quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Casas onde se comia bem

 

Reforço o tempo verbal, porque não me cabe influenciar ninguém, nem promover qualquer recanto “restaurador” como hoje querem dizer. Prefiro trazer à superfície as sugestões de outros tempos, que agora podem provocar desdém ou quiçá água na boca.

Uma boa refeição não começava com amuse-bouche, canapés ou hors-d’oeuvres, se estivéssemos só a pensar na cuisine française.

Não, nada disso. Comecemos com um caldinho quente. Prepara o estômago para o que vier e um bom sítio ficava no largo do Carmo, mesmo em frente ao quartel a Guarda Municipal. O nome do sítio não enganava ninguém – era o Caldos de Gallinha, mas depois da canjinha, ninguém resistia às Tripas à Portuguesa, que eram uma especialidade. Curioso que não eram “à moda do Porto”. Recordo as casas de pasto da minha meninice, que às 4.ªs ou 5.ªs feiras, punham na montra o letreiro “Hoje Há Tripas”.

O peixe, dizia-se que “não puxava carroça”, mas desta vez vamos procurar animais de respeito à Cascata, na Praça Nova. Eles tinham uma pescada frita de encher o olho. Dizia-se que era a casa que comprava as maiores pescadas. Os cronistas da época esticavam muito os braços – diziam que tinha pescadas de dois metros. Cá para mim, já ficava feliz com as pescadas da Póvoa que as pescadeiras seguravam pelas guelras e vendiam em frente ao casino – um metro bem medido.

Alguns comensais preferiam ir comer o peixe frito e salada ao Reimão, que ficava ali a seguir a S. Lázaro, depois de terem apreciado as senhoras a passear no jardim. Outros iam mais longe, à Ponte da Pedra, à Casa Ferreira, à procura do ensopado de enguias, porque a Estalagem lá do sítio era mais para ir com as coristas e as actrizes do teatro.

Bocas diziam que “quem carne come, carne cria, livra-te do peixe, que é criado na água fria”. Esses tinham de procurar pratos mais substanciais e um bom bife sempre atraiu. Ali na rua do Bonjardim, o Lisbonense fazia uns bifes de cebolada que eram de comer e chorar por mais. Boa alternativa era ir mais para baixo, onde tínhamos uma boa casa à nossa espera – o Malhão, com uma “bella vitella ensopada”- um peito de vitela com batatinha nova e ervilhas de quebrar.

Se querem um bom conselho, procurem junto das estações dos comboios. O cliente vai com pressa e se for bem servido volta, porque das viagens também volta. Na Rotunda (para os de cá já sabem que é da Boavista, porque Praça Mouzinho de Albuquerque é só para assinalar nos mapas) havia o Sentieiro. Ficava mesmo junto à estação, tinha um agradável jardim nas traseiras e era tão famoso pelos seus petiscos como pelas suas ceias.

Outro sítio onde se deve procurar é junto de feiras e mercados. Encontrei em [O Tripeiro. - Porto. - Série 3, Ano 2, nº 39 (1927), p. 237] um anúncio de página inteira da Cozinha Económica, junto ao Mercado do Anjo.

Não resisto a deixar aqui as regras fundamentais para quem quiser abrir uma casa de bem comer, que nos dias que correm tanta falta fazem. Esqueçam o acordo ortográfico e concentrem-se nos sublinhados, que nem são meus:

E como hoje é Quinta-feira destaco:

«Tripas com grão de bico ou feijão, chispe, mão de boi, chouriço, etc, a 40 réis cada ração. – Barateza excepcional

Acho que tenho de deixar aqui o anúncio inteiro, porque há muito por onde escolher e ideias para cozinhar.


Como estamos perto do mercado, um saltinho ali à Praça de Santa Teresa, onde faziam a feira do pão e onde ficava o João do Buraco. Ainda hoje, o Bacalhau à João do Buraco figura aí por muitos livros das 100 receitas de cozinhar bacalhau. Respingo uma descrição feita em [O Tripeiro. - Porto. - Série 3, Ano 1, nº 7 (1926), p. 110-111]:

« […] aquillo foi durante muito annos uma reles taberna onde comiam os almocreves, as hortaliceiras e as padeiras que vinham de Avintes e de Valongo para o Anjo. Com o tempo, tomou o nome de restaurante e celebrizou-se pelo seu bacalhau assado na braza, com batatas, alhos, bom azeite e azeitonas pretas […]».

Já que acabamos com feiras e mercados, lembrem-se que devem evitar os almoços de negócios. Para o justificar, respingo do mesmo sítio, uma frase a este respeito:

«Nos restaurantes de 1949 a ementa não varia. Todos servem os mesmos pratos e de qualquer maneira - a freguesia não é exigente. Eles não vão para comer, vão para ver se comem os outros. Negócios… Negócios…».


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