Ainda não lia, mas ouvia os pregões dos ardinas:
- Olhó Comércio do Porto, Janeeeiiirooo, olhó Notícias!
Os três percorreram a minha infância e marcaram-me de diferentes modos. As primeiras memórias vão especialmente para o suplemento dominical de O Primeiro de Janeiro que trazia as bandas desenhadas a cores, onde “aprendi a ler”. Ficaram marcadas para sempre “O Príncipe Valente”, “O Zé do Boné”, “O sr. Calisto” e o adorável “Reizinho”.
Tenho pena de nessa altura ainda não saber ler os grandes intelectuais da política e das letras colaboradores assíduos do Janeiro.
Hoje este jornal ficou reduzido à versão digital, não vendo o papel há quase 20 anos, assim como o seu parceiro “O Comércio do Porto”, onde o nosso colega e colaborador do jornal, Manuel Pereira, nos levava anualmente em visitas de estudo. Ainda sobre o Comércio, recordo as páginas manuscritas, dentro de uma caixa tapada com rede, que os jornalistas afixavam à porta, ali nos Aliados, com a classificação da etapa da Volta a Portugal ou com uma qualquer notícia de última hora.
Um dia por ano, em minha casa comprava-se os três jornais – O Comércio, o Janeiro e o Notícias. Era no último da do ano, porque cada jornal fazia o que hoje se poderia chamar o “year paper”. Um apanhado das notícias mais importantes do ano.
Quanto ao Jornal de Notícias foi sempre também o jornal de uma só palavra – Notícias – o meu companheiro das viagens matinais de comboio. Comprado ao ardina na gare da estação, começava a lê-lo sempre pela última página. A rubrica “Bom Dia” era a primeira a ser lida. Depois fazia as palavras cruzadas a lápis, porque o meu pai também as queria fazer depois do almoço. Ainda havia tempo de ler os “Casos do Dia” que ocupavam sempre mais do que uma página. Como não andava à procura de trabalho ligava pouco às páginas de anúncios, que em letras minúsculas, ocupavam várias páginas em longas secções de “Precisa-se”, “Oferece-se” – uma longa coluna de pessoas que se ofereciam para trabalhar nas mais diversas áreas, “Vende-se”, “Aluga-se”, enfim só não havia as actuais secções de “Relax”. A página de “Desporto” só se lia à segunda-feira, porque os jogos tinham sido todos ao Domingo e no dia seguinte lá vinham os resultados e as classificações.
Para os mais apressados, nos fins de tarde de Domingo, os ardinas já andavam ali pela minha rua a apregoar – “Olhó Norte Desportivo, olhó Nooorte!”, que trazia as notícias fresquinhas dos jogos que tinham começado às 3 horas.
À medida que fui crescendo, fui-me habituando a outras notícias vindas da capital – as dos vespertinos. Como ia no comboio das 20h, ali em S. Bento, já por lá se vendia a “República”, o “Diário de Lisboa” e o “Diário Popular” que era o meu preferido. Tinha uma linha idêntica à do Notícias, enquanto o Diário de Lisboa trazia os grandes jornalistas, mas àquela hora da noite queriam-se coisas mais leves.
Depois vieram os semanários – primeiro o Expresso e depois O Jornal, que ganhou a minha preferência durante muitos anos e me dava leitura para o fim de semana. Já agora fica também uma notinha para um jornal do meio da semana - o Se7e – saía às quartas-feiras e era compra obrigatória, pois era um jornal de música, muita informação sobre cinema, dados sobre artes e espectáculo e até tinha secções de gastronomia e informática (Spectrum ZX80, é claro). Ambos acabaram.
A nova aquisição de leitura foi o Público, do qual tive o privilégio de ler até as edições experimentais que nunca vieram a lume, durante várias semanas. A minha colega Cristina trazia-mas, em troca de ensinamentos no software de edição electrónica – Quark-Xpress, que usavam no Público em vez do PageMaker em que éramos “doutores”.
Agora acabou o papel e assinamos a edição digital, pelo que já não se podem pendurar as folhinhas no prego…
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