«A gulodice leva frequentemente à diabetes.»
«A gulodice é inimiga da elegância física.»
In Dicionário de Academia das Ciências
de Lisboa
Ainda que nos alertem para o perigo das coisas boas, acho
que em novos sempre pensávamos que diabetes era doença de velhinhos e o
açúcar até dava força e fazia-nos mais fortes; quanto à elegância, era
só para as meninas.
Recuar aos primeiros anos do açúcar é lembrar os rebuçados de
meio tostão das Victórias, uma espécie de drageias de açúcar amarelo, tantas
vezes humedecidos e agarrados aos papelinhos dos animais ou dos nossos reis.
Depois veio a fase dos caramileiros estrategicamente
colocados à porta do liceu. Agora as gulodices já tinham mais variedade, maior
tamanho e mais açúcar. É difícil lembrar todo o tipo de pirolitos, chupas
e caramilos, cones vermelhos com pauzinho e cobertos de hóstia, malacuecos
– acho que eram os rectangulares também vermelhos transparentes mas com amendoim;
outros de amendoim mas embrulhados em papel celofane amarelo.
Lembro o caramileiro, com o braço esquerdo do casaco vazio e
dentro do bolso, que trazia uma caixa de madeira, com uma fita de couro pendurada
ao pescoço, onde gastávamos os tostões. Ele levantava a tampa de vidro e nós
tirávamos a lambeta. Recebia as moedas e a mão direita voltava a fechar a
tampa.
Os anos passaram e os slogans publicitários eram por nós
arremedados – “Háqui drop ó chiclete. Haxixe, marijuana, LSD!” Nunca
usei estes últimos aditivos. O chiclete sim … as Bazooka, cor de rosa e de
sabor a morango, macias, que faziam bolas enormes, não se comparavam com as vulgares
Pirata. Os rebuçados também andavam desvalorizados, às vezes, vinham de
troco, quando o merceeiro não queria ir à gaveta buscar as moedas pretas.
Os dropes eram coisa fina, ombreavam com os caramelos.
Recordo muito bem os caramelos de leite Vaquinha, macios - um verdadeiro toffee…
Mais tarde, diziam que os portugueses só gostavam de ir a Badajoz comprar
caramelos. Nunca fui, mas a Tuy e a Vigo fui muitas vezes e até comprava caramelos
de café e de chocolate.
Tem um lugar especial nas minhas gulodices - o caladinho.
Era uma espécie de caramujo recheado com creme de pasteleiro e muita canela por
cima. Não posso dizer que comi muitos na vida, porque o dinheiro de bolso ou as
gorjetas também não abundavam, mas eram a minha lambeta matinal preferida. Mas
não era o caramileiro que a vendia. Só havia, nos meus locais de passagem, no
quiosque da Praça da Galiza, em frente à paragem do 20. Quando eu lá passava às
nove e pouco, lá estava o tabuleiro, com aquele cheirinho a canela a entrar
pelas narinas e pedir que as papilas saboreassem aquele manjar ainda morninho
àquela hora. Eram cinco tostões bem empregues, por um “marçano” que começava a
volta praticamente ali. Ainda hei-de explicar o que isso da ´volta’.
Passou quase a vício porque o preço ombreava com o de dois cigarros
Porto. Era só escolher o que dava mais prazer.
Há alguns anos caí na asneira de provar um “caladinho” nas festas
do Senhor de Matosinhos. Que desilusão, era horrível, Antes tivesse ficado com
o gosto da infância para sempre. Tempos depois outra decepção. Estávamos em
Vila da Feira, à procura das melhores fogaças e anunciavam-se também “caladinhos”.
Eu bem olhava para as montras, mas não os via. Quando finalmente encontrei
caladinhos, eram umas simples bolachas ou biscoitos regionais. Oh! E eu a salivar
por um verdadeiro caladinho…
Quando fui parar ao Alto Minho. Descobri que a aletria já
não era massa doce e além disso, vi fazer arroz doce, com duas canadas de leite
para meio quilo de arroz e não digo quanto açúcar era preciso para fazer um arroz-doce
como deve ser.
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