A inocência infantil é, para mim, o sentimento mais marcante
da época natalícia.
Tenho poucas recordações da idade da minha inocência porque
o encantamento talvez só me tivesse acontecido uma vez.
Em país estranho, o San Nicólas, ou o Nicolares como me
dizia a minha mãe, pelo menos assim o recordo, andava por lá, mas como era
estrangeiro, nunca o valorizei. Como o assunto era tabu e não se podia contar a
história verdadeira – não me lembro de nada.
Recordamos melhor as histórias que nos contaram muitas vezes
da nossa infância do que aqueles que efectivamente vivemos e que às vezes
esquecemos, outras vezes não.
Assim posso afirmar categoricamente que o Menino Jesus é
mais velho do que o Pai Natal.
Eu já tinha seis anos quando acreditei nele pela primeira
vez. Vivia só com a minha avó e sabia a história toda. Até revelo um pormenor
que ainda espanta muita gente. Quando ia à igreja ver o presépio antes do 25, o
Menino ainda não estava lá. Pudera, ainda não tinha vindo.
Preparar a vinda dele em casa, na véspera de Natal era
simples – só tinha de deixar um sapatinho no fogão.
Antes de ir para a cama, fui buscar os sapatos mais velhos
que tinha, assim ele via que eu precisava de prendas e deixei só um em cima do
fogão, meio escondido lá para trás. Por acaso, tinha andado com aqueles sapatos
e ainda tinham a sola encharcada.
Fui dormir. Não houve grande excitação no dia seguinte, mais
um certo medo de que o Menino Jesus tivesse mesmo entrado em minha casa e
deixado qualquer coisa para mim.
Era verdade. Estavam dois embrulhos em cima do fogão ao lado
do meu sapato. Era a minha prenda! – Posso abrir? Não esperei pela resposta.
Recordo um cachecol, peça que eu nunca tinha visto antes,
nem sabia para o que era (tinha vivido sempre num país quente…) – a minha avó
enrolou-mo no pescoço. Ui, pica…
O segundo embrulho era mais curioso. Pois o Menino trouxe-me
umas meias iguaizinhas àquelas que a minha avó me andava a fazer há um mês.
Eram mesmo iguais, em lã branca de ovelha. Só não vi o Menino Jesus, nem as
suas agulhas amarelas, de latão, que devia ter usado para fazer umas meias como
as da minha avó.
Ah e o meu sapato ficou estragado! O fogão era a lenha e a
serrim, chamava-se um fogão circular, todo o tampo de cima era ferro fundido.
Não repararei e quando lá escondi o sapato atrás das panelas, ainda devia estar
muito quente. A sola estava molhada e dobrou ao secar – parecia um barco – foi
a minha terceira prenda!
Nesse dia, só havia uma pergunta. Todos perguntavam uns
aos outros – “Que te trouxe o Menino Jesus?” , “O que é que o Menino Jesus te
deixou no sapatinho?”.
O Pai Natal
deve ser filho dele. Só o comecei a ver quando já apreciava a inocência dos
outros. Tive de ler as histórias sobre
as suas viagens pelo mundo, não sabia que os Elfos o ajudavam e só quando tive
netas soube que era preciso deixar “oats and glittering sprinkles”, que
recordo a minha filha ter deitado no jardim ao fim do dia, para que as renas
encontrassem a casa e comessem mais um bocadinho para continuar o seu caminho.
Já tinham cá chegado os filmes e a Coca-Cola, com o Pai Natal a
entrar pelas chaminés, sem exaustores.
Felizmente em minha casa ainda há só chaminé!
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