Ontem fui à minha terra e comprei uma regueifa. Tinha
saudades de sabores antigos, quando as várias padarias competiam para
apresentar o melhor produto. As regueifas foram sempre entrançadas e arredondadas,
sem lhes faltar os enfeites – torcidos, espigas, folhas ou rosquinhas. Os
adornos serviam para “tirar a prova” e levar o pão “inteiro” a casa. Com sorte,
ontem, ainda arranjei uma regueifa redonda e de ½ kg porque a família não chega
para uma daquelas de dois quilos de antigamente.
Os vulgares “pão quente” que por aí abundam só se atrevem a
fazer “roscas” ou “tranças”, como dizem lá mais para o norte, fazem o
entrançado mas não arredondam.
As grandes padarias lá da terra eram de três famílias e
todas as semanas eu via chegar as camionetas com carqueja e lenha para os
fornos. Mas o cheiro do pão quente também entrava pela nossa casa, porque a
Beta era nossa vizinha, tinha só uma casa a separar-nos. Só no dia em que a
padaria ardeu é que o cheiro foi mau.
Uma receita tão simples – água, farinha, crescente e sal,
como não é possível fazer igual hoje. A água é lixiviada, as farinhas fraquejam
logo no grão, porque o trigo vem desses confins, onde é produzido com os
melhores pesticidas, adubantes e fertilizantes, para dar o melhor rendimento e a
pior qualidade. E o crescente já não faz fermentar, vem incorporado na farinha,
é só preciso deitar água.
Acabou a reza que a minha avó me ensinou, quando benzia a
massa e dizia: “São Mamede te levede, S. Vicente te acrescente, S. João te
faça pão e te cubra com a sua divina mão.” Não foi por acaso que os
Valonguenses escolheram o S. Mamede para seu padroeiro – o seu pão e biscoitos
oitocentistas tiveram sempre a mão destes santos.
As padeiras de Valongo também gostavam mais de Ermesinde. Aqui,
paravam muito mais comboios que em Valongo, não só os da linha do Douro como
também os da linha do Minho. Pela grande afluência de passageiros, demoravam-se
alguns minutos, tempo suficiente para o negócio. As padeiras vinham com as suas
canastras carregadas de regueifas, tapadas com meio lençol branco que atavam
com uma fita. O local preferido de venda eram as plataformas da Estação de comboios.
Enfiavam, uma dúzia de regueifas em cada braço e iam às janelas do comboio
servir os clientes. “Merca reguei….faaa”, “Olhá regueifa de Valonnn… go!”. Quando
o comboio partia, às vezes ainda tinham de ir apanhar uma ou outra moeda que
tinha caído à linha, no meio das pedras.
Voltando aos sabores, a minha preferida foi sempre a
regueifa da Ramadinha, de Ermesinde. A padaria já não existe. As águas lá em
cima eram mais limpas, boas farinhas mas havia um segredo – a manteiga. A
regueifa já levava manteiga na massa. Era um crime chegar a casa, com a
regueifa ainda quente derreter-lhe mais manteiga por cima. Quem o fazia?...
Chegava a que tinha.
Se quisesse ser crescido, então no Outono ou no Inverno,
comia-se com nozes e como o povo dizia:
“Regueifa com nozes sabe a casar”. Também acho que casava
muito bem.
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