Aproxima-se o Natal, a reunião da família, os doces, o
bacalhau e as prendas…
Voltando ao passado, a maior fatia dos presentes era roupa,
para reforçar as defesas contra o frio do inverno. Em muitos casos, eram as benditas
meias que figuravam como imprescindíveis. Hoje, a figura maior nestas minhas
cogitações vai ser o lenço. Posso começar pelo lenço de assoar, que fez
falta a uma criancinha hoje na feira. Eu não me apercebi, porque estava a
encher um saco de tangerinas. A criança precisava de um lenço, a mãe não tinha,
a vendedeira também não, ouvi-a dizer “Vou ali à padeira pedir um guardanapo.” E
vejo a minha mulher a oferecer-lhe um lencinho de papel cor-de-laranja. Acabou
a história e começa outra.
Já agora um parêntesis – a padeira tinha uma dúzia de sacos de
papel com os seus segredos fechados. Disse-me que fazia o pão como a mãe lhe
ensinara, mas agora juntava-lhe muitas sementes e espalhava-lhe umas folhas de erva-príncipe
pelo meio, para perfumar. Cozia a lenha, ainda em cima de uma folha de couve,
como se fazia em minha casa. Na verdade, o sabor que mais notei foi o da côdea,
que sabia a couve galega. Benditas terras das “Arcas” que não deixam cair a
tradição.
Fechadas as compras, voltemos aos lenços. Primeiro os de assoar.
Conforme a qualidade, podiam comprar-se à dúzia ou à unidade, devidamente
embalados em envelopes de celofane, com uma mini carta de jogar, como brinde.
Nunca se saía de casa sem um ou dois lenços no bolso. Não
falemos de questões de higiene, nem como ficavam aqueles panos quando andávamos
constipados. Pensemos neles apenas, devidamente passados a ferro e dobradinhos.
Ainda recordo uns lenços enormes, vermelhos, de pano mais
grosso – eram os tabaqueiros – que só os velhotes usavam. Eram tabaqueiros,
porque serviam para limpar os espirros do tabaco de rapé que “aspiravam”. Eu
gostava de usar esses lenços à “cowboy”, dobrados em bico e atados atrás do
pescoço, com um ou dois nós e a tapar o nariz. Hoje são acessórios folclóricos.
Já os lenços de senhora eram de cambraia fina
e quase metade do tamanho dos dos homens. Mais bonitos e mais cheirosos, já que
passava por eles água de colónia.
Quanto a lenços pequenos, também os havia para usar no bolso
do casaco, com uma técnica de dobragem em dois ou três bicos, única parte que
ficava à mostra.
Hoje ficam de fora os lenços de pescoço e da cabeça,
porque sozinhos dão outro tratado de cachené. Só duas palavras sobre os “lenços
de amor” ou “lenços de namorados”, de Viana e de outras terras
minhotas, com bordados tão bonitos e com aqueles dizeres vindos do coração.
A utilização social do lenço, sem ser para assoar o nariz,
merecia outro tratado. Desde as manhas de deixar cair o lenço, às amabilidades
de oferecer um lenço para socorrer um pequeno imprevisto, ou até um escorregão na
calçada, para tudo o lenço servia. Nos momentos mais emotivos, o lenço estava
lá – na tristeza e na alegria – dos funerais ao casamento, ou até nas “fitas”
que víamos no escurinho do cinema. Recordo a minha filha que no dia de casamento,
ofereceu um lencinho a todos os convidados jovens, para dizerem adeus à boa
vida de solteiros.
O lenço branco, na simbologia do adeus, sempre apareceu para
acenar ou à Virgem ou aos que partiam no comboio ou no barco, para a guerra. Mais
prosaicamente, ainda hoje servem para despedir treinadores, mesmo com lenços de
papel.
Finalmente, dois provérbios e a sua simbologia. “Pelo São
Lourenço vai à vinha e enche o lenço”. Pelo São Tiago, eu já olhava para os
cachos, porque “pintava o bago”. Pelo São Lourenço já era possível apanhar uns
baguitos maduros.
“Dar lenços é apartação”. Isto significava que não se
devia oferecer lenços de prenda às pessoas de quem gostávamos, porque corríamos
o risco de se separarem de nós. Mas havia um antídoto para tal acto – na caixinha
dos lenços, punha-se uma moeda de tostão e resolvia-se a “apartação”.
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