terça-feira, 24 de dezembro de 2024

O Menino Jesus é mais velho do que o Pai Natal

A inocência infantil é, para mim, o sentimento mais marcante da época natalícia.

Tenho poucas recordações da idade da minha inocência porque o encantamento talvez só me tivesse acontecido uma vez.

Em país estranho, o San Nicólas, ou o Nicolares como me dizia a minha mãe, pelo menos assim o recordo, andava por lá, mas como era estrangeiro, nunca o valorizei. Como o assunto era tabu e não se podia contar a história verdadeira – não me lembro de nada.

Recordamos melhor as histórias que nos contaram muitas vezes da nossa infância do que aqueles que efectivamente vivemos e que às vezes esquecemos, outras vezes não.

Assim posso afirmar categoricamente que o Menino Jesus é mais velho do que o Pai Natal.

Eu já tinha seis anos quando acreditei nele pela primeira vez. Vivia só com a minha avó e sabia a história toda. Até revelo um pormenor que ainda espanta muita gente. Quando ia à igreja ver o presépio antes do 25, o Menino ainda não estava lá. Pudera, ainda não tinha vindo.

Preparar a vinda dele em casa, na véspera de Natal era simples – só tinha de deixar um sapatinho no fogão.

Antes de ir para a cama, fui buscar os sapatos mais velhos que tinha, assim ele via que eu precisava de prendas e deixei só um em cima do fogão, meio escondido lá para trás. Por acaso, tinha andado com aqueles sapatos e ainda tinham a sola encharcada.

Fui dormir. Não houve grande excitação no dia seguinte, mais um certo medo de que o Menino Jesus tivesse mesmo entrado em minha casa e deixado qualquer coisa para mim.

Era verdade. Estavam dois embrulhos em cima do fogão ao lado do meu sapato. Era a minha prenda! – Posso abrir? Não esperei pela resposta.

Recordo um cachecol, peça que eu nunca tinha visto antes, nem sabia para o que era (tinha vivido sempre num país quente…) – a minha avó enrolou-mo no pescoço. Ui, pica…

O segundo embrulho era mais curioso. Pois o Menino trouxe-me umas meias iguaizinhas àquelas que a minha avó me andava a fazer há um mês. Eram mesmo iguais, em lã branca de ovelha. Só não vi o Menino Jesus, nem as suas agulhas amarelas, de latão, que devia ter usado para fazer umas meias como as da minha avó.

Ah e o meu sapato ficou estragado! O fogão era a lenha e a serrim, chamava-se um fogão circular, todo o tampo de cima era ferro fundido. Não repararei e quando lá escondi o sapato atrás das panelas, ainda devia estar muito quente. A sola estava molhada e dobrou ao secar – parecia um barco – foi a minha terceira prenda!

Nesse dia, só havia uma pergunta. Todos perguntavam uns aos outros – “Que te trouxe o Menino Jesus?” , “O que é que o Menino Jesus te deixou no sapatinho?”.

 O Pai Natal deve ser filho dele. Só o comecei a ver quando já apreciava a inocência dos outros.  Tive de ler as histórias sobre as suas viagens pelo mundo, não sabia que os Elfos o ajudavam e só quando tive netas soube que era preciso deixar “oats and glittering sprinkles”, que recordo a minha filha ter deitado no jardim ao fim do dia, para que as renas encontrassem a casa e comessem mais um bocadinho para continuar o seu caminho.

Já tinham cá chegado os filmes e a Coca-Cola, com o Pai Natal a entrar pelas chaminés, sem exaustores.

Felizmente em minha casa ainda há só chaminé!

 

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