quarta-feira, 27 de novembro de 2024

 O meu PORTO a partir da Torrinha (1965- 1972) e de tempos antanhos

«Esta rua tomou nome de um casal rústico, foreiro a Cedofeita, que se encontra mencionado em registos paroquiais a partir de 1625, mas que seria mais antigo. Foi rasgada em terrenos deste casal, nos do Casal do Coxo e no prazo do Passal do Baixo, pertencente ao Dom Prior da Colegiada. A rua que, segundo cremos, começou a abrir-se em princípios do Séc. XIX, já a vemos na planta de Balck em 1813, com casas edificadas, não estando concluída em 1854. Sucedeu com esta rua o mesmo que aconteceu com a Rua do Breiner e outras circunvizinhas: os enfiteutas quiseram remir os foros para dividir o prazo em chãos para construir mas opôs-se a Colegiada de Cedofeita, arrastando-se o pleito judicial até 1874.»


(Toponímia Portuense de Eugénio Andrea da Cunha e Freitas)

[No Roteiro de 1891, aparece como rua do Priorado.]

Comecei a conhecer o Porto, a partir dos meus dez anos, quando o meu pai tomou de trespasse uma drogaria na Rua da Torrinha, onde passei metade dos dias de escola e os dias inteiros das férias, até ir para a faculdade. Com tantos anos ligado ao ensino, acho que é pelas escolas que vou começar a desfiar estas recordações.

 “The past is a foreign country: They do things differently.”
The Go-BetweenLesley Poles Hartley


As Escolas da rua

Escola Industrial Infante D. Henrique (largo Alexandre de Sá Pinto)     

Esta escola foi um viveiro de muitos profissionais da 2.ª metade do século 20, responsáveis pelo desenvolvimento industrial no Porto e arredores, nas áreas de metalurgia, mecânica, electricidade e construção civil.  

“O folhear livros e recortes de jornais a partir de 1938 elucida inequivocamente a competência dos seus técnicos, cujas obras eram noticiadas com relevo nos jornais da época. Muitos deles chegaram a constituir o embrião técnico de muitas das empresas do Norte do País. Nas suas oficinas de carpintaria foram construídos barcos (O Primeiro de Janeiro - 7/5/39; Século - 13/7/39) e foram realizadas obras de destaque no seu "laboratório de eletricidade" e nas oficinas de tipografia, composição, gravura química, fundição, tecelagem, etc. Na oficina de tipografia eram impressos livros e o jornal "O Infante", guardando ainda a sua biblioteca alguns destes documentos. “  


Fotografia dos anos 

A escola do Infante, nos anos 60, era cliente da nossa drogaria, especialmente a Secção de Aeromodelismo que gastava consumíveis para os aviões, por exemplo álcool metílico, produto extremamente venenoso que se vendia em frascos de vidro castanho de dois litros. Comecei também a conhecer-lhe os interiores, especialmente as oficinas.

No largo Alexandre Sá Pinto, no meio do jardinzito, sempre vi a mão no ar do pedreiro com a sua maceta e ponteiro - Estátua do Pedreiro - um bronze de Henrique Moreira, de 1933. 

Escola Primária n.º 70/71 – na Rua da Torrinha

Hoje já foi aberta ao público uma rua de acesso à escola, que outrora era apenas um arruamento fechado, ladeado por altos cedros, com portão gradeado do lado da Torrinha. Ao fundo lá ficavam os edifícios da primária, um para as meninas, outro para os meninos.  E o Instituto de Cegos S. Manuel, cujos alunos faziam por ali os primeiros tirocínios, com bengala, indo contra os cedros.

O Instituto deu nome à rua, mas as escolas vizinhas alargaram bem os seus domínios aqui pelas traseiras. O antigo Liceu teve grandes obras da Parque Escolar, mas o Conservatório de Música não lhe ficou atrás.

Da última vez que lá passei, fiquei pasmado. Plantaram um hotel, mesmo à esquina desta rua. Auguro-lhe fraco futuro. Se a rua "nem de passagem" era, que turistas lá irão?

Talvez por isso, recordo uma cliente, num mês de Agosto ou Setembro, altura em que um rebanho de moçoilas vinham ali à escola, muitas vezes acompanhadas dos progenitores, para efectuarem o seu primeiro concurso ao magistério primário, algumas andariam pelos seus dezoitos anitos e ainda teriam de ser emancipadas para trabalhar para o Estado. A sua preparação era simplesmente o 5.º ano do Liceu ou da Técnica mais dois anitos na Escola Normal (escola do Magistério na Rua da Alegria). Mas voltando à cliente, não era uma dessas moçoilas, seria talvez a avó, que queria comprar uma esferográfica, para preencher a papelada. A nossa montra já estava preparada para a rentrée escolar e tinha lá de tudo desde os péclisses, alicates e réguas, até aos cadernos e às ditas esferográficas. Eu, como bom caixeiro, indaguei: “Quer vermelha ou azul”, depois de alguma hesitação veio a resposta: “Não sei, é para menina.”


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