quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Os meus jornais de sempre

Acho que as primeiras imagens que tenho dos jornais são do seu papel como “produto reciclável”. Na altura ainda não sabia ler, mas o papel de jornal não faltava lá por casa. Alguns brinquedos de madeira produzidos na fábrica do meu avô eram embrulhados em jornal e arrumados em caixotes construídos com casqueiras de pinho, que eram despachadas na CP “em grande velocidade” para todo o país. Da mercearia, da drogaria ou da feira, alguns produtos também vinham embrulhados em jornal, sem esquecer os clássicos cartuchos em forma de cone, que durante tantos anos embrulharam as castanhas assadas. Na retrete da oficina havia umas folhinhas de papel de jornal, cuidadosamente cortadas em formato mais ou menos A5, espetadas num prego sem cabeça, ali na parede, com o fim que naturalmente adivinham. 

 Ainda não lia, mas ouvia os pregões dos ardinas: - Olhó Comércio do Porto, Janeeeiiirooo, olhó Notícias! Os três percorreram a minha infância e marcaram-me de diferentes modos. As primeiras memórias vão especialmente para o suplemento dominical de O Primeiro de Janeiro que trazia as bandas desenhadas a cores, onde “aprendi a ler”. Ficaram marcadas para sempre “O Príncipe Valente”, “O Zé do Boné”, “O sr. Calisto” e o adorável “Reizinho”.
Tenho pena de nessa altura ainda não saber ler os grandes intelectuais da política e das letras colaboradores assíduos do Janeiro.
Hoje este jornal ficou reduzido à versão digital, não vendo o papel há quase 20 anos, assim como o seu parceiro “O Comércio do Porto”, onde o nosso colega e colaborador do jornal, Manuel Pereira, nos levava anualmente em visitas de estudo. Ainda sobre o Comércio, recordo as páginas manuscritas, dentro de uma caixa tapada com rede, que os jornalistas afixavam à porta, ali nos Aliados, com a classificação da etapa da Volta a Portugal ou com uma qualquer notícia de última hora. 

Um dia por ano, em minha casa comprava-se os três jornais – O Comércio, o Janeiro e o Notícias. Era no último da do ano, porque cada jornal fazia o que hoje se poderia chamar o “year paper”. Um apanhado das notícias mais importantes do ano. 

Quanto ao Jornal de Notícias foi sempre também o jornal de uma só palavra – Notícias – o meu companheiro das viagens matinais de comboio. Comprado ao ardina na gare da estação, começava a lê-lo sempre pela última página. A rubrica “Bom Dia” era a primeira a ser lida. Depois fazia as palavras cruzadas a lápis, porque o meu pai também as queria fazer depois do almoço. Ainda havia tempo de ler os “Casos do Dia” que ocupavam sempre mais do que uma página. Como não andava à procura de trabalho ligava pouco às páginas de anúncios, que em letras minúsculas, ocupavam várias páginas em longas secções de “Precisa-se”, “Oferece-se” – uma longa coluna de pessoas que se ofereciam para trabalhar nas mais diversas áreas, “Vende-se”, “Aluga-se”, enfim só não havia as actuais secções de “Relax”. A página de “Desporto” só se lia à segunda-feira, porque os jogos tinham sido todos ao Domingo e no dia seguinte lá vinham os resultados e as classificações. 
Para os mais apressados, nos fins de tarde de Domingo, os ardinas já andavam ali pela minha rua a apregoar – “Olhó Norte Desportivo, olhó Nooorte!”, que trazia as notícias fresquinhas dos jogos que tinham começado às 3 horas. 

À medida que fui crescendo, fui-me habituando a outras notícias vindas da capital – as dos vespertinos. Como ia no comboio das 20h, ali em S. Bento, já por lá se vendia a “República”, o “Diário de Lisboa” e o “Diário Popular” que era o meu preferido. Tinha uma linha idêntica à do Notícias, enquanto o Diário de Lisboa trazia os grandes jornalistas, mas àquela hora da noite queriam-se coisas mais leves. 

Depois vieram os semanários – primeiro o Expresso e depois O Jornal, que ganhou a minha preferência durante muitos anos e me dava leitura para o fim de semana. Já agora fica também uma notinha para um jornal do meio da semana - o Se7e – saía às quartas-feiras e era compra obrigatória, pois era um jornal de música, muita informação sobre cinema, dados sobre artes e espectáculo e até tinha secções de gastronomia e informática (Spectrum ZX80, é claro). Ambos acabaram.
A nova aquisição de leitura foi o Público, do qual tive o privilégio de ler até as edições experimentais que nunca vieram a lume, durante várias semanas. A minha colega Cristina trazia-mas, em troca de ensinamentos no software de edição electrónica – Quark-Xpress, que usavam no Público em vez do PageMaker em que éramos “doutores”. 
Agora acabou o papel e assinamos a edição digital, pelo que já não se podem pendurar as folhinhas no prego…

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