sábado, 23 de novembro de 2024

Gulodices

 

«A gulodice leva frequentemente à diabetes.»

«A gulodice é inimiga da elegância física.»

In Dicionário de Academia das Ciências de Lisboa

Ainda que nos alertem para o perigo das coisas boas, acho que em novos sempre pensávamos que diabetes era doença de velhinhos e o açúcar até dava força e fazia-nos mais fortes; quanto à elegância, era só para as meninas.

Recuar aos primeiros anos do açúcar é lembrar os rebuçados de meio tostão das Victórias, uma espécie de drageias de açúcar amarelo, tantas vezes humedecidos e agarrados aos papelinhos dos animais ou dos nossos reis.

Depois veio a fase dos caramileiros estrategicamente colocados à porta do liceu. Agora as gulodices já tinham mais variedade, maior tamanho e mais açúcar. É difícil lembrar todo o tipo de pirolitos, chupas e caramilos, cones vermelhos com pauzinho e cobertos de hóstia, malacuecos – acho que eram os rectangulares também vermelhos transparentes mas com amendoim; outros de amendoim mas embrulhados em papel celofane amarelo.

Lembro o caramileiro, com o braço esquerdo do casaco vazio e dentro do bolso, que trazia uma caixa de madeira, com uma fita de couro pendurada ao pescoço, onde gastávamos os tostões. Ele levantava a tampa de vidro e nós tirávamos a lambeta. Recebia as moedas e a mão direita voltava a fechar a tampa.

Os anos passaram e os slogans publicitários eram por nós arremedados – “Háqui drop ó chiclete. Haxixe, marijuana, LSD!” Nunca usei estes últimos aditivos. O chiclete sim … as Bazooka, cor de rosa e de sabor a morango, macias, que faziam bolas enormes, não se comparavam com as vulgares Pirata. Os rebuçados também andavam desvalorizados, às vezes, vinham de troco, quando o merceeiro não queria ir à gaveta buscar as moedas pretas.


Os dropes eram coisa fina, ombreavam com os caramelos. Recordo muito bem os caramelos de leite Vaquinha, macios - um verdadeiro toffee… Mais tarde, diziam que os portugueses só gostavam de ir a Badajoz comprar caramelos. Nunca fui, mas a Tuy e a Vigo fui muitas vezes e até comprava caramelos de café e de chocolate.

Tem um lugar especial nas minhas gulodices - o caladinho. Era uma espécie de caramujo recheado com creme de pasteleiro e muita canela por cima. Não posso dizer que comi muitos na vida, porque o dinheiro de bolso ou as gorjetas também não abundavam, mas eram a minha lambeta matinal preferida. Mas não era o caramileiro que a vendia. Só havia, nos meus locais de passagem, no quiosque da Praça da Galiza, em frente à paragem do 20. Quando eu lá passava às nove e pouco, lá estava o tabuleiro, com aquele cheirinho a canela a entrar pelas narinas e pedir que as papilas saboreassem aquele manjar ainda morninho àquela hora. Eram cinco tostões bem empregues, por um “marçano” que começava a volta praticamente ali. Ainda hei-de explicar o que isso da ´volta’.

Passou quase a vício porque o preço ombreava com o de dois cigarros Porto. Era só escolher o que dava mais prazer.


Há alguns anos caí na asneira de provar um “caladinho” nas festas do Senhor de Matosinhos. Que desilusão, era horrível, Antes tivesse ficado com o gosto da infância para sempre. Tempos depois outra decepção. Estávamos em Vila da Feira, à procura das melhores fogaças e anunciavam-se também “caladinhos”. Eu bem olhava para as montras, mas não os via. Quando finalmente encontrei caladinhos, eram umas simples bolachas ou biscoitos regionais. Oh! E eu a salivar por um verdadeiro caladinho…

Quando fui parar ao Alto Minho. Descobri que a aletria já não era massa doce e além disso, vi fazer arroz doce, com duas canadas de leite para meio quilo de arroz e não digo quanto açúcar era preciso para fazer um arroz-doce como deve ser.

O pudim francês passou a dar lugar ao do Abade ali perto de Braga. A “freirinha” cá de casa começou a fazer as receitas de doces de colher e agora dispensa-se uma boa malga de sopa no Natal, mas não podemos passar sem a “sopa dourada”.

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