terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Cemitério de cavalos e burros

Hoje em dia, que tanto se fala nos direitos dos animais, acho que não conheço nenhum cemitério para animais. No entanto, há quase duzentos anos, os edis portuenses já se preocupavam onde dar sepultura aos bichos.

Um título destes hoje estranha-se, mas nos finais do século XIX parece que havia mais do que um cemitério de irracionais. E, em Agramonte, onde hoje estão humanos começaram a enterrar animais por lá.

Não traria este tema para aqui, se não me tivesse deparado com ele em “O Tripeiro” de 1909, 1ª série – ano 2 – pág. 111.

O artigo é intrigante, pois coloca em plena zona nobre da cidade um cemitério de cães, num terreno entre a rua de D. Pedro e a Rua do Laranjal. Estavámos então no que é hoje o coração da Invicta - a Praça da Liberdade. À época era o bairro do Laranjal. Na foto que encontrei no CPF, podemos identificar o Hotel Francfort, mas não nos dizem que foi construído em cima de um cemitério de cães.

 

«A antiga rua de D. Pedro é actualmente parte integrante da Praça da Liberdade. Em 1916 foi demolido o edifício que serviu de Paços do Concelho, a norte da Praça da Liberdade, bem como diversos arruamentos vizinhos — ruas do Laranjal e de D. Pedro. Nesta fotografia pode ver-se o famoso Hotel Francfort demolido por volta de 1917.»

Mas o artigo não fica pela praça. Vem cá acima ao Monte Pedral. Vou transcrever as palavras do artigo com a grafia à moda para não se ficar chocado com os actos:

«No alludido terreno eram esfolados os cães apanhados na rua por trabalhadores da camara. Alguns dos corpos d’aquelles animaes ficaram alli sepultados, outros eram levados para o Monte Pedral.»

Antes de voltar ao monte, quero só abrir um parêntesis, para as minhas memórias da “rede”. Se no artigo estávamos em meados do XIX, eu avanço um século ou mais e vejo os pobres dos cães da minha rua a fugir desalmadamente – Chegara “a rede”. Até no Porto, recordo ter visto um grupo de homens com uma rede enorme que tentavam apanhar os cães vadios e não só. Mesmo um Lulu com lacinho podia ser apanhado. Normalmente conseguiam fugir e as pessoas escondiam-nos em casa. Ríamo-nos das inabilidades dos “caçadores” mas ficávamos com muita pena dos bichinhos que eles levavam, porque diziam que os matavam. Parece que acontecia se não fossem imediatamente procurados e se não pagassem a respectiva multa.

Andava em pesquisas sobre a actual rua da Constituição e descobri que no Monte Pedral, que foi dificilmente rompido para a rua passar, tiveram de desistir de um cemitério para cavalos que já por aí existia em 1858.

Já agora, deixo este verbete de Pinho Leal que confirma que, pelos anos de 1840, em Agramonte começou-se por um cemitério para irracionais, fazendo-se depois uma divisão para os pobres que falecessem no Hospital da Misericórdia. Por fim, transformou-se em cemitério público.

 

23 de Setembro de 1858 – Nota sobre o Cemitério de Cavalos no Porto, no Monte Pedral:

“Lugar onde no Porto, costumam ser enterrados os cavalos e burros”, na última página do jornal “O Diabo a Quatro”, em nota ao poema “Ao charadista de Villa Meã (derriça em rima)”:

Q’rias subir ao Parnaso,
Pobre, orelhudo animal?!
Sai-te p’ra baixo, mesquinho!
Sai, que erraste o caminho,
Subiste ao Monte Pedral!

(Notícia / Nota gentilmente cedida por ADRIANO SILVA – PORTO DESAPARECIDO)

Ali pelos finais da rua Constituição, por onde ficaria o cemitério, em terrenos camarários, foi erguido um dos primeiros Bairros Operários, com risco do famoso arquitecto Marques da Silva, autor de tantas obras emblemáticas na cidade do Porto. Mas isso é uma longa história e fica para uma próxima.

 

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