segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

O lenço de mão

 

Aproxima-se o Natal, a reunião da família, os doces, o bacalhau e as prendas…

Voltando ao passado, a maior fatia dos presentes era roupa, para reforçar as defesas contra o frio do inverno. Em muitos casos, eram as benditas meias que figuravam como imprescindíveis. Hoje, a figura maior nestas minhas cogitações vai ser o lenço. Posso começar pelo lenço de assoar, que fez falta a uma criancinha hoje na feira. Eu não me apercebi, porque estava a encher um saco de tangerinas. A criança precisava de um lenço, a mãe não tinha, a vendedeira também não, ouvi-a dizer “Vou ali à padeira pedir um guardanapo.” E vejo a minha mulher a oferecer-lhe um lencinho de papel cor-de-laranja. Acabou a história e começa outra.

Já agora um parêntesis – a padeira tinha uma dúzia de sacos de papel com os seus segredos fechados. Disse-me que fazia o pão como a mãe lhe ensinara, mas agora juntava-lhe muitas sementes e espalhava-lhe umas folhas de erva-príncipe pelo meio, para perfumar. Cozia a lenha, ainda em cima de uma folha de couve, como se fazia em minha casa. Na verdade, o sabor que mais notei foi o da côdea, que sabia a couve galega. Benditas terras das “Arcas” que não deixam cair a tradição.

Fechadas as compras, voltemos aos lenços. Primeiro os de assoar. Conforme a qualidade, podiam comprar-se à dúzia ou à unidade, devidamente embalados em envelopes de celofane, com uma mini carta de jogar, como brinde.

Nunca se saía de casa sem um ou dois lenços no bolso. Não falemos de questões de higiene, nem como ficavam aqueles panos quando andávamos constipados. Pensemos neles apenas, devidamente passados a ferro e dobradinhos.

Ainda recordo uns lenços enormes, vermelhos, de pano mais grosso – eram os tabaqueiros – que só os velhotes usavam. Eram tabaqueiros, porque serviam para limpar os espirros do tabaco de rapé que “aspiravam”. Eu gostava de usar esses lenços à “cowboy”, dobrados em bico e atados atrás do pescoço, com um ou dois nós e a tapar o nariz. Hoje são acessórios folclóricos.

os lenços de senhora eram de cambraia fina e quase metade do tamanho dos dos homens. Mais bonitos e mais cheirosos, já que passava por eles água de colónia.

Quanto a lenços pequenos, também os havia para usar no bolso do casaco, com uma técnica de dobragem em dois ou três bicos, única parte que ficava à mostra.

Hoje ficam de fora os lenços de pescoço e da cabeça, porque sozinhos dão outro tratado de cachené. Só duas palavras sobre os “lenços de amor” ou “lenços de namorados”, de Viana e de outras terras minhotas, com bordados tão bonitos e com aqueles dizeres vindos do coração.

A utilização social do lenço, sem ser para assoar o nariz, merecia outro tratado. Desde as manhas de deixar cair o lenço, às amabilidades de oferecer um lenço para socorrer um pequeno imprevisto, ou até um escorregão na calçada, para tudo o lenço servia. Nos momentos mais emotivos, o lenço estava lá – na tristeza e na alegria – dos funerais ao casamento, ou até nas “fitas” que víamos no escurinho do cinema. Recordo a minha filha que no dia de casamento, ofereceu um lencinho a todos os convidados jovens, para dizerem adeus à boa vida de solteiros.

O lenço branco, na simbologia do adeus, sempre apareceu para acenar ou à Virgem ou aos que partiam no comboio ou no barco, para a guerra. Mais prosaicamente, ainda hoje servem para despedir treinadores, mesmo com lenços de papel.

Finalmente, dois provérbios e a sua simbologia. “Pelo São Lourenço vai à vinha e enche o lenço”. Pelo São Tiago, eu já olhava para os cachos, porque “pintava o bago”. Pelo São Lourenço já era possível apanhar uns baguitos maduros.

Dar lenços é apartação”. Isto significava que não se devia oferecer lenços de prenda às pessoas de quem gostávamos, porque corríamos o risco de se separarem de nós. Mas havia um antídoto para tal acto – na caixinha dos lenços, punha-se uma moeda de tostão e resolvia-se a “apartação”.

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