domingo, 24 de novembro de 2024

O Semide e o IANT

 Os hospitais portuenses financiados por benfeitores tiveram características comuns – destinavam-lhe uma certa especialização e não os queriam no meio do burgo, procuravam sítios altos, arejados. Vejamos os exemplos do Conde de Ferreira no Monte das Lamas, o Joaquim Urbano no Montebelo e o Rodrigues Semide em Currais.

O Hospital do Semide, como era conhecido pelos portuenses, foi também construído a custas de um benfeitor – o Semide.

Estamos perante um brasileiro de torna-viagem. Manuel José Rodrigues Semide (1825 – 1910), mais um benfeitor da Santa Casa da Misericórdia do Porto, proprietário e capitalista, que enriqueceu no Brasil e nasceu na freguesia de Semide, concelho de Miranda do Corvo. À data do seu testamento, em 1909, morava no Porto, na Rua da Boavista, n.º 809. Faleceu no Porto e foi sepultado no Cemitério da Lapa. Além de legados a familiares e pessoas das suas relações muitas instituições sociais foram beneficiadas.

Estamos então a ver que iria nascer na freguesia este Sanatório-hospital, que deveria ser para o tratamento de tuberculosos.

As obras iniciaram-se em 1910, tendo sido observado o Sanatório Sousa Martins da Guarda pelo Dr. Tito Fontes e pelo Engenheiro Casimiro Faria, para elaboração do risco. O risco maior, foi a guerra de 14-18, que obrigou a suspender as obras. O Sanatório-Hospital só foi inaugurado a 14 de novembro de 1926, graças ao empenho do provedor de então, António Alves Calém Júnior, e da sua Mesa Administrativa na qual se destacou o mesário e empresário portuense Manuel Pinto de Azevedo, que contribuiu financeiramente para a concretização do projeto. A inauguração deste estabelecimento teve um enorme impacto na época, se tivermos em conta o número elevado de vidas que a tuberculose ceifava anualmente.

Este estabelecimento foi construído nos terrenos da Bouça dos Currais, denominados o Campo da Bouça, que foi comprada pela Santa Casa da Misericórdia em 1914, a D. Maria Augusta dos Santos Fontes (herdeira do Casimiro Fontes) e seus filhos, pela quantia de 10 mil escudos. Dizia-se que tinha capacidade para 120 doentes internados e as suas instalações eram modelares.

Semide também quis que lhe cuidassem bem da herança e deixou recomendações:

 «o edifício, em que haverá pelo menos duas galerias, uma para cada sexo, será amplo, mas de construção modesta, e com todos os requisitos higiénicos, e deverá ser de forma que não obrigue a ser construído por completo por uma só vez, pois que se assim fosse, poderia reduzir o capital, quando é desejo do testador que na construção se não gaste mais do que um terço do capital legado».

Felizmente a tuberculose foi sendo debelada e o seu tratamento passou a ser feito em ambulatório. Todos nos lembramos dos dispensários do IANT (Instituto de Assistência Nacional aos Tuberculosos), como o da Praça da Rainha D. Amélia e da prevenção feita nas escolas, quando lá iam as carrinhas do IANT, para tirar a famosa micro:

– “Encha o peito de ar. Não respire. Pode respirar!”.

Ouça o Sérgio Godinho

Tudo na vida nos dizQue é num momento fugazO tempo de um raio-xQue a gente quer ser felizVai ser capaz?

Inicialmente era a Associação Nacional de Tuberculose e Doenças Respiratórias. Mais tarde - o IANT que levava uma camionete enorme que estacionava no recreio do liceu e lá dentro tinha as máquinas necessárias para nos tirar as radiografias. Tínhamos primeiro que preencher um cartão que, anos mais tarde, vi ser o mesmo no BCG.

Semanas depois, recebíamos no correio uma pequena radiografia – a micro – dentro de um envelope carimbado com o resultado. Para mim, felizmente, foi sempre “NORMAL”.

Se houvesse alguma anormalidade, tínhamos de ir apanhar a vacina, que deixava uma boa marca no braço. Recordo que tínhamos um pouco de medo de fazer a micro, quando já andávamos a fumar às escondidas. Eles iam "ver" o fumo dos cigarros nos nossos pulmões. Claro está que, naqueles dias em que o autocarro do IANT estava no liceu, não nos atrevíamos a fumar.

Ainda recordo os selos que nos davam para vender, quando iam ao Liceu tirar-nos a micro. Especialmente esta coleção de 1964, do meu 1.º ano do Liceu. Era uma colecção de uma dúzia de selos mais ou menos como os desta imagem. É claro que eram os pais que nos iam dar as moedas como a contribuição – “Um tostãozinho pr’ós tuberculosos”.

Depois veio a obrigatoriedade da micro, para entrar na Faculdade ou num qualquer emprego público. Nessa altura, tínhamos de ir ao BCG na rua da Constituição, onde ainda hoje são prestados esses serviços.

Aqui já sabíamos que “BCG” era a vacina para prevenção contra a tuberculose e agora sei que a sigla tem o nome dos inventores - (Bacilo de Calmette e Guérin). Foi criada por  Albert Calmette e Camille Guérin, em 1921.

Na minha cabeça está outro bacilo – o bacilo de Koch – que parece ser uma espécie de bactéria causadora da maior parte dos casos de tuberculose.

E mais coisas há dizer sobre o Hospital Rodrigues Semide, mas fica para depois.


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