segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Ontem fui à minha terra e comprei uma regueifa.

 

Ontem fui à minha terra e comprei uma regueifa. Tinha saudades de sabores antigos, quando as várias padarias competiam para apresentar o melhor produto. As regueifas foram sempre entrançadas e arredondadas, sem lhes faltar os enfeites – torcidos, espigas, folhas ou rosquinhas. Os adornos serviam para “tirar a prova” e levar o pão “inteiro” a casa. Com sorte, ontem, ainda arranjei uma regueifa redonda e de ½ kg porque a família não chega para uma daquelas de dois quilos de antigamente.

Os vulgares “pão quente” que por aí abundam só se atrevem a fazer “roscas” ou “tranças”, como dizem lá mais para o norte, fazem o entrançado mas não arredondam.

As grandes padarias lá da terra eram de três famílias e todas as semanas eu via chegar as camionetas com carqueja e lenha para os fornos. Mas o cheiro do pão quente também entrava pela nossa casa, porque a Beta era nossa vizinha, tinha só uma casa a separar-nos. Só no dia em que a padaria ardeu é que o cheiro foi mau.

Uma receita tão simples – água, farinha, crescente e sal, como não é possível fazer igual hoje. A água é lixiviada, as farinhas fraquejam logo no grão, porque o trigo vem desses confins, onde é produzido com os melhores pesticidas, adubantes e fertilizantes, para dar o melhor rendimento e a pior qualidade. E o crescente já não faz fermentar, vem incorporado na farinha, é só preciso deitar água.

Acabou a reza que a minha avó me ensinou, quando benzia a massa e dizia: “São Mamede te levede, S. Vicente te acrescente, S. João te faça pão e te cubra com a sua divina mão.” Não foi por acaso que os Valonguenses escolheram o S. Mamede para seu padroeiro – o seu pão e biscoitos oitocentistas tiveram sempre a mão destes santos.

As padeiras de Valongo também gostavam mais de Ermesinde. Aqui, paravam muito mais comboios que em Valongo, não só os da linha do Douro como também os da linha do Minho. Pela grande afluência de passageiros, demoravam-se alguns minutos, tempo suficiente para o negócio. As padeiras vinham com as suas canastras carregadas de regueifas, tapadas com meio lençol branco que atavam com uma fita. O local preferido de venda eram as plataformas da Estação de comboios. Enfiavam, uma dúzia de regueifas em cada braço e iam às janelas do comboio servir os clientes. “Merca reguei….faaa”, “Olhá regueifa de Valonnn… go!”. Quando o comboio partia, às vezes ainda tinham de ir apanhar uma ou outra moeda que tinha caído à linha, no meio das pedras.

Voltando aos sabores, a minha preferida foi sempre a regueifa da Ramadinha, de Ermesinde. A padaria já não existe. As águas lá em cima eram mais limpas, boas farinhas mas havia um segredo – a manteiga. A regueifa já levava manteiga na massa. Era um crime chegar a casa, com a regueifa ainda quente derreter-lhe mais manteiga por cima. Quem o fazia?... Chegava a que tinha.

Se quisesse ser crescido, então no Outono ou no Inverno, comia-se com nozes e como o povo dizia:

“Regueifa com nozes sabe a casar”. Também acho que casava muito bem.

PS. Já agora comprei a regueifa, na terceira padaria da terra, não digo o nome, deixo só este painel pisteiro, porque sou amigo e bati-lhe à porta…




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