In https://www.cm-idanhanova.pt/media/21053/G19J1Z2L_CATALOGO_DOCES.pdf
Vou reservar um cantinho para registar memórias dos outros
que não se perdem, porque felizmente um avô ou uma avó vai-as apanhado e deixando
por outros lados, à espera que alguém nelas tropece.
Hoje são meia dúzia de tradições que Josefina Pissara deixou
num programa de rádio do José Candeias. O respeito e a consideração da gente da
aldeia pelos citadinos, que ainda julgam gente importante, vê-se nas pequenas
coisas, que tantas vezes passam ao lado dos olhares menos atentos. Ora, no
decorrer da conversa da Ti Josefina com o Senhor da Rádio, ela quis mais do que
uma vez, deixar lembranças da vizinha, que tinha sido por ele visitada e que
tendo ela posto uma mesa de iguarias, ele comeu simplesmente uma “côdea de
pão sem conduto”. Vejam lá…
Os tempos de fome, por falta de trabalho, quando as aldeias
ficaram desertas, já tinham passado. Agora, eram as visitas dos que vinham da cidade
e já nem encontravam o lagar de azeite da avó, onde em pequenos
mergulhavam a torrada, para provar o azeite a sair da bica. Recordam-se quando
pegavam numa faquinha e com dois ou três golpes retalhavam a azeitona, fosse
ela a cordovil ou a carrasquenha.
A ti Josefina, lembra nos tempos de fome, os dias em que os
homens comiam bem. Era preciso muita força de homem para pegar nos “mongais” e eles
“vingavam-se” na comida. As senhoras faziam-lhe os “ovos da malha” – um grande
alguidar com muito mel por cima.
Imaginei umas boas gemadas com açúcar amarelo, que me davam
quando era pequeno, porque era um pelém e tinha de ganhar côr. Aqui tive de
esperar pela receita para perceber bem a iguaria.
Dizia a Ti Josefina, que estávamos no tempo das malhadas.
Estendiam a eirada. Com molhos de centeio, porque o trigo não se malhava e à
volta ficavam as pegas. Pensamos logo que passarões pretos à cata dos grãos
saltitantes. Aqui as “pegas” eram mulheres vestidas de negro, como os
passarões, armadas de vassourões de giesta, tamugem ou lentisco, para irem
varrendo para dentro os tais grãos que saltavam.
Não faltavam forças aos homens que, antes de começar o
trabalho, tinham ido várias vezes ao alguidar com os ditos “ovos da malha”, que
estava no canto da eira.
A Ti Josefina, além de dar a receita, até aconselha os
restaurantes da zona a oferecê-los como sobremesas, nas suas ementas, e
explicar-lhes as origens. Lá se foi a minha gemada… afinal eram uma espécie de
sonhos feitos só com ovos, farinha e bicarbonato. Eram fritos em azeite e
regados com muito mel. Cá fica a receita dos “ovos da malha” e façam bom
proveito.
Falando em comidas e outras coisas boas, a senhora falou do “pão
leve” que aclarou logo ser uma espécie de “pão de ló”. Mas havia ocasiões e
bocas especiais que a ele tinham direito, a saber - padre, madrinhas e sogra.
Quando alguém ia casar a mãe da noiva faziam um “pão leve” e oferecia aos do
costume, o senhor prior, madrinhas dos noivos e a sogra para lhe adoçar o bico
e não fazer a vida negra à nora.
Nas festas de casamento, toda a gente entrava, pelo menos
partilhavam. Em Penha Garcia, os tremoços eram o chamariz para a partilha. Os
pais da noiva, tinham de tratar do pitéu. Cultivar o tremoço, deixá-lo crescer,
apanhá-lo, levá-lo a curtir nas águas do rio Ponsul, que nasce lá na serra de Penha
Garcia, cozê-lo, salgá-lo e preparar um pratinho de tremoços para cada família
da vizinhança. Em troca, recebiam “uma ajuda” para a boda – um pratinho de
arroz, de farinha, de açúcar, o que pudesse ser.
Havia uma data especial para este ritual – a dos pregões
do meio. Aqui as minhas memórias já encontravam equivalências. Não eram os
pregões, eram os banhos. Por cá “corriam os banhos”, por lá liam-se “os
pregões”. Em ambos os casos, a responsabilidade cabia à Igreja. Na missa
mais concorrida e durante três domingos consecutivos, o padre anunciava à
comunidade a intenção de fulano querer contrair matrimónio com sicrana,
inquirindo assim a assembleia sobre qualquer impedimento civil ou religioso,
que não permitisse tal acto.
Por cá, usa-se um provérbio que desaconselhava a vinda de
alguém de fora – “Quem longe vai casar, ou traz ou vai levar”.
Por lá, eram gente de boas contas. Os pregões eram precisos “não
fosse o noivo dever algo a alguém”.
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