sábado, 7 de dezembro de 2024

João Brandão vs Zé do Telhado

 Bandidos, heróis ou até guerrilheiros?

Na verdade, quem foram estas figuras e porque povoaram a nossa imaginação de infância?

Firmino Pereira, no seu livro de 1914, “O Porto doutros tempos”, não tem dúvidas em classificar João Brandão como um “célebre facínora”, enquanto José do Telhado refere-o apenas como “um famigerado salteador que apenas roubava, e muitas vezes, aos ricos para dar aos pobres, como alguma vez sucedeu”.

Ambos viveram anos conturbados da nossa história, onde as desavenças políticas não se ficavam pelas palavras e originaram revoltas, rebeliões e até guerras, num período de violência que se estendeu de 1807 a 1870.

Resumindo alguns factos e datas, podemos relembrar:

1807 a 1811 – as guerras napoleónicas; a Família Real vai para o Brasil e sofrem os que cá ficam.

1820 – Revolução no Porto, pelos liberais. D. João VI regressou.

1828 – D. Miguel é proclamado rei absoluto e inicia-se um reino de terror contar os liberais.

1832-34 – Cerco do Porto, com vitória dos liberais.

Começaram agora perseguições a miguelistas e mesmo lutas entre liberais. Os vintistas, que apoiavam a Constituição de 1820 e os setembristas, mais à esquerda e alguns até mais radicais, que eram a favor da Carta de 1826.

Foram várias as lutas e as rebeliões:

1835 – pronunciamento militar

1836 – a Belenzada de Novembro

1837 – a Revolta dos Marechais

1841 – pronunciamente setembrista

1846 – rebelião da Maria da Fonte e guerra civil da Patuleia

 

Mais haveria a listar, até com nomes sugestivos como a Maria Bernarda (1862) ou a Janeirinha (1868), mas por hoje foquemo-nos nos heróis ou nos vilões.

Além dos grupos defensores dos ideais políticos, havia a acção de pequenos grupos armados, alguns que até haviam combatido e que agora continuavam a ser vistos como bandidos, soldados ou até guerrilheiros. Saqueavam propriedades, roubavam alimentos ou para os poderem comprar, bem como para adquirir armas e munições.

É neste clima de lutas, que vamos encontrar João Brandão e a família, que por alguns foram classificados como “os Assassinos da Beira”. Consta que, no entanto, receberam uma carta de comendação da Rainha D. Maria II, que louvava o facto da família dos Brandões, do concelho de Midões, terem aniquilado bandos de salteadores que tinham cometido roubos e assassinatos. Na verdade, seriam mais uma vez, lutas entre miguelistas e liberais.

João Brandão continuou a perseguir os “bandidos”, comandou um batalhão na guerra da Patuleia, participou noutras revoltas e até foi vereador e fiscal da câmara de Midões.

Na década de 60, é considerado culpado pela morte de miguelistas, mas por duas vezes foi absolvido. Em 1866, é assassinado o Padre Portugal. João Brandão não esteve lá, mas foi considerado o autor do crime.

Voltemos ao início, às palavras de Firmino Pereira:

«O campo do Olival agitou-se … era o julgamento do célebre facínora João Brandão, no tribunal do 1.º distrito. Em 1866, no meio de uma forte escolta, entrou nas cadeias o célebre bandido. João Brandão, altivo e desdenhoso, na jaqueta de alamares com botões de punho de prata. Era um assassino por temperamento, filho de um ferreiro que capitaneava uma quadrilha de facínoras, foi o terror da sua província desde 1842 até 1866, ano em que foi preso e entrou na Relação, já condenado a degredo, juntou-se tanta gente no campo do Olival que foi preciso destacar grandes forças de infantaria e cavalaria para dispersar.»

Voltando às memórias de infância, recordo uma cantilena que arremedávamos à nossa maneira, mas de um modo mais belicista, que começava assim:

“Lá vem o João Barandão / com sete pistolas na mão/ e então? E então? E então?”

A modinha cantada pelos ceguinhos, juntamente com as histórias de faca e alguidar, era mais alegre:

«Lá vai o João Brandão

Tocando o seu violão.

Casaca à moda na mão

E então? E então? E então?

Trai, trai, ó laré, trai, trai,

Era à moda de meu pai.

O Pastor ah!, ah!, ah!,

Lavrador enganador,

Renhinhi, Rinhónhó,

Ah!, ah!, ah!, oh!, oh!, oh!»

 

Quanto ao seu concorrente, o Zé do Telhado era muito mais benquisto pelas nossas gentes – o nosso “Robin dos Bosques”. Até lhe inventavam histórias, para gostarmos mais dele.

Conta-se que aqui na vizinha freguesia, durante uma festa de arromba, na Casa de Ramalde, ilustres damas e cavalheiros, bem “arreados” com seus ouros, foram terrivelmente assaltados pela quadrilha do Zé do Telhado. Ora esta Quinta e a Casa foi assaltada pelos franceses, em 1809, incendiando a casa, que durante muitos anos foi conhecida como a “Casa Queimada”. No tempo do Zé do Telhado ainda não tinha sido reconstruída, logo não deveria haver aí grandes festas.

José do Telhado tinha muito em comum com João Brandão, na medida em que também lutou pelos Setembristas, pela restauração da Carta Constitucional e participou como militar na revolta da Maria da Fonte. Os seus assaltos parecem ter sido mais dirigidos aos partidários miguelistas. Também acabou preso, na cadeia da Relação do Porto, onde conheceu Camilo, que lhe aproveitou algumas façanhas para as imortalizar nas “Memórias do Cárcere”.

 

Na minha memória, também não havia festas na casa do Zé do Telhado, que ficava face à estrada, ali por Paredes, a caminho de Amarante. Quando era muito miúdo, metiam-me medo quando lá passava, contando-me histórias do salteador. No entanto, com o passar dos anos, a casa foi-se degradando e acabou também em cinzas.

Para finalizar, deixo um cheirinho mais musical também para o Zé do Telhado. A personagem foi retratada em filmes e peças de teatro e saliento uma estreada em 1978, pelo encenador Hélder Costa, que pediu ao Zeca Afonso a música para a peça. Todo o lado A, do álbum Fura Fura, foi especialmente escrito e criado para o “Zé do Telhado”. Deixo aqui uns versos bem pensados para o “salteador” e suas façanhas:

 «E embora seja ladrão aquele que tenha mãe
Lá tem no meio da luta
Ternos afagos de alguém»
in Quanto é Doce

«Viva a Maria da Fonte com as pistolas na mão
Para matar os Cabrais que são falsos à nação»
in As Sete Mulheres do Minho

 «Aprende Rainha aprende mede bem o teu poder

Tu dum lado o povo d'outro
Qual dos dois há-de vencer»

in O Cabral fugiu para Espanha

«José do Telhado sozinho e perdido
É um lobo do mato acossado
(De quem foi a traição?)
(De quem foi a traição?)

José do Telhado trocado e vendido
É um lobo do mato
Fugido
[…]
José do Telhado o traidor
Que o vendeu bem merece
Sofrer o castigo
(De quem foi a traição?)
De quem foi a traição?
José do Telhado vai-se vingar
O traidor vai pagar o traidor vai pagar»

In De quem foi a traição?


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