domingo, 8 de dezembro de 2024

O visto e o “oulido” – “Ovos da malha”

 

In https://www.cm-idanhanova.pt/media/21053/G19J1Z2L_CATALOGO_DOCES.pdf

Vou reservar um cantinho para registar memórias dos outros que não se perdem, porque felizmente um avô ou uma avó vai-as apanhado e deixando por outros lados, à espera que alguém nelas tropece.

Hoje são meia dúzia de tradições que Josefina Pissara deixou num programa de rádio do José Candeias. O respeito e a consideração da gente da aldeia pelos citadinos, que ainda julgam gente importante, vê-se nas pequenas coisas, que tantas vezes passam ao lado dos olhares menos atentos. Ora, no decorrer da conversa da Ti Josefina com o Senhor da Rádio, ela quis mais do que uma vez, deixar lembranças da vizinha, que tinha sido por ele visitada e que tendo ela posto uma mesa de iguarias, ele comeu simplesmente uma “côdea de pão sem conduto”. Vejam lá…

Os tempos de fome, por falta de trabalho, quando as aldeias ficaram desertas, já tinham passado. Agora, eram as visitas dos que vinham da cidade e já nem encontravam o lagar de azeite da avó, onde em pequenos mergulhavam a torrada, para provar o azeite a sair da bica. Recordam-se quando pegavam numa faquinha e com dois ou três golpes retalhavam a azeitona, fosse ela a cordovil ou a carrasquenha.

A ti Josefina, lembra nos tempos de fome, os dias em que os homens comiam bem. Era preciso muita força de homem para pegar nos “mongais” e eles “vingavam-se” na comida. As senhoras faziam-lhe os “ovos da malha” – um grande alguidar com muito mel por cima.

Imaginei umas boas gemadas com açúcar amarelo, que me davam quando era pequeno, porque era um pelém e tinha de ganhar côr. Aqui tive de esperar pela receita para perceber bem a iguaria.

Dizia a Ti Josefina, que estávamos no tempo das malhadas. Estendiam a eirada. Com molhos de centeio, porque o trigo não se malhava e à volta ficavam as pegas. Pensamos logo que passarões pretos à cata dos grãos saltitantes. Aqui as “pegas” eram mulheres vestidas de negro, como os passarões, armadas de vassourões de giesta, tamugem ou lentisco, para irem varrendo para dentro os tais grãos que saltavam.

Não faltavam forças aos homens que, antes de começar o trabalho, tinham ido várias vezes ao alguidar com os ditos “ovos da malha”, que estava no canto da eira.

A Ti Josefina, além de dar a receita, até aconselha os restaurantes da zona a oferecê-los como sobremesas, nas suas ementas, e explicar-lhes as origens. Lá se foi a minha gemada… afinal eram uma espécie de sonhos feitos só com ovos, farinha e bicarbonato. Eram fritos em azeite e regados com muito mel. Cá fica a receita dos “ovos da malha” e façam bom proveito.

Falando em comidas e outras coisas boas, a senhora falou do “pão leve” que aclarou logo ser uma espécie de “pão de ló”. Mas havia ocasiões e bocas especiais que a ele tinham direito, a saber - padre, madrinhas e sogra. Quando alguém ia casar a mãe da noiva faziam um “pão leve” e oferecia aos do costume, o senhor prior, madrinhas dos noivos e a sogra para lhe adoçar o bico e não fazer a vida negra à nora.

Nas festas de casamento, toda a gente entrava, pelo menos partilhavam. Em Penha Garcia, os tremoços eram o chamariz para a partilha. Os pais da noiva, tinham de tratar do pitéu. Cultivar o tremoço, deixá-lo crescer, apanhá-lo, levá-lo a curtir nas águas do rio Ponsul, que nasce lá na serra de Penha Garcia, cozê-lo, salgá-lo e preparar um pratinho de tremoços para cada família da vizinhança. Em troca, recebiam “uma ajuda” para a boda – um pratinho de arroz, de farinha, de açúcar, o que pudesse ser.

Havia uma data especial para este ritual – a dos pregões do meio. Aqui as minhas memórias já encontravam equivalências. Não eram os pregões, eram os banhos. Por cá “corriam os banhos”, por lá liam-se “os pregões”. Em ambos os casos, a responsabilidade cabia à Igreja. Na missa mais concorrida e durante três domingos consecutivos, o padre anunciava à comunidade a intenção de fulano querer contrair matrimónio com sicrana, inquirindo assim a assembleia sobre qualquer impedimento civil ou religioso, que não permitisse tal acto.

Por cá, usa-se um provérbio que desaconselhava a vinda de alguém de fora – “Quem longe vai casar, ou traz ou vai levar”.

Por lá, eram gente de boas contas. Os pregões eram precisos “não fosse o noivo dever algo a alguém”.


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