domingo, 10 de novembro de 2024

Figuras típicas

 

Lembro os tempos de escola e das redações muito temáticas, como ”Se eu fosse…”;  “ A Vaca”, “Uma figura típica”. Hoje encalho nesta.

Lá pela terra, havia duas figuras incontornáveis – O Américo Banana e o Laurindo Lambranca. Nunca investiguei a razões dos apelidos. O do Laurindo podia ser pelo cabelo, mas o dele à época ainda era escuro. Mas vi-os sempre como indigentes, a quem o regime proibia de exercer a “profissão”, pelo que ficavam ali pela Estação à espera de um cigarrito ou de meio cruzado, ou seja, dois tostões. Recordo o Tu ‘um Pintas, que não nos largava o recreio da escola ou o Manel Preguinho, metro e meio de altura, que nos perguntava a data de nascimento e de imediato, nos replicava o dia da semana. Era tão magrinho, que um dia um carro a fazer marcha atrás, passou-lhe por cima e ele levantou-se, quase escorreito. Muitas outras histórias haveria a contar, mas hoje deixo um registo do nosso Helder Pacheco, porque as suas histórias andam escondidas nos seus livros e precisam de ser recordadas. Passemos às suas palavras:

«Na rua do Bonjardim, havia a tabacaria da Arrebenta (querendo dizer arrebenta carvalhos) cuja dona era uma lasca dos seus quarenta anos que deitava lume pelos olhos. Boa loja, vendia, além de tabacos, revistas e jornais. Tinha a particularidade de possuir nas traseiras, pequena divisão tapada com uma cortina de riscado onde havia um sofá. Já estão a calcular o enredo do filme. Se o freguês pagasse o artigo com uma nota choruda, era certo e sabido que a dona perguntava: «Quer troco aqui ou lá dentro?». Consta que pela alcova das traseiras passou número considerável de cidadãos, pois conforme o apuro do dia assim o troco era dado em numerário ou em artigo de qualidade. Até havia quem, invariavelmente, pagasse com notas de cinquenta ou cem escudos (na altura uma fortuna), para ter a certeza de levar o troco em géneros.» in Porto da Outra Cidade.

Nunca conheci a Arrabenta, mas que aquela travessa do Bonjardim, acima da Cancela Velha, nas traseiras do Palácio dos Correios tinha fama, isso era bem verdade. E olhem que não era só pelas traseiras do restaurante "Vigo no Porto", que tinha as maiores pescadas da cidade e hoje é uma frutaria, a vender só fruta.

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