Hoje em dia, passeamos na baixa do Porto e vemos edifícios do dezoito e do dezanove, onde “foi tudo abaixo” e ficou a fachada com um hotel lá dentro ou então estão demasiado “maduros” por não terem sido “amparados” durante muitos anos.
Mais interessante será procurar ir até à fundação deste
imobiliário. Estudar ali a “alta baixa” que foi coutada clériga, terra árida e
ventosa, distribuída a frades e freiras, para nelas construírem os seus mosteiros
e conventos.
Vamos começar por ficar mais cá por cima, junto ao último
moinho de vento e olhar em redor. Para aqui chegarmos, com vontade até de ir
degustar algum petisco ao antigo solar, vamos pelo Caminho do Moinho de
Vento, que em 1647, partia “do terreiro e Ermida da Graça para a estrada de
Santo Ovídio”. Em toponímia actual, vamos pela rua de Sá Noronha que nos leva à
rua Mártires da Liberdade”. Mas fiquemos pela praça ali ao lado. Como por ali
moeram grão não é de admirar que a feira da farinha e a feira do pão
se estabelecessem neste alto.
O nosso amigo Germano descobriu as posturas municipais de
1584 que obrigavam “as medideiras da feira do pão a vir para o meio da praça
medir as gamelas”, à vista de todos e não metidas dentro de casas. Segundo
ele, era uma medida preventiva para evitar roubos e falcatruas, em tempos que o
povo fazia de ASAE, digo eu.
Falta-nos saber se à data já seria o Largo do Carmo
para a venda da farinha e o Largo do Calvário para a venda do pão.
Mais uma vez os topónimos põem-nos a pensar. Ainda hoje
dizemos – “Vou ali ao Carmo”, os eléctricos tinham a placa de destino “CARMO“ e
perguntamos, porquê “Carmo”?
Parece que o topónimo se estendia ao largo, desde a esquina
da actual praça Guilherme Gomes Fernandes até lá baixo ao Hospital de Santo
António. Quem o motivava era precisamente o Convento do Carmo (hoje
instalações da Guarda Nacional Republicana) que incluía a actual Igreja do Carmo,
demarcando assim uma grande praça e a rua do Carmo até ao hospital.
O outro largo, actual praça Guilherme Gomes Fernandes,
começou por ser do Calvário. Nesse tempo, seria Campo do Calvário ou Campo
da Via Sacra, onde se situava a última estação da Via Sacra do Porto, que
começava perto do Convento de Santa Clara, à Porta do Sol, atravessava para a
rua Chã, descia a rua do Loureiro até à capela de S. Lourenço, junto ao
Convento de S. Bento da Avé Maria, para subir a colina, por um caminho onde seria
aberta a rua da Fábrica, até chegar ao cruzeiro do Senhor dos Assobios
na actual praça do Bombeiro.
Já agora, este Campo do Calvário ficou conhecido como Calvário
Velho, depois de a última estação ter mudado para o Monte do Olival, ali
para as Taipas, na rua que durante muitos anos foi do Calvário (Novo) e hoje é
do Dr. Barbosa de Castro, onde também querem construir um hotel na casa onde
nasceu Almeida Garrett.
Um parêntesis para aquele Senhor dos Assobios. Primeiro, hei-de
estudar a razão do topónimo. Segundo, parece que encimava um cruzeiro que estava
junto de uma capela, em honra de Nossa Senhora da Graça, mandada construir por
D. Afonso Henriques, por sua mulher D. Mafalda ter caído do cavalo e nada
sofrer. O cruzeiro foi depois para o Campo do Calvário e quando construíram o
Convento das Carmelitas, em 1701, passou para o Recolhimento do Anjo e acabou no
cemitério do Prado do Repouso.
Ora passemos então para o convento das Carmelitas que vais
estar na fundação do “Quartier” das ditas. O Convento de S.
José e Santa Teresa das Carmelitas Descalças foi começado a construir em
1701 e em 1704 já era habitado por 21 religiosas.
Há quem o descreva com palavras estranhas – “… a sua
igreja é um devotíssimo santuário; as festividades que nela se celebram, o
aceio (sic), a gravidade, o silêncio e a modéstia, tudo infunde um sagrado
terror.”
Os padres carmelitas descalços já calcorreavam aquelas
terras há mais de oitenta anos. Em 1619, construíram o seu mosteiro, onde hoje
está instalado o Quartel do Carmo da GNR.
As religiosas, antes de os Liberais as mandarem sair (1834),
já tinham abandonado o Convento – fugiram às tropas e foram apanhadas.
Com o convento e igreja abandonados durante anos, chegou a
altura de aproveitar algumas alfaias para outras igrejas e outros sítios.
Destaque para a fonte do claustro do convento que foi levada para o mercado do Anjo
e outra fonte com três carrancas, que aproveitaram duas para os jardins do Palácio
de Cristal.
Demolido o convento, os terrenos que incluíam uma enorme
cerca foram aproveitados em 1903, para dar origem ao conjunto habitacional hoje
compreendido entre a rua das Carmelitas, rua Cândido dos Reis, rua da Fábrica e
Praça Guilherme Gomes Fernandes – o Bairro das Carmelitas, ou como eu
lhe chamei o “Quartier”. Pelo meio ainda abriram outra artéria –
a Galeria de Paris, para onde projectaram uma galeria comercial coberta com
vidro à semelhança de outras cidades europeias. Parece ter sido o receio do mau
comportamento dos vizinhos dos últimos andares, que atirassem lixo para cima
dos vidros da galeria, que dissuadiram os empreendedores e não realizaram o
projecto.
Um resumo toponímico para esta praça. Em 1650, chamavam-lhe Campo
da Cancela Velha. Depois Campo da Via Sacra ou Calvário Velho. Com o
convento em frente desde os inícios de 1700, seria Largo e Praça de Santa
Teresa, em homenagem à matriarca. Pela actividade comercial aí desenvolvida
ficaria conhecida como Praça do Pão.
Com a construção do Bairro das Carmelitas, as barracas da
venda do pão começaram a ser retiradas e em 26 de Maio de 1909 dá-se o fecho
definitivo da feira de Santa Teresa. As padeiras foram transferidas para o mercado
do Anjo, inaugurado muito antes, em 9 de Julho de 1839, indo ocupar a ala sul
do mercado.
A praça agora de Santa Teresa vai ter novo patrono.
Em 1888, um grande incêndio destruiu o Teatro Baquet, tendo morrido dezenas de
pessoas e muitas outras foram salvas pelos Bombeiros Voluntários do Porto. O
seu comandante, Guilherme Gomes Fernandes, já não viu reconhecido o
trabalho da sua corporação, porque já tinha falecido quando em 1915 inauguraram
o seu busto e atribuíram o seu nome à praça, que se mantém nos dias de hoje[AC1] .
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