sexta-feira, 13 de dezembro de 2024

O triunfo de D. Manuel

Rua do Triunfo, rua do Heroísmo, rua da Firmeza, rua da Alegria, rua da Restauração … (rua da Lealdade) são designações toponímicas encomiásticas da vitória liberal na cidade do Porto. Deixei propositadamente entre parênteses a “Lealdade”, um valor tão querido aos apoiantes de D. Pedro, mas esta designação não faz parte deste conjunto de alterações. A actual rua de Álvaro de Castelões, visconde, engenheiro, colonialista, nada teve a ver com o liberalismo, nem a anterior designação desta artéria, que ganhou o nome de uma fábrica de tabaco existente ali por perto, já em Costa Cabral, a fábrica “A Lealdade” - que quando a conheci era jardim de infância da OSMEC, obra social do ministério para quem eu trabalhava.

Fábrica de Tabaco “A Lealdade”
Por hoje, vou fixar-me apenas no “Triunfo”. A rua já existia antes de ser renomeada. Era uma das saídas da Porta do Olival, que não descia a Restauração mas ia mais por cima, em direcção à Foz. O Hospital de Santo António atravessou-se-lhe no caminho e só começa a ser rua, depois, em direção à quinta da Torre da Marca, onde foi construído o Palácio de Cristal. Como a rua Júlio Dinis ainda não tinha sido aberta, o caminho era pela velha rua de Vilar, continuando pela rua da Rainha D. Estefânia, Campo Alegre… Mas estamos a alongar-nos, porque a designação da rua ficava pela Torre da Marca. Mais acima, em data setecentista, pouco precisa, começaram a construir uns aquartelamentos militares, que vão originar o nome da artéria durante muitos anos – rua dos Quartéis. Estas raízes bélicas agarram-se ao solo e demorou muitos anos a plantar por ali o estabelecimento de saúde que hoje existe. Destruídos os aquartelamentos, um imóvel oitocentista, ocupou grande parte da rua e os militares também. Primeiro o regimento de Infantaria 6, depois o Batalhão de Metralhadoras 3 e quando eu começo a passar por lá, o quartel era conhecido como o CICA 1 - (Centro de Instrução de Condutores Auto). Era um bom sítio para ir fazer a tropa, porque pelo menos saía-se de lá com a carta de condução. Lembro-me de passar por tantos instruendos em jipes ou camionetes, com a matrícula ME, que distinguia todos os veículos do Ministério do Exército. Mais tarde pelo 25 de Abril, o quartel desempenha papel relevante como posto de comando alternativo, com o Quartel General. Para mim o espaço teve mais uma letra - era o CICAP, que durante muitos anos depois do incêndio na reitoria dos Leões, foi sede da Reitoria da Universidade do Porto.

Falando em ensino, até um liceu poderia ter ficado por ali. O arquitecto Marques da Silva, em 1901, elaborou o projecto para um edifício do Liceu do Porto que deveria ser erigido na rua do Triunfo. Mas o projecto não avançou e optaram pela sua localização no Bonfim e em Cedofeita para o Alexandre e o D. Manuel. A rua, à data, ainda não era D. Manuel II e se o liceu fosse para lá até podia ser razão para a renomear – ainda estávamos na monarquia.

Voltando à rua e ao Palácio de Cristal, ficaram boas memória desses tempos pós 25 de Abril. No Palácio, houve fins de semana culturais e o 1.º Encontro Livre da Canção Popular, realizou-se em 6 de Maio de 1974, com a presença de Luís Cília, Zé Mário Branco, Zeca Afonso, Fausto, Adriano e muitos outros. Pelo lado da política, lembro especialmente o 1.º Congresso do CDS, em 1975, em que os apoiantes encheram o pavilhão e ficaram cercados por manifestantes de extrema-esquerda, com palavras de ordem como “Morte aos fascistas”, com tiros e “cocktails molotov” para animar a noite, até o COPCON ir lá “serenar” os ânimos.

Estes tempos foram muito “livres” e até permitiram que um grupo revolucionário baptizasse a rua como – Rua José Estaline. Pintaram-lhe as placas, mas a comissão toponímica da Câmara não aceitou.

Cá para mim, a rua foi sempre D. Manuel II e nunca pensei na razão de o topónimo ter sobrevivido aos ideais republicanos. Para isso, vamos debruçar-nos um pouco sobre o edifício mais importante desta rua que está na origem do topónimo actual. Estamos a falar do Palácio das Carrancas. Começaram a construí-lo nos finais dos setecentos e hoje não vale a pena contar-lhe a história. Só lembrar que foi residência de personalidades famosas, de vários lados políticos, como os generais das Invasões Francesas de um e de outro lado – Soult, Wellesley e Beresford. D. Pedro IV fez dele quartel general, até a metralha lhe cair e cima e recuar para Cedofeita. Maltratado o Palácio, foi anos mais tarde vendido à Casa de Bragança que o recuperou e foi mesmo escolhido como residência oficial dos reis portugueses, nas suas vindas ao Porto. Com a implantação da República o palácio esteve muitos anos fechado.

Na véspera de 5 de Outubro de 1910, o rei partiu para Inglaterra porque já sabia que no dia seguinte ia ser deposto.  Mas D. Manuel foi um rei “patriota” e mesmo no exílio fez uma “obra de caridade”, oferecendo o Palácio à Santa Casa da Misericórdia do Porto. O rei, amigo das letras e do conhecimento, sabia que era preciso salvaguardar a cultura.

Em 1937, o museu do Porto – O Museu Allen- já não cabia lá em baixo, na Restauração. A Santa Casa cede o palácio à Câmara para instalar o que hoje é o Museu Nacional de Soares dos Reis. Pela gratidão do acto monárquico, a Câmara, em plena República, aprova o nome do rei, para memória futura desta rua – Rua D. Manuel II. Dos Quartéis ao Triunfo, venceu a monarquia.

foto in https://monarquiaportuguesa.blogs.sapo.pt/palacio-dos-carrancas-71121

Sem comentários:

Enviar um comentário