Fábrica de Asneiros (ou Fábrica do Jacintho)
Fábrica do Jacinto
na Rua da Torrinha
O núcleo de asneiros compreendia a Rua da Paz, a Rua da Saudade e a Rua de São Paulo, onde as "ilhas" se sucediam umas às outras, para dar abrigo ao incremento do operariado naquela zona da cidade.
Hoje, venho para a frente deste núcleo – a Torrinha. Quando
nos anos 60 eu por lá andava, a fábrica de Asneiros já estava abandonada,
embora o exterior das instalações para a rua da Torrinha, pegado aos armazéns
do Marques Pinto, estivesse em óptimas condições.
Há informação que situa as raízes desta fábrica, na Fábrica
do Jacinto na rua da Paz, ou seja, nas traseiras das casas da Torrinha e que a
classifica como a mais antiga da cidade, tendo tido até a primeira máquina a
vapor aplicada ao sector têxtil algodoeiro.
O pai, Jacinto da Silva Pereira, natural de São Vicente de Pereira, começou como aprendiz na Fábrica de Bernardo de Clamouse Browne e Comp.", e quando a Colegiada de Cedofeita começou a emprazar os Passais (terrenos e hortas junto da igreja), Jacinto foi foreiro da Colegiada em 1804, sendo-lhe emprazados três chãos para casas e quintais nos Passais de Baixo. Aí residiu no caminho de Asneiros (antiga designação da Rua da Paz) e montou uma fábrica de tecelagem manual que passou a ser conhecida pela “Fábrica de Asneiros” nuns armazéns anexos à casa. A fábrica foi-se alargando e a partir de 1836, passa a ter o apoio importante do seu filho, António da Silva Pereira Magalhães que se viria a tornar famoso. (info recolhida em https://portoarc.blogspot.com/)
A Fábrica de tecelagem, que eu conheci, foi fundada em 1850
e já era propriedade de António Pereira de Magalhães, o industrial
têxtil mais conhecido do Norte, que herdou a fábrica do pai Jacinto, e que se
notabilizou como um industrial do proteccionismo contra os livre-cambistas. A
fábrica ardeu em 1863, foi reconstruída e voltou a arder em 1886 – mas foi uma
fábrica modelo na cidade - «empregava 161 operários (sendo que a maioria
era masculina, com a idade mínima 8 anos de idade (!!!); as mulheres eram
todas analfabetas e os homens “quasi todos”». Mas a produção não ficava só dentro
de portas. A fábrica dava ainda fio a tecer fora, a mais de 850 tecelões,
espalhados pela cidade e arredores, com os seus teares caseiros.
Jacinto da Silva Pereira Magalhães (1860- 1935), neto de
Jacinto da Silva Pereira fundador da Fábrica de Asneiros, que haveria de vir a
ser Presidente da Câmara do Porto, constituiu sociedade com os Irmãos Marinhos
na gestão da fábrica da Torrinha, tendo até recebido a vista real. Veja-se na
foto seguinte, o rei D. Manuel II (3º a contar da esquerda) acompanhado dos
donos da fábrica: Jacinto Magalhães, António da Silva Marinho e António José
Gomes Samagaio.
Visita real à
Fábrica da Torrinha
Lembre-se que os irmãos Marinhos geriam outra fábrica
importante na rua da Piedade, conhecida por Fábrica
de Fazendas de Algodão e Linho da firma Marinho & Irmão, a
célebre Fábrica dos Marinhos (“Marinhos” que até se tinham associado
aos “Jacintos”): a fábrica era contígua à Fábrica de Cerveja da CUFP que ficava
mesmo na esquina da Rua de Júlio Dinis.
Fábrica dos Marinhos
(Tecelagem) – Rua da Piedade
Da minha criação, é a dita Fábrica dos Marinhos, local de
trabalho de todas as pataqueiras que vinham pela rua abaixo e lá
entravam na drogaria depois do turno, para levar o quartilho e meio de petróleo
e os cinco tostões de palha d’aço para casa. As mais atrevidotas queriam um
sabonete para "as partes não andarem a cheirar a bacalhau", umas "camisas sem
mangas’" (que nunca compravam, eles que levassem as “caixas de fósforos”) ou mesmo
um frasco de tabu para o domingo. À segunda-feira, lá tinham que levar dez
tostões de alvaiade de chumbo para juntar com água-ardente e dissimular as
negras que o homem lhe fizera no fim de semana, quando chegava a casa do tasco
e "não vinha só".
Mas um pouco da história desta fábrica não faz mal a
ninguém. Pessoalmente conheci muitos operários e operárias, nossos clientes
diários. Desde fogueiros, maquinistas, fiandeiras, cardadeiras, penteadeiras,
caneleiras, tecedeiras, tintureiros, costureiras, revistadeiras e acabadeiras,
enfim um sem número de diferentes profissões.
Um habitué era o Senhor Álvaro, fogueiro, nosso cliente de
cartões. Na drogaria, tínhamos um tipo de vendas pré-pago a prestações – "os
cartões" – que funcionava do seguinte modo: cada cliente podia comprar o número
de cartões que desejasse, numerados de 00 a 99. Portanto as nossas séries eram
de 100 cartões, pagavam semanalmente 2$50, durante um máximo de 30 semanas.
Todas as sextas-feiras, um cartão era premiado, pelos dois últimos números do
1.º prémio da Lotaria Nacional. O cliente premiado deixava de pagar o cartão e
tinha direito a 60$00 de compras. Os mais desafortunados tinham sempre um
prémio de consolação – 55$00 de compras no final do cartão. Ora o dito fogueiro
tinha sempre reservado meia dúzia deles – números certos – do 33 ao
38.
A fábrica ficava também no meu caminho da “volta”. Pouco se
vislumbrava lá para dentro, as janelas tinhas os vidros cobertos de rede e estavam
tão enegrecidas que nada transpareciam; o portão principal, quase sempre aberto,
era por onde se espreitava, mas pouca azáfama revelava, a sirene, os fumos e os
barulhos das máquinas é que nos faziam imaginar a magia de transformar o
algodão em rama em fios e em pano.
Como toda a indústria do Porto, os “Marinhos” também
acabaram, o nosso comércio sentiu-o bastante, anos a fio ficaram os armazéns
vazios até o Mota transformar todo o quarteirão no empreendimento habitacional
e de serviços Mota Galiza.
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