….Por ruelas e calçadas
Da Ribeira até à Foz
Por pedras sujas e gastas
E lampiões tristes e sós …
Rui Veloso
As comissões toponímicas devem ter alguma dificuldade em
classificar algumas artérias, tal a diversidade linguística para designar uma
via estreita, mais ou menos esconsa ou escura, mais curta ou comprida, que possa
cair na categoria de viela, travessa, beco, congosta, calçada, caminho,
azinhaga ou ruela. A característica em comum deve ser a dificuldade de nelas transitar
o automóvel. Daí que devamos recuar ao tempo em que ele não existia, para conhecer
melhor algumas vielas do Porto.
Já vem de longe o hábito de fechar as ruelas por estarem
sujas. Em plena Praça Nova, onde seria construído o Banco de Portugal, existia
a viela da Polé. Alberto Pimentel em 1913, descrevia-a assim "a antiga viela da Polé, hoje
entaipada, em atenção à higiene pública, por duas portas de ferro, numa e
noutra extremidade".
A antiga viela dos Gatos, na Sé, actual travessa de S. Sebastião, não primava pela limpeza. “a estreiteza desta Viella, a sua quazi constante immundícia, a pouca frequência que por ella havia, dava lugar a quantos gatos e outros quaesquer animaes mortos havia, a serem de noite ali levados pelos creados das cazas incumbidos sempre destes funeraes. “, dizia Henrique Duarte e Sousa Reis, em meados do dezanove.
Outra viela sempre pouco limpa foi a viela das Tripas,
em terrenos da quinta do Matadouro, onde foi aberta a rua do Sol, que até se
chamou rua Nova da Boavista. Mas à data em que abriu a viela das Tripas, a
vista não devia ser muito boa, porque as fressuras passavam por ali e as
fressureiras por lá negociavam, o que dava tão mau cheiro ao sítio, que
arranjaram novo local para o matadouro público, em meados de mil e oitocentos.
Talvez mais limpa tenha sido a viela da Pombas, hoje rua
de António Pedro. O topónimo desapareceu, mas por lá se edificou o Grande Hotel
do Porto, nas pedras da calçada. Ainda teve uma fonte na esquina com Santa
Catarina. É de 1836 a decisão camarária: “Deliberou-se que se pagasse a João Joaquim de Andrade Bastos
a quantia de 150 mil réis em que tinha sido avaliado o seu terreno na Viela das
Pombas, para ser ali colocada a fonte da Rua de Santa Catarina, que foi para
ali mandada transferir.”
Dada a sujidade de algumas vielas, o melhor seria arranjar asas
e talvez por isso, os anjos foram patronos, exemplos da viela do Anjo da
Guarda e a viela do Anjo. Hoje, ambas têm porta de entrada fechada.
A edilidade colocou portões de ferro na do Anjo em 2019, ali na Ribeira, junto
do Largo do Duque, porque a viela era uma habitual sala de chuto. Não sei se
deram chave a todos os moradores, mas os toxicodependentes tiveram pouca sorte.
Ultimamente instalaram-lhes uma sala de consumo vigiado na viela dos Mortos,
na zona de Serralves.
Já a Viela do Anjo da Guarda tem uma porta fechada há muitos anos. A entrada da viela, um portão entre duas casas, passa despercebida ali na Rua do Bonjardim. Uma casa adjacente à viela, que já foi amarela, está hoje em ruínas. A outra ainda ostenta a placa da rua, por cima do portão, à esquerda.
Voltemos aos animais, inspiradores da toponímia e desta vez
um de grande porte, nem mais nem menos do que a Viela da Baleia. Estamos
já fora dos muros, para onde foram mandados os judeus e junto à Rua da Arménia,
encontramos este curioso topónimo.
Olhemos para um postal de 1900 e a foto de hoje. Ou
comparemos a foto do arquivo portuense, datada de 1958, com a actual e parece
que por aqui, as pedras ainda estão pouco sujas e gastas.
Ali bem perto, temos a Viela da Companhia, ou seja, a
da tal Companhia Geral de Agricultura e Vinhas do Alto Douro, fundada por
el-rei D. José, em 1756, ou se calhar apenas pelo Marquês de Pombal. Por ali,
havia grandes armazéns, ainda hoje existe a rua dos Armazéns, onde eram guardados
os vinhos e outras mercadorias.
Para terminar, registo uma viela da minha infância, a cujas
escadas acedi imensas vezes, na rua de D. Pedro V, na tentativa de cobrar o
maior calote, que uma cliente foi ferrando ao meu pai. Poucos escudos
recuperamos e ela nem trabalhava na fábrica do Marinhos, onde trabalhava o José
que deu nome à Viela, nem foi pela mãe dele educada. A viela do José da
Mestra, foi assim chamada porque a mãe do José ensinava as primeiras letras
aos meninos e meninas daquelas ilhas operárias.
Já quanto às calçadas, fica a promessa que elas irão ter história por aqui narrada.
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