Lembro os tempos de escola e das redações muito temáticas,
como ”Se eu fosse…”; “ A Vaca”, “Uma
figura típica”. Hoje encalho nesta.
Lá pela terra, havia duas figuras incontornáveis – O Américo
Banana e o Laurindo Lambranca. Nunca investiguei a razões dos
apelidos. O do Laurindo podia ser pelo cabelo, mas o dele à época ainda era
escuro. Mas vi-os sempre como indigentes, a quem o regime proibia de exercer a “profissão”,
pelo que ficavam ali pela Estação à espera de um cigarrito ou de meio cruzado, ou
seja, dois tostões. Recordo o Tu ‘um Pintas, que não nos largava o
recreio da escola ou o Manel Preguinho, metro e meio de altura, que nos perguntava
a data de nascimento e de imediato, nos replicava o dia da semana. Era tão
magrinho, que um dia um carro a fazer marcha atrás, passou-lhe por cima e ele
levantou-se, quase escorreito. Muitas outras histórias haveria a contar, mas
hoje deixo um registo do nosso Helder Pacheco, porque as suas histórias andam
escondidas nos seus livros e precisam de ser recordadas. Passemos às suas
palavras:
«Na rua do Bonjardim, havia a tabacaria da Arrebenta
(querendo dizer arrebenta carvalhos) cuja dona era uma lasca dos seus quarenta
anos que deitava lume pelos olhos. Boa loja, vendia, além de tabacos, revistas
e jornais. Tinha a particularidade de possuir nas traseiras, pequena divisão
tapada com uma cortina de riscado onde havia um sofá. Já estão a calcular o
enredo do filme. Se o freguês pagasse o artigo com uma nota choruda, era certo
e sabido que a dona perguntava: «Quer troco aqui ou lá dentro?». Consta que
pela alcova das traseiras passou número considerável de cidadãos, pois conforme
o apuro do dia assim o troco era dado em numerário ou em artigo de qualidade.
Até havia quem, invariavelmente, pagasse com notas de cinquenta ou cem escudos
(na altura uma fortuna), para ter a certeza de levar o troco em géneros.» in
Porto da Outra Cidade.
Nunca conheci a Arrabenta, mas que aquela travessa do Bonjardim,
acima da Cancela Velha, nas traseiras do Palácio dos Correios tinha fama, isso
era bem verdade. E olhem que não era só pelas traseiras do restaurante "Vigo no
Porto", que tinha as maiores pescadas da cidade e hoje é uma frutaria, a
vender só fruta.
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