Reforço o tempo verbal, porque não me cabe influenciar
ninguém, nem promover qualquer recanto “restaurador” como hoje querem dizer.
Prefiro trazer à superfície as sugestões de outros tempos, que agora podem
provocar desdém ou quiçá água na boca.
Uma boa refeição não começava com amuse-bouche, canapés
ou hors-d’oeuvres, se estivéssemos só a pensar na cuisine française.
Não, nada disso. Comecemos com um caldinho quente. Prepara o
estômago para o que vier e um bom sítio ficava no largo do Carmo, mesmo em
frente ao quartel a Guarda Municipal. O nome do sítio não enganava ninguém –
era o Caldos de Gallinha, mas depois da canjinha, ninguém
resistia às Tripas à Portuguesa, que eram uma especialidade. Curioso que
não eram “à moda do Porto”. Recordo as casas de pasto da minha meninice, que às
4.ªs ou 5.ªs feiras, punham na montra o letreiro “Hoje Há Tripas”.
O peixe, dizia-se que “não puxava carroça”, mas desta
vez vamos procurar animais de respeito à Cascata, na Praça Nova. Eles
tinham uma pescada frita de encher o olho. Dizia-se que era a casa que
comprava as maiores pescadas. Os cronistas da época esticavam muito os braços –
diziam que tinha pescadas de dois metros. Cá para mim, já ficava feliz com as pescadas
da Póvoa que as pescadeiras seguravam pelas guelras e vendiam em frente ao
casino – um metro bem medido.
Alguns comensais preferiam ir comer o peixe frito e
salada ao Reimão, que ficava ali a seguir a S. Lázaro, depois de
terem apreciado as senhoras a passear no jardim. Outros iam mais longe, à Ponte
da Pedra, à Casa Ferreira, à procura do ensopado de enguias,
porque a Estalagem lá do sítio era mais para ir com as coristas e as actrizes
do teatro.
Bocas diziam que “quem carne come, carne cria, livra-te
do peixe, que é criado na água fria”. Esses tinham de procurar pratos mais
substanciais e um bom bife sempre atraiu. Ali na rua do Bonjardim, o Lisbonense
fazia uns bifes de cebolada que eram de comer e chorar por mais. Boa
alternativa era ir mais para baixo, onde tínhamos uma boa casa à nossa espera –
o Malhão, com uma “bella vitella ensopada”- um peito de vitela
com batatinha nova e ervilhas de quebrar.
Se querem um bom conselho, procurem junto das estações dos
comboios. O cliente vai com pressa e se for bem servido volta, porque das
viagens também volta. Na Rotunda (para os de cá já sabem que é da Boavista,
porque Praça Mouzinho de Albuquerque é só para assinalar nos mapas) havia o Sentieiro.
Ficava mesmo junto à estação, tinha um agradável jardim nas traseiras e era tão
famoso pelos seus petiscos como pelas suas ceias.
Outro sítio onde se deve procurar é junto de feiras e
mercados. Encontrei em [O
Tripeiro. - Porto. - Série 3, Ano 2, nº 39 (1927), p. 237] um
anúncio de página inteira da Cozinha Económica, junto ao Mercado do
Anjo.
Não resisto a deixar aqui as regras fundamentais para quem
quiser abrir uma casa de bem comer, que nos dias que correm tanta falta fazem.
Esqueçam o acordo ortográfico e concentrem-se nos sublinhados, que nem são
meus:
E como hoje é Quinta-feira destaco:
«Tripas com grão de bico ou feijão, chispe, mão de boi,
chouriço, etc, a 40 réis cada ração. – Barateza excepcional.»
Acho que tenho de deixar aqui o anúncio inteiro, porque há
muito por onde escolher e ideias para cozinhar.
Como estamos perto do mercado, um saltinho ali à Praça de
Santa Teresa, onde faziam a feira do pão e onde ficava o João do Buraco.
Ainda hoje, o Bacalhau à João do Buraco figura aí por muitos livros das 100
receitas de cozinhar bacalhau. Respingo uma descrição feita em [O Tripeiro. - Porto. - Série 3, Ano 1,
nº 7 (1926), p. 110-111]:
« […] aquillo foi durante muito annos uma reles taberna
onde comiam os almocreves, as hortaliceiras e as padeiras que vinham de Avintes
e de Valongo para o Anjo. Com o tempo, tomou o nome de restaurante e
celebrizou-se pelo seu bacalhau assado na braza, com batatas, alhos, bom azeite
e azeitonas pretas […]».
Já que acabamos com feiras e mercados, lembrem-se que devem
evitar os almoços de negócios. Para o justificar, respingo do mesmo sítio, uma
frase a este respeito:
«Nos restaurantes de 1949 a ementa não varia. Todos servem os mesmos pratos e de qualquer maneira - a freguesia não é exigente. Eles não vão para comer, vão para ver se comem os outros. Negócios… Negócios…».
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