que era tudo muito mais macio que a cama dos animais – as vacas e os bois dormiam numa cama de tojo – o mato com aqueles picos horríveis – eu imaginava-as camas de faquir. 

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