Esta fotografia não é a da pasta do Calista do Porto, mas podia muito bem ser. A dele era igual àquilo que à época se chamava uma "pasta de engenheiro", de couro muito velho, com muitas andanças e com estes mesmos dizeres, mas muito mais bem pintados pelo meu pai, do que este arremedo fotoshopista que eu fiz.
Não havia pedicures nem podologistas e muita gente sofria dos calos mas nós sofríamos dos "calotes".
O calista percorria a cidade e arredores, fazia os seus domicílios, saía de manhã e chegava ao cair da tardinha. Morava por cima da drogaria, por isso, mal chegava a casa descia de imediato. Garrafa e frasco na mão, era quase sempre dos últimos clientes - quartilho e meio de petróleo e dez tostões de álcool desnaturado. Estas vendas de cinco tostões disto e dez tostões daquilo eram o pão nosso de cada dia. Por isso nunca saímos da cepa torta.
Mas hoje é para falar do calista. Os instrumentos de tortura que ele usava, felizmente nunca nos meus pés, conhecia-os de tantas vezes ele ter escancarado a pasta de calista à minha frente.
Uns ferros afiados, tesouras, navalhas e lâminas não sei se de tortura, se de terror.
Um pacote de algodão, frasquinhos de mercuriocromo, tintura de iodo e álcool a 95º compunham o ramalhete.
Falta descrever o mais importante - a pomada para os calos. Como já passaram mais de 60 anos, acho que os direitos de autor caducaram e eu até podia desvendar-lhe os segredos.
Vou levantar só uma pontinha do véu... Até as caixinhas lhe fornecíamos.
Ainda lembro as primeiras de papel encerado, depois veio o plástico e o Calista lá levava à dúzia de cada vez.
Quando o calista precisava de fazer a pomada chegava mais cedo a casa. Já tinha passado pelo merceeiro vizinho e trazia na mão um cartucho de farinha triga. Os outros ingredientes aviava-os na drogaria. Cem gramas de vaselina sólida, quinze tostões de corante amarelo solúvel em água - "auramine GL" e um frasco de 200 ml de ácido. Aqui residia o segredo. Não desvendo qual era. Deixo os sais, posso revelar o cloreto de sódio, que podia aproveitar do choro de algum/a padecente, mas os ácidos não. Bem, revelo a minha primeira experiência. Era sempre o meu pai que fazia o baptismo do "ácido", não fosse o homem furar um dedo a alguém. Um dia, ele não estava e eu armei-me em químico - Pum! explodiu e partiu-se o frasco nas minhas mãos. Por razões profissionais não explico porquê.
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